Poucos minutos depois, saíram de lá as Donzelas dos Jindo e dos Nove Vales que tinham ido para a Pedra. E também todas as outras Donzelas do ramo dos Nove Vales que estavam no Forte das Pedras Frias, amontoando-se dos dois lados do caminho e pelo teto entre as fileiras de hortaliças para espiar, de sorrisos escancarados, como se esperassem se divertir. Gai’shain homens e mulheres serviam pequenas xícaras de chá escuro. Qualquer que fosse a regra que impedia os homens de adentrar o Teto das Donzelas, não valia para os gai’shain.
Depois de Rand examinar diversas ofertas, Adelin, a mulher Jindo de cabelos louros com uma pequena cicatriz no rosto, exibiu um enorme bracelete de marfim com entalhes profundos de rosas. Ele achou que combinava com Aviendha, pois o escultor tivera o cuidado de entalhar os espinhos por entre as flores.
Adelin era alta, mesmo para uma Aiel, com os olhos apenas um palmo mais baixos que os de Rand. Quando soube a razão pela qual ele queria o bracelete — ou melhor, soube em parte: Rand disse apenas que era um presente pelos ensinamentos de Aviendha, não para amansar o temperamento da mulher e torná-la uma companhia mais tolerável — Adelin olhou em volta, para as outras Donzelas. Todas fecharam os sorrisos, exibindo expressões indecifráveis.
— Não aceito pagamento por isso aqui, Rand al’Thor — declarou, colocando o bracelete na mão dele.
— Isso é errado? — perguntou o rapaz. Como os Aiel enxergariam aquele gesto? — Eu não quero desonrar Aviendha de forma alguma.
— Não vai desonrá-la. — A mulher acenou para uma gai’shain que carregava uma bandeja de prata com taças e uma jarra de cerâmica. Serviu duas taças e entregou uma a ele. — Lembre-se da honra — disse, bebendo da taça dele.
Aviendha nunca mencionara nada parecido com aquilo. Indeciso, ele tomou um golinho do chá amargo e repetiu:
— Lembre-se da honra. — Parecia o mais seguro a dizer.
Para sua surpresa, a mulher o beijou delicadamente em cada face.
Uma Donzela mais velha, de cabelos grisalhos, mas ainda de feições firmes, surgiu diante dele.
— Lembre-se da honra — disse, e bebericou.
Ele precisou repetir o ritual com todas as Donzelas presentes. No fim, apenas tocava a taça com os lábios. As cerimônias Aiel podiam ser curtas e diretas, mas, quando era preciso repeti-las com setenta e tantas mulheres, até os golinhos acabavam deixando o sujeito entupido. As sombras já se erguiam pelo leste do cânion quando ele conseguiu escapar.
Encontrou Aviendha perto da casa de Lian, batendo vigorosamente um carpete de listras azuis pendurado em um varal, com outros empilhados a seu lado, em uma variedade de cores. Afastando uma mecha de cabelo suado da testa, a jovem o encarou, sem expressão, quando ele lhe entregou o bracelete e disse que era um presente pelos ensinamentos.
— Eu já dei braceletes e colares a amigas que não carregavam a lança, Rand al’Thor, mas nunca usei um. — A voz dela era absolutamente inexpressiva. — Essas coisas chacoalham e fazem barulho, entregam a gente quando é preciso fazer silêncio. Elas agarram quando a gente se mexe muito rápido.
— Mas você pode usar agora, já que vai ser uma Sábia.
— É. — Ela girou o aro de marfim como se não soubesse muito bem o que fazer com ele, então passou-o pela mão de repente e ergueu o braço para olhá-lo. Poderia estar encarando uma algema.
— Se você não gostou… Aviendha, Adelin disse que isso não mancharia sua honra. Ela até pareceu aprovar. — Rand mencionou a cerimônia dos golinhos do chá, e a jovem estreitou os olhos e se arrepiou toda. — Qual é o problema?
