Quando Juilin retornou, umas boas três horas após o pôr do sol, girando um cajado de madeira sulcada da espessura de um polegar e resmungando sobre algum sujeito de cabelo claro que havia tentado roubá-lo, Thom e Domon já estavam arriados à mesa, desconsolados, com Egeanin.
— Isso aqui vai ser igual a Falme — resmungou Domon. O pesado porrete que ele havia adquirido em algum lugar jazia à sua frente, e ele agora portava uma pequena espada no cinto. — Aes Sedai. Ajah Negra. Se metendo com a Panarca. Se nem encontrarmos nada amanhã, eu pretendo dar adeus a Tanchico. Amanhã é certo, nem que a minha própria irmã me pedisse para ficar!
— Amanhã — disse Thom, cansado, de cotovelos na mesa e queixo apoiado nos pulsos. — Estou cansado demais para pensar com a cabeça. Me peguei escutando um lavadeiro do Palácio da Panarca que alegava ter ouvido Amathera entoando canções indecentes, do tipo que a gente ouve nas tavernas mais xexelentas do cais. Eu realmente fiquei escutando o homem.
— Bem — disse Juilin, virando uma cadeira e sentando-se nela ao contrário, com as pernas abertas — pretendo fazer mais buscas hoje à noite. Encontrei um telhador que disse que a companheira dele também era camareira de Amathera. Segundo ele, Amathera dispensou todas as camareiras sem aviso prévio, na mesma noite em que foi empossada como Panarca. Ele vai me levar para conversar com ela depois de terminar um trabalho na casa de um mercador.
Nynaeve caminhou até a ponta da mesa, de mãos na cintura.
— Você não vai a lugar nenhum hoje à noite, Juilin. Vocês três vão se alternar montando guarda na nossa porta. — Os homens protestaram enfaticamente, claro, todos de uma vez.
— Eu, no caso, tenho meus próprios negócios a fazer, e se tiver que passar os dias fazendo perguntas para as senhoras…
— Senhora al’Meara, essa mulher é a primeira pessoa que encontrei que de fato esteve com Amathera desde que ela foi empossada…
— Nynaeve, já vai ser muito difícil eu conseguir encontrar algum rumor amanhã, que dirá partir atrás dele, se passar a noite tocando…
Ela deixou os três falarem à vontade. Quando as vozes começaram a morrer, obviamente pensando tê-la convencido, ela disse:
— Já que não temos nenhum outro lugar onde deixar a mulher Seanchan, ela vai ter de dormir aqui com a gente. Elayne, pode pedir a Rendra que mande preparar um catre? No chão já está de bom tamanho. — Egeanin a encarou, porém não disse nem uma palavra.
Os homens estavam sem opções; ou se recusavam por completo e rompiam solenemente a promessa de fazer o que Nynaeve mandasse, ou então continuavam argumentando, feito grandes resmungões. Eles a encararam, furiosos, balbuciaram… e aquiesceram.
Rendra ficou claramente surpresa por ter sido solicitado apenas um catre, mas aceitou a história de que Egeanin tinha medo de se arriscar nas ruas à noite. Thom assentou-se no corredor, ao lado da porta.
— Aqueles sujeitos, eles não entraram, por mais que tenham tentado. Eu disse que a cozinha de sopas iria levá-los embora daqui, sim? Os hóspedes do Jardim das Três Ameixeiras não têm necessidade de guarda-costas nos quartos.
— Decerto que não — respondeu Elayne, gentilmente tentando empurrar a mulher porta afora. — É só porque Thom e os outros dois realmente se preocupam. A senhora sabe como são os homens. — Thom disparou um olhar ameaçador por sob as espessas sobrancelhas grisalhas, mas Rendra fungou, indicando que sabia, e deixou Elayne fechar a porta.
Nynaeve virou-se imediatamente para Egeanin, que estava estendendo o catre do lado oposto à cama.
— Tire as roupas, Seanchan. Quero ter certeza de que você não tem outra faca escondida.
