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— Eu preciso marcar você. — Havia um toque de fúria na voz dela. — Primeiro aquela covarde da Ilyena, e agora… Em quantas mulheres você pensa?

A mulher de repente cravou os dentes brancos e pequenos no pescoço dele.

Urrando, Rand a empurrou e agarrou o próprio pescoço. Tinha arrancado pele. Estava sangrando.

— É assim que você se diverte enquanto eu me pergunto aonde foi? — indagou uma voz masculina, carregada de desprezo. — Por que eu deveria manter minha palavra se você põe o nosso plano em risco desse jeito?

A mulher apareceu na margem de repente, vestida de branco, com um cinto de prata trançada envolvendo a cintura fina, além de estrelas e luas de prata nos cabelos escuros como a meia-noite. Atrás dela, o chão elevava um pouco, formando um bosque de freixos por sobre um monte. Rand não se lembrava de ter visto freixos antes. A mulher encarava… um borrão. Um borrão indistinto flutuando no ar, espesso, cinzento, do tamanho de um homem. Estava tudo… errado, por assim dizer.

— Em risco — repetiu ela, com desprezo. — Você tem tanto medo de se arriscar quanto Moghedien, não é? Rasteja feito a própria Aranha. Se eu não tivesse arrancado você daquele buraco, ainda estaria se escondendo, esperando para conseguir agarrar umas migalhas.

— Se você não é capaz de controlar seu… apetite — disse o borrão, com uma voz masculina — por que eu deveria me aliar a você, para começo de conversa? Se tiver que correr riscos, eu quero uma recompensa maior do que ficar puxando os cordéis de uma marionete.

— Como assim? — perguntou a mulher, em um tom ameaçador.

O borrão tremeluziu. De alguma forma, Rand sabia que era hesitação, incerteza por ter falado demais. De súbito, desapareceu. A mulher olhou para Rand, ainda enfiado no laguinho até o pescoço. Então apertou os lábios, irritada, e sumiu.

Rand acordou com um susto e ficou ali parado, perscrutando a escuridão. Um sonho. Mas fora um sonho comum, ou algo mais? Ele mexeu a mão por debaixo das cobertas e tocou a lateral do pescoço, sentindo as marcas dos dentes e o filete fino de sangue. Fosse qual fosse o tipo de sonho, a mulher estivera nele. Lanfear. Não tinha sonhado com ela. E aquele outro, um homem. Um sorriso frio surgiu em seu rosto. Armadilhas por todos os cantos. Armadilhas para pés desatentos. Eu preciso olhar por onde ando. Tantas armadilhas. E criadas por todo mundo.

Rindo baixinho, Rand virou de lado para voltar a dormir — e ficou imóvel, prendendo a respiração. Não estava sozinho no quarto. Lanfear.

Em um frenesi, tentou agarrar a Fonte Verdadeira. Por um instante, temeu ser derrotado pelo próprio medo. Então adentrou a calma gélida do Vazio e foi preenchido por uma torrente tempestuosa de Poder. Ele se levantou de um salto e atacou. Os lampiões se acenderam.

Aviendha estava sentada diante da porta, de pernas cruzadas, com a boca escancarada, e os olhos verdes, arregalados, voltados para os lampiões e os fluxos, invisíveis a ela, que a envolviam por completo. Não conseguia sequer mexer a cabeça. Rand esperara encontrar alguém de pé, e a teia ultrapassara a cabeça dela. Ele soltou os fluxos de Ar no mesmo instante.

A jovem se levantou, afobada, quase derrubando o xale.

— Eu… eu acho que nunca vou me acostumar com… — Ela apontou para os lampiões. — Vindo de um homem.

— Você já me viu manejar o Poder antes. — A ira jorrou pela superfície do Vazio que o circundava. Invadindo sorrateira o quarto, na escuridão. Quase o fazendo morrer de susto. Aviendha tivera sorte de não acabar machucada ou morta por acidente. — É melhor você ir se acostumando. Eu sou Aquele Que Vem Com a Aurora, queira admitir ou não.

— Isso não é parte…

— Por que você está aqui? — perguntou ele, em um tom frio.

— As Sábias estão se revezando para vigiar você do lado de fora. Querem continuar vigiando dos… — A voz dela foi morrendo, e a face, enrubescendo.

