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Forçando-se a esvaziar a mente, ela cerrou os punhos e tentou cravar os dedos dos pés no chão de pedras irregulares. Desejou que o som que saía de sua garganta não soasse tanto como um lamento.

Min colocou suas trouxas no chão e jogou o manto para trás, para segurar a chave com ambas as mãos. Era duas vezes maior que suas mãos e tão enferrujada quanto o cadeado, feito todas as outras chaves no grande aro de ferro. O ar estava frio e úmido, como se o verão ainda não tivesse chegado tão ao sul.

— Rápido, criança — murmurou Laras, erguendo a lanterna para Min no corredor escuro de pedra e espiando nas duas direções. Era difícil acreditar que a mulher, com todo aquele queixo, algum dia fora uma beldade, mas Min sem dúvida a considerava bela agora.

Lutando com a chave, ela balançou a cabeça. Havia encontrado Laras enquanto corria sorrateira de volta para o quarto para colocar o vestido simples e cinza de montaria que usava no momento, além de fazer outras coisinhas. Na verdade, encontrara a mulher corpulenta procurando por ela, em um surto de preocupação com “Elmindreda”, gritando que Min era muito sortuda por estar em segurança e praticamente sugerindo que ela se trancasse no quarto até que aquela loucura terminasse, para que continuasse segura. Ela ainda não sabia ao certo como Laras conseguira descobrir suas intenções, nem estava plenamente recuperada do choque que sentira quando a mulher anunciara, relutante, ter condições de ajudar. Uma mulher arrojada, de fato, seguindo o próprio coração. Bem, espero que ela consiga — como foi que ela disse mesmo? — me manter fora do caldeirão de salmoura. A maldita chave não girava; ela forçou todo o peso do corpo na tentativa.

Em verdade, Min era grata a Laras sob diversos aspectos. Era pouco provável que desse conta de aprontar tudo sozinha, ou até mesmo de encontrar qualquer coisa, decerto não com aquela rapidez. Além do mais… além do mais, quando topou com Laras, já estava começando a se convencer de que tinha sido uma idiota de sequer pensar em fazer uma coisa daquelas, que deveria estar montada em um cavalo rumo a Tear enquanto era tempo, antes que alguém decidisse acrescentar sua cabeça às que decoravam a frente da Torre. Suspeitava que fugir teria sido o tipo de coisa impossível de se esquecer. Só aquilo já a tornava grata a ponto de não ter feito qualquer objeção quando Laras acrescentou alguns belos vestidos aos que ela já havia guardado na trouxa. Os rouges e pós sempre podiam ser “perdidos” em algum canto. Por que é que essa maldita chave não gira? Talvez Laras consiga…

A chave girou subitamente, fazendo um barulho tão alto que Min temeu que alguma parte tivesse se quebrado. No entanto, a porta de madeira bruta se abriu com um empurrão. Ela agarrou as trouxas, adentrou a cela vazia de pedra… e parou, confusa.

A luz da lanterna revelou duas mulheres vestidas apenas em hematomas roxos e arranhões vermelhos, protegendo os olhos da súbita iluminação, mas por um instante Min não soube ao certo se eram as duas que procurava. Uma era alta, de pele acobreada, a outra mais baixa, mais corpulenta, mais pálida. Os rostos pareciam os certos — quase os certos — e intocados pelo que os corpos haviam sofrido, então ela deveria ter certeza. Porém, o aspecto de idade indefinida que era a marca das Aes Sedai parecia ter desaparecido; aquelas mulheres decerto eram apenas seis ou sete anos mais velhas do que ela, no máximo, e não eram Aes Sedai. Seu rosto ficou quente de vergonha diante do pensamento. Ela não viu imagens nem auras em torno das duas; o que sempre havia quando se tratava de Aes Sedai. Pare com isso, disse a si mesma.

— Onde…? — começou a perguntar uma das duas, espantada, depois fez uma pausa para pigarrear. — Como foi que você conseguiu essas chaves? — Era a voz de Siuan Sanche.

— É ela. — Laras soava incrédula. Cutucou Min com um dedo grosso. — Ande, criança! Estou muito velha e muito lenta para essas aventuras.

Min disparou um olhar surpreso; a mulher havia insistido em ir, dissera que não seria deixada de fora. Min queria perguntar a Siuan por que as duas de repente pareciam tão mais novas, mas não havia tempo para perguntas frívolas. Maldição, estou ficando muito acostumada a ser Elmindreda!

