— Eu estou muito bem, criança. — Muito bem? O homem estava com um galo na cabeça! — O sujeito veio pelo corredor e de repente me deu um chute na cabeça. Estava atrás da minha bolsa, eu suponho. — Simples assim. Tinha levado um chute na cabeça e estava bem.
— E teria conseguido levar a bolsa — disse Juilin — se eu não tivesse vindo ver se Thom queria dar uma descansada.
— Se eu não tivesse — resmungou Domon. A hostilidade entre os dois parecia um pouco atenuada, para variar.
Elayne levou apenas um instante para perceber o motivo. Nynaeve e Egeanin estavam no corredor, de roupas de baixo. Juilin encarava as duas, com uma expressão de aprovação que teria causado problemas se Rendra visse, mas pelo menos o homem estava tentando não ser muito óbvio. Domon não se esforçou nem um pouco para disfarçar sua honesta avaliação de Egeanin, cruzando os braços e fazendo um nojento beicinho enquanto a olhava de cima a baixo.
A situação logo ficou clara para as outras mulheres, mas as três tiveram reações bastante diferentes. Nynaeve, vestida na fina seda branca, disparou ao caçador de ladrões um olhar irritadiço e saiu andando a passos firmes para o quarto, enfiando o rosto meio ruborizado de volta pela porta. Egeanin, cujo vestido de baixo de linho era consideravelmente mais comprido e grosso do que o de Nynaeve — Egeanin, que se mantivera fria e serena durante seu cativeiro, que lutara feito um Guardião — arregalou os olhos e corou furiosamente, prendendo a respiração, horrorizada. Elayne encarou, estupefata, quando a Seanchan soltou um ganido mortificado e pulou de volta para dentro.
Portas se abriram de repente, e as cabeças que despontaram no corredor desapareceram no mesmo instante, fechando as portas atrás de si, diante da visão de um homem estirado no chão e outros parados de pé por cima dele. O som de algo pesado se arrastando sugeriu que o povo estava se protegendo do lado de dentro, com camas e armários.
Longos instantes depois, Egeanin enfim espreitou pelo lado oposto a Nynaeve, ainda vermelha até a raiz dos cabelos. Elayne realmente não compreendia. A mulher estava de roupas de baixo, verdade, mas quase tão coberta quanto Elayne no vestido de taraboniana. Ainda assim, Juilin e Domon não tinham o direito de cobiçá-la. Ela disparou aos dois um olhar severo que os poria imediatamente em seus devidos lugares.
Infelizmente, Domon estava muito ocupado dando risadinhas e esfregando o lábio superior para perceber. Pelo menos Juilin chegou a ver, mesmo soltando um suspiro pesado, como os homens faziam quando consideravam que estavam sendo injustiçados. Evitando os olhos dela, ele se inclinou para alcançar as costas do camarada louro. Um homem bastante bonito, esbelto.
— Eu conheço esse sujeito! — exclamou Juilin. — Esse é o homem que tentou me roubar. Ou pelo menos foi o que eu pensei — acrescentou, mais lentamente. — Não acredito em coincidências. Não, a menos que o Dragão Renascido esteja na cidade.
Elayne e Nynaeve trocaram olhares carrancudos. Sem dúvida o estranho não estava a serviço de Liandrin; a Ajah Negra não usaria homens para vigiar os corredores em segredo… assim como não contrataria brigões de rua. Elayne desviou o olhar para Egeanin, de forma indagativa. O de Nynaeve era ainda mais inquisidor.
— Ele é Seanchan — disse Egeanin, depois de um instante.
— Uma tentativa de resgate? — perguntou Nynaeve, em um murmúrio seco, mas a outra mulher balançou a cabeça.
— Não duvido que ele estivesse procurando por mim, só que não para me resgatar, eu acho. Se ele estiver sabendo, ou sequer suspeitar, que eu libertei Bethamin, ia querer vir… conversar comigo. — Elayne imaginou que fosse mais do que conversar, o que foi confirmado quando Egeanin acrescentou: — Talvez seja melhor se vocês o degolarem. Ele pode tentar causar problemas a vocês também, se considerar que são meus amigos ou se descobrir que vocês são Aes Sedai. — O grande contrabandista illianense disparou a ela um olhar chocado, e o queixo de Juilin quase desabou no peito. Thom, por outro lado, assentiu, de forma pensativa e perturbadora.