— De onde? — A mulher apenas o encarava, com o rosto cada vez mais carmesim. — Aviendha, de ond…? — Andarilhas dos sonhos. Por que aquilo nunca lhe ocorrera? — De dentro dos meus sonhos — disse, em um tom frio. — Há quanto tempo andam espionando dentro da minha cabeça?

A jovem soltou um suspiro alto e pesado.

— Não era para eu deixar você saber. Se Bair descobrir… Seana disse que esta noite seria muito perigoso. Eu não entendo: não consigo entrar em sonhos sem a ajuda de alguma delas. A única coisa que sei é que algo perigoso ocorrerá hoje à noite. É por isso que elas estão se revezando do outro lado da porta. Estão todas preocupadas.

— Você ainda não respondeu a minha pergunta.

— Eu não sei por que estou aqui — resmungou ela. — Se você precisar de proteção… — Ela olhou para a faca de cintura curta e tocou o cabo. O bracelete de marfim parecia irritá-la, e Aviendha cruzou os braços para prendê-lo na axila. — Eu não poderia proteger você muito bem com uma faquinha tão pequena, e Bair disse que se eu tocar em outra lança sem estar sendo atacada, vai usar o meu couro para fazer um cantil. Não sei nem por que deveria abrir mão do meu sono para proteger você, para começo de conversa. Por sua causa, fiquei batendo tapetes até menos de uma hora atrás. E só com as luz do luar!

— Não foi essa a pergunta. Há quanto tempo…? — Rand parou de falar de repente.

Havia uma sensação no ar, uma sensação de algo errado. De algo maligno. Podia ser imaginação, algum resquício do sonho. Podia ser.

Aviendha prendeu a respiração quando a espada de chamas vermelhas surgiu nas mãos dele, a lâmina levemente curva com a marca da garça. Lanfear o acusara de usar apenas a décima parte do que era capaz, e ainda assim a maioria dessa décima parte vinha de sensações e suposições. Ele nem ao menos sabia a décima parte do que poderia fazer. Mas sabia usar a espada.

— Fique atrás de mim. — Percebeu que a mulher começara a desenbainhar a faca de cintura enquanto ele percorria o quarto, descalço, mas com meias, sem fazer barulho nos carpetes. Estranhamente, o ar não estava mais frio do que quando se deitara para dormir. Talvez aquelas muralhas de pedra conservassem o calor, pois, quanto mais longe ele ia, mais frio ficava.

Até os gai’shain deviam ter ido se deitar, àquela hora. Os corredores e aposentos estavam vazios e silenciosos, a maioria com a iluminação fraca dos lampiões espalhados que ainda queimavam. Ali, onde lampiões apagados significavam escuridão total, mesmo ao meio-dia, ainda havia luzes acesas. A sensação era vaga, mas não ia embora. Algo maligno.

Ele parou de repente sob o grande arco que levava ao salão de entrada, pavimentado com os azulejos marrons. Um lampião prateado em cada extremidade do salão fornecia uma luz pálida. No meio do aposento havia um homem alto, parado de pé, com a cabeça inclinada sobre a mulher em seu braços cobertos por um manto negro. A cabeça dela pendia para trás, e um capuz branco estava caído enquanto o homem acariciava sua garganta. Os olhos de Chion estavam quase fechados, e a mulher exibia um sorriso de êxtase. Um arroubo de constrangimento irrompeu pela superfície do Vazio. Então, o homem ergueu a cabeça.

Os olhos negros observaram Rand, grandes demais para o rosto pálido e encovado. Na boca, os lábios enrugados e vermelhos se abriram em um arremedo de sorriso, revelando dentes afiados. Chion caiu no chão quando o manto da criatura se desdobrou e expandiu, feito asas de morcego. O Draghkar pisou em cima da mulher. Era tão branco, as mãos alvas estendidas para Rand, os dedos longos e finos com garras nas pontas. Mas garras e dentes não eram o perigo. Era o beijo do Draghkar que matava, e pior.

Sua canção baixa e hipnótica agarrou-se com força ao Vazio. As asas escuras e curtidas avançaram para envolvê-lo quando Rand deu um passo à frente. Um instante de choque lampejou naqueles imensos olhos negros, e a espada forjada no Poder atravessou o crânio do Draghkar, entrando pela ponte do nariz.