— Elas acham que você está tentando atrair o meu interesse. — Rand não acreditava que a voz dela estivesse tão impassível. Os olhos não esboçavam qualquer emoção. — Elas todas aprovaram você, como se eu ainda portasse a lança.
— Luz! Era mais simples esclarecer as coisas. Eu não… — Ele parou de falar ao ver os olhos da mulher ardendo de raiva.
— Não! Você aceitou a aprovação delas, agora vai rejeitar? Isso sim me desonraria! Você acha que é o primeiro homem que tenta me cortejar? Elas agora têm que continuar pensando o que estão pensando. Não quer dizer nada. — Com uma carranca, Aviendha agarrou o batedor de tapete trançado com as duas mãos. — Saia daqui. — Olhando o bracelete, ela acrescentou: — Você não entende nada mesmo, não é? Não entende nada. A culpa não é sua. — Ela parecia estar repetindo algo que escutara, ou tentando convencer a si mesma. — Me desculpe por ter estragado o seu jantar, Rand al’Thor. Por favor, saia daqui. Amys disse que preciso limpar todos esses tapetes e carpetes, leve o tempo que levar. Vai levar a noite inteira, se você ficar aqui plantado falando comigo.
Aviendha virou as costas para ele e deu uma pancada violenta no carpete listrado, o bracelete de marfim balançando em seu pulso.
Rand não sabia se o pedido de desculpas fora por causa do presente ou por ordem de Amys — suspeitava da segunda hipótese — mas soara sincero. Ficou claro que Aviendha não estava satisfeita, a julgar pelo grunhido agudo de esforço que acompanhava cada girada em cheio com o batedor, porém não expressara sua raiva nenhuma vez. Podia estar irritada, intimidada e até furiosa, mas não com raiva. Era melhor do que nada. Uma hora a mulher recuperaria a civilidade.
Quando ele adentrou o salão principal da casa de Lian, pavimentado com azulejos marrons, viu as Sábias todas juntas, conversando, as quatro com xales soltos por cima dos ombros. Um silêncio se abateu quando ele apareceu.
— Vou mostrar seu quarto a você — disse Amys. — Os outros já foram para os deles.
— Obrigado. — Ele olhou de volta para a porta, o cenho levemente franzido. — Amys, você mandou Aviendha se desculpar comigo pelo jantar?
— Não. Ela fez isso? — Os olhos azuis da mulher ficaram pensativos por um instante. Rand achou que Bair estava quase sorrindo. — Eu não mandaria uma coisa dessas, Rand al’Thor. Desculpas forçadas não são desculpas.
— Nós mandamos a garota bater tapetes até acalmar um pouco os ânimos — respondeu Bair. — Qualquer coisa a mais partiu dela mesma.
— E provavelmente foi feita na esperança de escapar das tarefas — acrescentou Seana. — Ela tem que aprender a controlar a raiva. Uma Sábia precisa dominar suas emoções, não se deixar controlar por elas.
Com um leve sorriso, Seana olhou de esguelha para Melaine. A mulher de cabelos dourados apertou os lábios e fungou.
Elas estavam tentando convencê-lo de que Aviendha seria uma ótima companhia dali em diante. Seria possível que pensassem que ele estava cego?
— Vocês devem saber que eu já sei. Sobre ela. Que vocês mandaram Aviendha para me espionar.
— Você não sabe tanto quanto pensa que sabe — respondeu Amys, como uma verdadeira Aes Sedai, escondendo intenções.
Melaine ajeitou o xale, avaliando-o de cima a baixo. Rand sabia um pouco sobre Aes Sedai e, se aquela ali fosse uma, seria da Ajah Verde.
— Eu admito — começou ela — que no início pensamos que você não veria nada além de uma bela mulher. E você também é bastante bonito, de modo que Aviendha acharia a sua companhia mais interessante que a nossa. Não contávamos com a língua dela. Nem com outras coisas.
— Então por que querem tanto que ela continue comigo? — A voz dele saiu em um tom mais violento do que o pretendido. — Vocês não podem achar que depois disso eu vou contar a ela qualquer coisa que não queira que vocês saibam.