Egeanin ergueu a cabeça e olhou por cima do ombros.
— Ela me odeia, eu acho.
— Vá dormir. — Elayne abafou outro bocejo.
— Você, não.
— Não seja tão segura de si — disse ela com firmeza. — Você está levando isso com muita calma. Como pode ficar tão tranquila?
— Tranquila? — A outra mulher mexeu as mãos involuntariamente, retorcendo os elos trançados com Ar. — Estou tão aterrorizada que poderia até chorar. — Não parecia. Ainda assim, soou como a mais pura verdade.
— Não vamos machucar você, Egeanin. — Fosse lá o que Nynaeve quisesse, ela não deixaria que isso acontecesse. — Vá dormir. — Depois de um instante, Egeanin baixou a cabeça.
Uma hora. Não seria correto preocupar Egwene sem necessidade, mas ela preferia que aquela hora fosse gasta com o problema delas, em vez de vagando à toa em Tel’aran’rhiod. Caso elas não conseguissem descobrir se Amathera era prisioneira ou refém… Deixe isso para lá; eu não vou descobrir isso aqui fora. Quando elas de fato descobrissem, como poderiam entrar no palácio com todos aqueles soldados e a Guarda Civil, sem mencionar Liandrin e as outras?
Nynaeve havia começado a roncar baixinho, um hábito que negava com ainda mais ódio do que negava que remexia demais os cotovelos. Pela respiração longa e lenta de Egeanin, a mulher já estava em sono profundo. Abafando mais um bocejo com o dorso da mão, Elayne se remexeu no banquinho duro de madeira e começou a planejar como entraria no Palácio da Panarca.
52
Necessidade
Por um instante, Nynaeve permaneceu parada no Coração da Pedra, sem ver e sem pensar em nada de Tel’aran’rhiod. Egeanin era Seanchan. Uma daquelas pessoas vis que haviam encolarado Egwene e tentado fazer o mesmo com ela. Ter noção daquilo ainda a deixava deprimida. A mulher era Seanchan e havia conquistado o afeto de Nynaeve, sorrateira feito uma serpente. Era tão difícil encontrar bons amigos desde que saíra de Campo de Emond. Descobrir uma nova amiga e perdê-la daquele jeito…
— Eu a odeio por isso, mais do que tudo — resmungou, cruzando os braços com força. — Ela me conquistou, e agora eu não consigo desgostar dela, e a odeio por isso! — Aquilo parecia não fazer sentido quando pronunciado em voz alta. — Eu não sou obrigada a fazer sentido. — Ela deu uma risada baixinha e balançou a cabeça, pesarosa. — Sou uma pretensa Aes Sedai. — Mas não devia se perder em devaneios feito uma garotinha boba.
Callandor cintilava, a espada de cristal jazia cravada nas pedras do chão sob o imenso domo, e as robustas colunas de pedra vermelha esvaneciam em fileiras escuras, à luz fraca e indistinta que vinha de todos os cantos. Era fácil recordar a sensação de estar sendo observada, imaginá-la novamente. Isso se da outra vez tivesse sido imaginação. Isso se agora fosse. Podia haver qualquer coisa escondida ali. Um bastão bom e pesado surgiu em suas mãos enquanto ela espiava pelas colunas. Onde estava Egwene? Era bem típico da garota fazê-la esperar daquele jeito. Naquela escuridão. Até onde sabia, podia haver algo prestes a saltar em cim…
— Que vestido mais estranho, Nynaeve.
Sufocando um gritinho, ela deu meia-volta, emitindo um clangor metálico, o coração pulando na garganta. Egwene estava parada do outro lado de Callandor, na companhia de duas mulheres de saias volumosas e xales escuros por sobre as blusas brancas, os cabelos brancos como neve batendo na cintura e presos por lenços dobrados. Nynaeve engoliu em seco, esperando que nenhuma delas percebesse, e tentou voltar a respirar normalmente. Chegar de mansinho daquele jeito!
Uma das mulheres Aiel ela conhecia, pela descrição de Elayne; o rosto de Amys era muito jovem para aquele cabelo, mas aparentemente ela fora grisalha quase desde a infância. A outra, magra e ossuda, tinha olhos azul-claros e um rosto curtido e enrugado. Devia ser Bair. A mais forte das duas, Nynaeve julgou depois de vê-las. Não que a tal Amys parecesse muito… Vestido estranho? Eu fiz barulho?
