— Então vocês ainda não sabem o que é que elas estão procurando — disse Egwene, depois que a outra terminou — mas, mesmo que soubessem, elas estão em vantagem e ainda têm chance de encontrar antes.
— Não se eu puder evitar. — Nynaeve encarou as duas Sábias com um olhar firme e lúcido. Pelo que Elayne dissera a respeito da relutância de Amys em não fornecer nada além de advertências, ela precisaria de firmeza para lidar com as duas. Elas estavam tão enturvadas que uma lufada de ar mais forte seria capaz de soprá-las para longe, feito uma névoa. — Elayne acha que vocês conhecem todo tipo de truque com os sonhos. Será que existe alguma forma de eu entrar nos sonhos de Amathera e descobrir se ela é Amiga das Trevas?
— Garota tonta. — Os longos cabelos de Bair sacudiram quando ela balançou a cabeça. — Aes Sedai, mas ainda assim boba. É muito perigoso adentrar os sonhos de alguém, a menos que a pessoa conheça você e esteja à sua espera. O sonho é dela, não é feito aqui. Lá, essa Amathera detém o controle de tudo. Até de você.
Ela estivera tão certa de que esse era o caminho. Era irritante descobrir o contrário. E “garota tonta”?
— Eu não sou uma garota — retrucou, bruscamente. Quis puxar a trança com força, mas em vez disso cravou o punho na cintura. Por alguma razão, andava se sentindo estranhamente incomodada em puxar os cabelos nos últimos tempos. — Eu fui Sabedoria de Campo de Emond antes de… me tornar Aes Sedai. — Ela já quase não tropeçava na própria mentira. — E controlava e calava a boca de mulheres tão velhas quanto vocês. Se sabem como me ajudar, então digam, em vez de ficarem despejando baboseiras tontas sobre o que é perigoso. Eu sei reconhecer o perigo.
De súbito, ela percebeu que sua única trança havia sido dividida em duas, uma por cima de cada orelha, com fitas vermelhas entrelaçadas nas pontas. Vestia uma saia tão curta que deixava à mostra seus joelhos, além de uma blusa branca larga feito as das Sábias. Seus sapatos e meias haviam sumido. De onde viera isso? Ela decerto jamais pensara em usar nada parecido. Egwene levou depressa a mão à boca. Estava horrorizada? Sem dúvida não estava sorrindo.
— Pensamentos soltos — disse Amys — de fato podem trazer muitos problemas, Nynaeve Sedai, até você aprender. — Apesar do tom suave, a mulher retorceu os lábios, disfarçando muito mal que estava se divertindo.
Nynaeve esforçou-se para manter a expressão serena. Elas não podiam ter nada a ver com aquilo. Não podem! Ela lutou para se trocar outra vez, e foi mesmo uma luta, como se algo a aprisionasse naquele estado. Suas bochechas foram ficando mais e mais vermelhas. De repente, no exato instante em que ela se viu a ponto de sucumbir e pedir um conselho, ou até uma ajuda, suas roupas e cabelos voltaram ao estado de antes. Ela remexeu os dedões com gratidão dentro dos bons sapatos robustos. Tinha mesmo sido apenas um pensamento estranho e aleatório. De todo modo, não pretendia externar qualquer suspeita; as três já estavam se divertindo bastante com aquilo, até Egwene. Não estou aqui para participar de uma competição idiota. Não vou ficar aplaudindo essas três.
— Já que não posso entrar no sonho dela, será que posso trazê-la até o Mundo dos Sonhos? Preciso dar um jeito de falar com ela.
— Não ensinaríamos isso a você nem que soubéssemos — respondeu Amys, com um puxão irritado no xale. — O que você pede é uma perversidade, Nynaeve Sedai.
— Ela seria tão inútil aqui quanto você no sonho dela. — A voz fina de Bair parecia uma barra de ferro. — Desde a primeira Andarilha dos Sonhos se transmite a instrução de que ninguém jamais deve ser trazido para um sonho. Dizem que esse era o costume da Sombra nos últimos dias da Era das Lendas.