Ela empurrou uma das trouxas para a mulher nua e disse, depressa:

— Roupas. Vistam-se o mais rápido possível. Não sei quanto tempo temos. Deixei o guarda pensar que eu daria uns beijos nele pela chance de me vingar de uma desfeita de vocês, e enquanto ele estava distraído Laras chegou por trás e deu na cabeça do homem com um rolo de macarrão. Não sei por quanto tempo ele vai dormir. — Ela inclinou o corpo em direção à porta e espiou, preocupada, o corredor que levava aos aposentos dos guardas. — É melhor a gente correr.

Siuan já havia desamarrado a trouxa e começado a vestir as roupas. Exceto por um vestido de linho, eram todas de lã simples em tons de marrom, adequadas às camponesas que vinham à Torre Branca aconselhar-se com as Aes Sedai, embora as saias divididas para montaria fossem um pouco incomuns. Laras havia cerzido a maior parte; Min dera conta apenas de furar os dedos. Leane também estava se vestindo, porém parecia mais interessada na faca de lâmina curta que pendia do cinto do que nas roupas em si.

Três mulheres vestidas em roupas simples teriam a chance, pelo menos, de sair da Torre sem chamar atenção. Um punhado de requerentes e gente pedindo ajuda havia ficado preso na Torre por conta do conflito; três a mais que saíssem dos esconderijos seriam, na pior das hipóteses, jogadas rapidamente na rua. Contanto que não fossem reconhecidas. Os rostos das outras mulheres poderiam ajudar também. Era pouco provável que alguém tomasse um par de jovens — aparentemente, pelo menos — pelo Trono de Amyrlin e a Curadora das Crônicas. A antiga Amyrlin e a antiga Curadora, ela lembrou a si mesma.

— Só um guarda? — perguntou Siuan, estremecendo enquanto calçava meias grossas. — Estranho. Até um ladrão seria mais bem vigiado. — Com os olhos em Laras, ela enfiou os pés nos sapatos pesados. — É bom ver que tem gente que não acredita nas acusações que estão fazendo a mim. Sejam elas quais forem.

A mulher corpulenta franziu o cenho e baixou o queixo, completando o pensamento:

— Eu sou leal à Torre — disse, severamente. — Essas questões não me dizem respeito. Sou só uma cozinheira. Essa menina insensata me faz lembrar muito de quando eu mesma era uma garota insensata. Acho… vendo vocês… que está na hora de lembrar que já não sou uma mocinha graciosa. — Ela empurrou a lanterna nas mãos de Min.

Min agarrou o braço robusto da mulher quando ela se virou para sair.

— Laras, você não vai nos entregar, vai? Não agora, depois de tudo o que você fez.

O rosto largo da mulher se abriu em um sorriso meio saudoso, meio pesaroso.

— Ah, Elmindreda, você de fato me faz lembrar de mim mesma quando tinha a sua idade. Cada coisa estúpida, e às vezes eu quase acabava enforcada. Não vou trair vocês, criança, mas tenho que viver aqui. Quando a Segunda soar, vou mandar uma garota com vinho para o guarda. O que vai lhes dar mais do que uma hora, se ele não tiver acordado ou sido descoberto até então. — Ela se virou para as outras duas, de súbito com a mesma carranca que Min via dirigida aos cozinheiros subalternos e afins. — Façam bom uso dessa hora, estão ouvindo? Elas estão querendo enfiar vocês duas na área de serviço, pelo que entendi, para que possam servir de exemplo. Isso não me importa, de todo modo, pois são assuntos de Aes Sedai, não de cozinheiras, e para mim tanto faz uma Amyrlin ou a outra. Mas, se vocês deixarem alguém capturar essa menina, podem esperar que vou mandar esfolar seus couros do dia até a noite sempre que não estiverem com a cara enfiada em panelas engorduradas ou limpando jarros de lavagem! Vocês vão desejar que elas tivessem lhes arrancado fora as cabeças antes que eu termine com as duas. E não pensem que elas vão acreditar que eu ajudei. Todo mundo sabe que eu não saio das minhas cozinhas. Lembrem-se bem do que eu disse, e se virem! — O sorriso retornou ao rosto da mulher, que deu um beliscãozinho na bochecha de Min. — Você apresse essas duas, criança. Ah, como vou sentir falta de vestir você. Uma menina tão bonita. — Com um último e vigoroso beliscão, saiu da cela, bamboleando quase em um trote.