— Não estamos aqui para degolar nenhum Seanchan — disse Nynaeve, como se pudesse mudar de ideia mais tarde. — Bayle, Juilin, levem o homem lá para fora, para o beco atrás da estalagem. Quando ele acordar, vai ter sorte se ainda estiver com as roupas de baixo. Thom, vá encontrar Rendra e diga a ela que queremos um chá bem forte na Câmara das Flores Caídas. E pergunte se ela tem casca de salgueiro ou acem; vou preparar alguma coisa para a sua cabeça. — Os três homens a encararam. — Ora, mexam-se! — vociferou ela. — Nós temos planos a fazer! — Ela mal deu a Elayne tempo de voltar para dentro antes de fechar a porta com um baque e começar a pôr o vestido pela cabeça. Egeanin se enfiou dentro das roupas como se os homens ainda a estivessem encarando.
— A melhor coisa é ignorar, Egeanin — disse Elayne. Era estranho dar conselhos a uma pessoa mais velha que Nynaeve. No entanto, por mais competente que a Seanchan fosse em outros aspectos, estava claro que ela sabia pouco sobre os homens. — Do contrário, você só vai encorajá-los. Eu não sei por quê — admitiu — mas é assim. Sua roupa estava bastante decente. De verdade.
A cabeça de Egeanin surgiu na parte de cima do vestido.
— Decente? Eu não sou uma serviçal. Não sou nenhuma dançarina de shea! — A carranca da mulher se transformou em um olhar de desagrado e perplexidade. — Na verdade, ele até que é bem bonito. Eu não tinha percebido isso antes.
Perguntando-se o que seria uma dançarina de shea, Elayne foi ajudá-la com os botões.
— Vai dar motivo para Rendra falar, se permitir que Juilin flerte com você.
A mulher de cabelos escuros disparou um olhar surpreso por cima do ombro.
— O caçador de ladrões? Eu estava falando de Bayle Domon. Um homem de porte muito adequado. Mas contrabandista. — Ela soltou um suspiro, lamentosa. — Um fora da lei.
Elayne supunha que gosto não se discutia — Nynaeve sem dúvida amava Lan, e o homem era intimidador e empedernido até demais — mas Bayle Domon? O sujeito parecia um armário, quase tão grande quanto um Ogier!
— Está parecendo Rendra com essa tagarelice, Elayne — vociferou Nynaeve. Com dificuldade, ela tentava fechar o vestido, as duas mãos nas costas. — Se já terminaram de falar abobrinhas sobre homens, talvez não se incomodem de pular o assunto da costureira nova que vocês encontraram? Temos planos a fazer. Se esperarmos até estarmos com os homens, eles vão tentar assumir o controle, e eu não estou com a menor vontade de perder tempo colocando aqueles lá em seus devidos lugares. Já terminou com ela? Também estou precisando de ajuda aqui.
Elayne fechou depressa o último botãozinho de Egeanin, depois foi calmamente até Nynaeve. Ela não ficava falando sobre homens e vestidos. Nem perto de quanto Rendra falava. Afastando as tranças, Nynaeve lhe disparou uma carranca quando ela puxou com força o vestido para abotoá-lo. A fileira tripla e estreita de botões que subia pelas costas era necessária, não um simples ornamento. Nynaeve realmente deixava Rendra convencê-la a usar os corpetes mais apertados, que estavam na moda. E depois dizia que os outros passavam o tempo todo pensando em roupas. Ela certamente pensava em outras coisas.
— Andei pensando em como podemos entrar no palácio sem ser notadas, Nynaeve. Podemos ficar quase invisíveis.
Enquanto ela falava, a carranca de Nynaeve se suavizou. A própria Nynaeve havia imaginado um meio de entrar no palácio. Quando Egeanin deu algumas sugestões, Nynaeve apertou os lábios, mas as ideias eram sensatas, e nem ela foi capaz de rejeitá-las por completo. Ao terminarem de se aprontar para descer até a Câmara das Flores Caídas, as três já haviam combinado um plano e não tinham a menor intenção de deixar os homens mudarem absolutamente nada. Fosse Moghedien, a Ajah Negra, ou quem quer que estivesse comandando as coisas no Palácio da Panarca, iria perder o prêmio antes mesmo de saber o que havia acontecido.