Nynaeve remexeu os pés sob aqueles olhares severos; percebendo que tinha um dos braços em torno de Egwene, permaneceu imóvel. Não pretendia deixar Egwene pensar que elas a tinham deixado desconfortável. Não que tivessem. Se ela pensasse nas reprimendas que levava do Círculo das Mulheres antes de ser escolhida Sabedoria, as Sábias não eram nada demais. Firmeza era o que… Elas a encaravam. Enturvadas ou não, essas mulheres poderiam disputar um duelo de olhares com Siuan Sanche. Sobretudo Bair. Não que a intimidassem, mas Nynaeve via motivo para ser prudente.
— Elayne e eu estamos precisando de ajuda. A Ajah Negra está prestes a encontrar alguma coisa que pode prejudicar Rand. Se elas descobrirem antes de nós que coisa é essa, talvez sejam capazes de controlá-lo. Se houver algo que vocês possam fazer para ajudar, algo que possam me dizer… qualquer coisa mesmo.
— Aes Sedai — disse Amys — você consegue fazer com que um pedido de ajuda pareça uma exigência. — Nynaeve apertou os lábios. Exigência? Ela havia praticamente implorado. Exigência, pois sim! No entanto, as mulheres Aiel não pareceram notar sua expressão. Ou escolheram ignorar. — Por outro lado, um perigo para Rand al’Thor… não podemos permitir que a Sombra detenha isso. Existe um caminho.
— Perigoso. — Bair sacudiu a cabeça vigorosamente. — Essa jovem sabe menos do que Egwene sabia quando chegou até nós. É muito perigoso para ela.
— Então talvez eu pudesse… — começou Egwene, e as duas a cortaram de uma só vez.
— Você vai concluir o seu treinamento; está muito afoita para ir além do que já sabe — disse Bair com rispidez ao mesmo tempo em que Amys vociferou, em um tom nem um pouco mais leve:
— Você não está lá em Tanchico, não conhece o lugar e não pode se apossar da necessidade de Nynaeve. Ela é a caçadora.
Sob olhares rígidos feito ferro, Egwene assentiu, amuada, e as duas Sábias se entreolharam. Por fim, Bair deu de ombros e ergueu o xale até o rosto; estava claramente lavando as mãos em relação àquilo tudo.
— É perigoso — disse Amys. Do jeito que elas falavam, parecia que até respirar era perigoso em Tel’aran’rhiod.
— Eu…! — Nynaeve fechou a boca ao ver os olhos de Amys ainda mais severos; realmente não imaginava que tal coisa fosse possível. Ela manteve firme a imagem das roupas que estava usando; era claro que as mulheres não tinham nada a ver com aquilo, porém achou sensato garantir que seu vestido não se alterasse. E mudou o que estava prestes a dizer. — Eu vou tomar cuidado.
— Não é possível — respondeu Amys em um tom inexpressivo — mas eu não conheço outro jeito. A chave é a necessidade. Quando um forte está cheio demais, o ramo precisa se dividir, e a necessidade é ter água no novo forte. Se ninguém conhecer um local que tenha água, uma de nós pode ser convocada a encontrá-lo. A chave, então, é a necessidade de um vale ou cânion apropriado, não muito distante do primeiro, com água. Concentrar-se nessa necessidade é o que aproxima a pessoa do que ela quer. Concentrar-se outra vez na necessidade aproxima ainda mais. Cada passo aproxima mais, até que por fim a pessoa se vê não apenas dentro do vale, mas bem ao lado de onde encontrará água. Pode ser mais difícil para você, porque não sabe exatamente o que é que está buscando, mas a intensidade da necessidade pode compensar isso. E você faz uma ideia de onde está: nesse palácio. O perigo é esse, e você precisa estar atenta a ele. — A Sábia inclinou-se em direção a Nynaeve, concentrada, fazendo-se clara em suas palavras, tão penetrantes quanto seu olhar. — Cada passo é dado às cegas, com os olhos fechados. Você não tem como saber onde estará quando abrir os olhos. E não adianta nada encontrar a água se parar em cima de um ninho de víboras. As presas de uma rainha-da-montanha matam tão depressa nos sonhos quanto no mundo desperto. Acho que essas mulheres de quem Egwene fala matam mais depressa que a cobra.