Domon cravou os olhos em Elayne, depois em Nynaeve, com a estranha barba de illianense quase toda eriçada. Elayne só deixara a cabeça do homem livre.
— Essa mulher é uma Seanchan! — grunhiu.
Elayne e Nynaeve trocaram olhares surpresos. Egeanin? Seanchan? Era impossível. Só podia ser impossível.
— Tem certeza? — perguntou Nynaeve, devagar e baixinho. Soava tão atônita quanto Elayne se sentia.
— Eu nunca vou esquecer o rosto dela — respondeu Domon com firmeza. — A capitã de um navio. No caso, foi ela quem me levou para Falme, eu e meu navio, como prisioneiros dos Seanchan.
Egeanin não se esforçou para negar, apenas continuou ali parada, agarrada à faca. Seanchan. Mas eu gosto dela!
Com cuidado, Elayne remexeu a trama de fluxos até que a mão de Egeanin que erguia a faca ficasse descoberta até o pulso.
— Largue a faca, Egeanin — disse ela, ajoelhando-se ao lado da mulher. — Por favor. — Depois de um instante, Egeanin abriu a mão. Elayne pegou a faca e se afastou, soltando os fluxos por completo. — Mestre Domon, solte a mulher.
— Ela é Seanchan, senhora — protestou ele — e dura feito uma ponteira de ferro.
— Solte.
Resmungando entre dentes, Domon soltou o pulso de Egeanin, afastando-se mais que depressa, como se esperasse que ela o atacasse outra vez. No entanto, a mulher de cabelos escuros — a mulher Seanchan — simplesmente ficou ali parada. Alongou o ombro do braço que ele havia torcido, encarando-o, pensativa, olhou para a porta, depois ergueu a mão e esperou, aparentando profunda calma. Era difícil não admirá-la.
— Seanchan — grunhiu Nynaeve. Agarrou um punhado das longas tranças, depois olhou surpresa para a mão e as soltou, mas sua testa ainda estava franzida, e os olhos, inflexíveis. — Seanchan! Conquistando de mansinho a nossa amizade. Achei que todos vocês tinham ido embora por onde vieram. Por que está aqui, Egeanin? O nosso encontro foi mesmo acidental? Por que nos procurou? Estava pretendendo atrair a gente até algum lugar onde a sua sul’dam imunda pudesse encolarar os nossos pescoços? — Os olhos de Egeanin se arregalaram infimamente. — Pois sim — acrescentou Nynaeve, com rispidez. — Nós sabemos sobre vocês, Seanchan, sobre suas sul’dam e damane. Sabemos mais do que vocês. Seu povo acorrenta mulheres capazes de canalizar, mas as que são usadas para controlá-las também são capazes de canalizar, Egeanin. Para cada mulher capaz de canalizar, acorrentada feito um animal, vocês cruzam com mais dez ou vinte todos os dias, sem nem perceber.
— Eu sei — respondeu Egeanin simplesmente, e o queixo de Nynaeve caiu.
Elayne achou que seus próprios olhos iriam saltar das órbitas.
— Você sabe? — Ela respirou fundo e prosseguiu, em um tom mais composto do que o ganido incrédulo de antes. — Egeanin, acho que você está mentindo. Eu não topei com muitos Seanchan antes, e nunca por mais de alguns minutos, mas conheço uma pessoa que já topou. Os Seanchan nem sequer odeiam as mulheres que canalizam. Eles as consideram animais. Você não estaria assim tão calma se soubesse, ou no mínimo se acreditasse.
— As mulheres que podem usar o bracelete são mulheres capazes de aprender a canalizar — respondeu Egeanin. — Eu não sabia que podia ser aprendido, pois me ensinaram que ou uma mulher pode ou não pode, mas quando vocês me disseram que as meninas que não nasceram com a capacidade precisam ser instruídas, eu tirei minhas conclusões. Posso me sentar? — Tão fria.
Elayne assentiu, e Domon levantou a cadeira de Egeanin e permaneceu de pé atrás da mulher enquanto ela se sentava. Olhando para ele por sobre o ombro, a mulher de cabelos escuros disse:
— Você não foi um oponente tão… difícil… da última vez que nos vimos.
