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De súbito ela tomou consciência do próprio reflexo. A tampa do estojo era do vidro mais delicado, sem bolhas, e refletia uma imagem tão clara quanto um espelho, ainda que mais desbotada. Pedaços de seda verde-escura lhe cobriam o corpo de modo a revelar cada curva de seus seios, quadris e coxas. Tranças compridas cor de mel repletas de contas de jade emolduravam um rosto com grandes olhos castanhos e um beicinho carnudo. O brilho tênue de saidar não aparecia, claro. Disfarçada de maneira irreconhecível a si própria, ela caminhava quase com uma placa que indicava: “Aes Sedai”.

— Eu consigo ser cuidadosa — resmungou ela. Ainda assim, aguentou mais um instante. O Poder que a preenchia era como vida borbulhando em seus membros, todos os prazeres que ela algum dia conhecera penetrando sua carne. Por fim sentiu-se tão boba que sua raiva foi consumida a ponto de permiti-la soltar o Poder. Ou talvez atenuada a ponto de ela não ser mais capaz de segurá-lo.

Qualquer que fosse a razão, aquilo não ajudava sua busca. O que ela estava procurando tinha de estar em algum lugar daquele imenso salão, entre aqueles expositores. Ela desviou os olhos do que pareciam os ossos de um lagarto cheio de dentes de dez passadas de comprimento, e então os fechou. Necessidade. Perigo para o Dragão Renascido, para Rand. Necessidade.

Mudança.

Ela se viu parada do lado de dentro da corda branca de seda que contornava as paredes, com a base de um pedestal de pedra branca lhe tocando o vestido. O que havia em cima não parecia tão perigoso ao primeiro olhar — um colar e dois braceletes com juntas de metal negro — mas ela não podia chegar mais perto do que estava. A não ser que eu me sente em cima, ela pensou, com ironia.

Nynaeve esticou a mão para tocar os objetos — Dor. Mágoa. Sofrimento. — e deu um pulo para trás, arquejante, as emoções brutais ainda ecoando em seu pensamento. Até a mais leve dúvida esvaneceu. Era isso o que a Ajah Negra estava caçando. E, se o objeto ainda jazia sobre este pedestal em Tel’aran’rhiod, também estava ali no mundo desperto. Ela as havia derrotado. Aquele pedestal de pedra branca.

Com um giro, ela encarou o estojo de vidro que continha o lacre de cuendillar e localizou o ponto onde estivera parada da primeira vez em que vira Moghedien. A mulher estava encarando o mesmo pedestal, os braceletes e a coleira. Era claro que Moghedien sabia. Mas…

Tudo ao redor começou a girar e embaçar, desaparecendo.

— Acorde, Nynaeve — murmurou Elayne, abafando um bocejo enquanto sacudia os ombros da mulher adormecida. — Já deve ter passado uma hora. Quero dormir um pouco também. Acorde, senão vai ver como é bom ter a cabeça enfiada em um balde d’água.

Nynaeve arregalou os olhos e encarou a outra.

— Se ela sabe o que é, por que não entregou a elas? Se elas sabem quem ela é, por que é que ela tem de procurar o objeto em Tel’aran’rhiod? Será que ela também está se escondendo delas?

— Do que é que você está falando?

Com as tranças sacudindo enquanto ela se remexia para se sentar, com a cabeça encostada na cabeceira da cama, Nynaeve ajeitou a roupa de baixo com força.

— Vou contar do que é que estou falando.

O queixo de Elayne foi caindo à medida que Nynaeve revelava a história sobre o desenrolar de seu encontro com Egwene. Procurando com necessidade. Moghedien. Birgitte e Gaidal Cain. O colar e os braceletes de metal negro. Asmodean no Deserto. Um dos selos da prisão do Tenebroso no Palácio da Panarca. Elayne já estava afundada no canto do colchão, sem forças, bem antes que Nynaeve chegasse a Temaile e à Panarca, praticamente jogadas à trama como uma lembrança tardia. E a mudança de aparência, o disfarce de Rendra. Se o rosto de Nynaeve não estivesse tão sério e soturno, Elayne teria pensado que se tratava de alguma história maluca de Thom.