Egeanin ergueu-se calmamente e despiu-se até a roupa de baixo, de linho. Nynaeve examinou o vestido minuciosamente, depois insistiu em revistar Egeanin também, e de maneira nada gentil. Mesmo não encontrando nada, ela não se tranquilizou.
— Mãos nas costas, Seanchan. Elayne, prenda-a.
— Nynaeve, eu acho que ela não…
— Prenda-a com o Poder, Elayne — ordenou Nynaeve, em um tom firme — senão eu corto umas tiras do vestido dela e amarro as mãos e os tornozelos. Você se lembra de como ela lidou com aqueles sujeitos na rua. Provavelmente mercenários contratados por ela mesma. Ela poderia nos matar durante o sono com as próprias mãos.
— Sério, Nynaeve, com Thom do lado de fora…
— Ela é Seanchan, Elayne! — Nynaeve soava como se a mulher de cabelos escuros tivesse uma falha de caráter, o que não fazia sentido. Egwene estivera nas mãos deles, mas não Nynaeve. A dureza de seu maxilar indicava que a amiga pretendia fazer a coisa do jeito dela, com o Poder ou com cordas, se conseguisse encontrá-las.
Egeanin já havia unido os punhos nas costas, complacente, porém não submissa. Elayne urdiu um fluxo de Ar em torno das mãos da mulher e as atou; pelo menos seria mais confortável do que com tiras arrancadas do vestido. Egeanin dobrou levemente os braços, testando os elos que era incapaz capaz de ver, e estremeceu. Eram tão fáceis de quebrar quanto correntes de aço. Ela deu de ombros, deitou-se meio desajeitada no catre e virou-se de costas para as outras.
Nynaeve começou a desabotoar o próprio vestido.
— Me deixe ficar com o anel, Elayne.
— Tem certeza, Nynaeve? — Ela encarou Egeanin com um olhar expressivo. A mulher parecia não estar prestando atenção nelas.
— Ela não vai sair correndo para nos entregar hoje à noite. — Com uma pausa para puxar o vestido pela cabeça, Nynaeve sentou-se na beirada da cama com a roupa de baixo de fina seda taraboniana e foi tirar as meias. — Hoje é a noite que combinamos. Egwene vai esperar uma de nós, e está na minha vez. Ela vai ficar preocupada se ninguém aparecer.
Elayne pescou do decote do vestido o cordão de couro preso em seu pescoço. O anel de pedra, todo salpicado e listrado de azul, marrom e vermelho, jazia ao lado da serpente dourada engolindo a própria cauda. Ela desamarrou a corda apenas pelo tempo de entregar o ter’angreal a Nynaeve, amarrou de volta e recolocou no lugar. Nynaeve amarrou o ter’angreal com seu próprio anel da Grande Serpente e o pesado anel de ouro de Lan e deixou os dois penderem entre os seios.
— Me dê uma hora depois de ter certeza de que estou dormindo — disse, estirando-se por sobre o cobertor azul. — Não deve levar mais tempo que isso. E fique de olho nela.
— O que é que ela pode fazer amarrada, Nynaeve? — Elayne hesitou antes de acrescentar: — Duvido que ela tentaria nos machucar, mesmo se estivesse solta.
— Você não ouse! — Nynaeve ergueu a cabeça para encarar Egeanin pelas costas, depois deitou a cabeça de volta nos travesseiros. — Uma hora, Elayne. — Fechou os olhos e se remexeu, buscando uma posição mais confortável. — Isso deve dar tempo mais que de sobra. — murmurou ela.
Escondendo um bocejo com a mão, Elayne chegou o banquinho baixo mais para perto do pé da cama, onde podia enxergar Nynaeve e também Egeanin, embora não parecesse necessário. A mulher jazia encolhida no catre com os joelhos encolhidos, as mãos bem presas. Aquele fora um dia estranho e cansativo, considerando que elas nem sequer tinham saído da estalagem. Nynaeve já estava murmurando baixinho, dormindo. Com os cotovelos apontados para fora.