— Você estava trazendo vinte soldados armados ao meu convés, mais uma damane pronta para detonar o meu navio com o Poder. Não é porque eu consigo pescar um tubarão que vou comprar briga com ele. — Surpreendentemente, o homem sorriu para ela, esfregando a lateral do corpo, onde a mulher decerto acertara um golpe que Elayne não tinha visto. — Você também nem foi uma oponente tão fácil quanto eu pensei que seria sem a sua armadura e a espada.
Aquelas conclusões certamente tinham abalado seu mundo, mas a mulher estava encarando tudo de forma bastante objetiva. Elayne não conseguia imaginar algo que pudesse virar o mundo dela de pernas para o ar daquela forma, mas esperava, caso acontecesse, ser capaz de manter a calma e a reserva de Egeanin. Preciso parar de gostar dela. Ela é Seanchan. Teria me encolarado feito um bichinho, se pudesse. Luz, como é que se para de gostar de alguém?
Nynaeve não aparentava enfrentar a mesma dificuldade. Ela cravou os punhos na mesa e inclinou-se na direção de Egeanin com tanta fúria que as tranças bambolearam para dentro das tigelinhas.
— Por que você está aqui em Tanchico? Achei que todos vocês tinham fugido depois de Falme. E por que tentou se infiltrar no meio de nós e conquistar a nossa confiança, feito uma cobra devoradora de ovos? Se está pensando que pode nos encolarar, é melhor repensar!
— Essa nunca foi a minha intenção — respondeu Egeanin, rígida. — Tudo o que sempre quis de vocês foi aprender sobre as Aes Sedai. Eu… — Pela primeira vez a mulher parecia hesitante, insegura. Apertando os lábios, olhou de Nynaeve para Elayne e balançou a cabeça. — Vocês não são como me ensinaram. Que a Luz me domine, eu… gosto de vocês.
— Você gosta da gente. — Nynaeve fazia aquilo soar um crime. — Isso não responde nenhuma das minhas perguntas.
Egeanin hesitou outra vez, depois ergueu a cabeça, desafiando as duas a fazer o pior que pudessem.
— Várias Sul’dam foram deixadas para trás em Falme. Algumas fugiram depois do desastre. Algumas de nós fomos mandadas para resgatá-las. Eu só encontrei uma, mas descobri um a’dam capaz de dominá-la. — Ao ver Nynaeve cerrar os punhos, ela acrescentou, rapidamente: — Eu soltei a moça ontem à noite. Vou pagar muito caro se alguém um dia descobrir isso, mas depois das conversas com vocês eu não conseguiria… — Ela fez uma careta e sacudiu a cabeça. — Foi por isso que fiquei com vocês depois que Elayne se revelou. Eu sabia que Bethamin era sul’dam. Descobrir que o a’dam a dominava, que ela podia… Eu tinha de saber, de entender, a respeito das mulheres capazes de canalizar. — Ela respirou fundo. — O que vocês pretendem fazer comigo? — As mãos dela, dobradas sobre a mesa, não tremiam.
Nynaeve abriu a boca, cheia de raiva, e fechou-a de novo, devagar. Elayne compreendia a dificuldade. Nynaeve podia estar odiando Egeanin agora, mas o que as duas fariam com ela? Não estava claro que a mulher cometera crime algum em Tanchico, e de todo modo a Guarda Civil não parecia interessada em nada além de salvar a própria pele. Ela era Seanchan, havia usado sul’dam e damane, mas por outro lado alegava ter soltado a tal Bethamin. Por qual crime elas poderiam puni-la? Por fazer perguntas que elas haviam respondido de bom grado? Por fazê-las se afeiçoarem a ela?
— Eu queria arrancar o seu couro até você brilhar feito o sol — Nynaeve grunhiu. Abruptamente, virou a cabeça para Domon. — O senhor encontrou as mulheres? Disse que tinha encontrado. Onde? — Ele remexeu os pés e lançou um olhar expressivo por trás da cabeça de Egeanin, as sobrancelhas erguidas e indagativas.
— Não creio que ela seja Amiga das Trevas — disse Elayne quando Nynaeve hesitou.
— E não sou mesmo! — Egeanin disparou um olhar feroz e escandalizado.