Egeanin, sentada de pernas cruzadas, vestida nas roupas de baixo de linho, as mãos nos joelhos, parecia bastante incrédula. Elayne esperou que Nynaeve não começasse uma briga porque ela havia soltado os pulsos da mulher.

Moghedien. Essa era a parte mais horrenda. Uma Abandonada em Tanchico. Uma Abandonada trançando o Poder em torno delas duas, fazendo-as revelar tudo. Elayne não conseguia se lembrar de nadica daquilo. O pensamento foi suficiente para fazê-la apertar o estômago com as duas mãos, subitamente enjoada.

— Eu não sei se Moghedien — Luz, ela pôde mesmo simplesmente ter entrado e nos feito…? — está se escondendo de Liandrin e das outras, Nynaeve. Pode ser, pelo que Birgitte — Luz, Birgitte dando conselhos! — disse a respeito dela.

— Seja lá o que Moghedien estiver aprontando — disse Nynaeve, em um tom rígido — pretendo deixar dela só os ossos. — Ela se apoiou contra a cabeceira da cama com entalhes de flores. — Em todo caso, precisamos manter esse selo bem longe delas, assim como o colar e os braceletes.

Elayne balançou a cabeça.

— Como é que umas joias podem representar perigo a Rand? Você tem certeza? Será que são algum tipo de ter’angreal? Como era exatamente o aspecto delas?

— Eram um colar e braceletes — vociferou Nynaeve, exasperada. — Dois braceletes articulados feitos de algum metal preto, e um colar largo, feito uma coleira preta… — Os olhos dela saltaram para Egeanin, porém não antes dos de Elayne.

Impassível, a mulher de cabelos escuros ajoelhou-se e sentou nos calcanhares.

— Nunca ouvi falar de um a’dam feito para um homem, nem de um parecido com o que você descreveu. Ninguém tenta controlar um homem capaz de canalizar.

— É exatamente para isso que aquilo serve — respondeu Elayne lentamente. Ah, Luz, acho que eu tinha a esperança de que isso não existisse. Pelo menos Nynaeve havia encontrado antes; pelo menos elas tinham a chance de impedir que aquilo fosse usado contra Rand.

Nynaeve apertou os olhos ao perceber as mãos livres de Egeanin, mas não disse nada.

— Moghedien deve ser a única que sabe. Do contrário, não faz nenhum sentido. Se encontrarmos um jeito de entrar no palácio, conseguimos pegar o selo e o… seja lá que nome tenha isso. E, se conseguirmos libertar Amathera também, Liandrin e as camaradas dela vão encontrar a Legião da Panarca, a Guarda Civil e talvez os Mantos-brancos fechando o cerco. Elas não vão conseguir escapar canalizando! O problema é a gente entrar sem que ninguém perceba.

— Eu andei tendo umas ideias em relação a isso — disse Elayne — mas receio que os homens vão nos criar alguns empecilhos.

— Deixe os homens comigo. — Nynaeve retrucou. — Eu… — Uma algazarra se ergueu no corredor, e um homem gritou; na mesma rapidez, o silêncio se abateu novamente. Thom estava de vigia do lado de fora.

Elayne deu um salto para abrir a porta, abraçando saidar ao sair em disparada, mas Nynaeve se arrastou da cama logo atrás dela. Egeanin também.

Thom estava se levantando, com uma das mãos na cabeça. Juilin, com seu bastão, e Bayle Domon, com seu porrete, se encontravam em cima de um homem de cabelos loiro-claros caído de cara no chão, inconsciente.

Elayne correu até Thom e tentou delicadamente ajudá-lo a se levantar. Ele retribuiu com um sorrido de gratidão, mas afastou as mãos da moça, de um jeito teimoso.