Ela olhou para si mesma e perdeu o fôlego. Seu vestido guardava vaga semelhança com a indumentária de Dois Rios; isso se as mulheres de Dois Rios usassem vestidos confeccionados em malhas de aço, com pedaços de placas de armadura como as que ela vira em Shienar. Como os homens conseguiam correr e pular nas selas vestidos naquelas coisas? A roupa lhe pesava nos ombros como se tivesse umas cem libras. O bastão era agora de metal, com pregos na ponta, feito um capim-carrapicho de aço brilhante. Mesmo sem tocar a própria cabeça ela sabia que usava algum tipo de capacete. Enrubescendo furiosamente, se concentrou e trocou tudo para a boa lã de Dois Rios e um cajado de passeio. Era bom ter os cabelos de volta em uma única trança, caída por cima do ombro.
— Pensamentos soltos causam problemas quando você caminha nos sonhos — disse Bair, em um tom de voz agudo e forte. — Você tem de aprender a controlá-los se quiser seguir em frente.
— Eu consigo controlar muito bem os meus pensamentos, obrigada — retrucou Nynaeve, toda encrespada. — Eu… — Não era apenas a voz de Bair que estava ficando fina. As duas Sábias pareciam… quase nebulosas, e Egwene, em um vestido de montaria azul-claro, estava quase transparente. — O que foi que houve com você? Por que está assim?
— Tente adentrar Tel’aran’rhiod semiadormecida, em cima de uma sela — respondeu Egwene, seca. Parecia tremeluzir. — Já amanheceu na Terra da Trindade, e nós estamos viajando. Eu tive de convencer Amys a me deixar vir, na verdade, pois estava com medo de que você ficasse preocupada.
— Já é uma tarefa bastante difícil, sem o cavalo — observou Amys — dormir um sono leve quando nosso desejo é estar acordada. Egwene ainda não aprendeu completamente.
— Eu vou aprender — respondeu ela, enraivecida e determinada. Era sempre muito teimosa e afobada, naquela ânsia de aprender; se essas Sábias não a controlassem, ela decerto acabaria arrumando todo tipo de problema.
Nynaeve parou de se preocupar com Egwene arrumar problemas assim que a mais jovem começou a falar do ataque de Trollocs e Draghkar ao Forte das Pedras Frias. Seana, uma Sábia Andarilha dos Sonhos, entre os mortos. Rand apressando os Aiel Taardad em direção ao tal Alcair Dal, no que parecia uma violação de todos os costumes, e enviando mensageiros para buscar outros ramos. O rapaz não confiava a ninguém suas intenções, os Aiel estavam apreensivos, e Moiraine, furiosa. A frustração de Moiraine até seria certo alívio para Nynaeve — que tinha esperanças de que Rand conseguisse dar um jeito de escapar da influência daquela mulher — se Egwene não estivesse exibindo uma carranca tão fechada.
— Não sei se é um plano ou se é loucura — concluiu Egwene. — Se eu soubesse, poderia até suportar o que quer que fosse. Nynaeve, admito que não é a profecia, nem Tarmon Gai’don, que está me deixando ansiosa no momento. Talvez seja bobagem, mas prometi a Elayne que cuidaria dele, e não estou sabendo como.
Nynaeve deu a volta na espada de cristal para abraçar Egwene. Pelo menos a amiga estava sólida, por mais que parecesse o reflexo de um espelho embaçado. A sanidade de Rand. Não havia nada que ela pudesse fazer a respeito, nenhum conforto que pudesse oferecer. Era Egwene quem estava lá para vê-lo.
— O melhor que você pode fazer por Elayne é pedir que ele leia o que ela escreveu. Às vezes ela fica preocupada com isso; não diz nada, mas acho que está com medo de ter revelado mais do que deveria. Se ele acreditar que ela está completamente enrabichada, é mais provável que sinta o mesmo por ela, o que não a prejudica de forma alguma. Pelo menos temos algumas boas notícias em Tanchico. Algumas. — Quando ela explicou, no entanto, pareceu muito pouco para justificar “algumas”.