Assim que Perrin desceu o primeiro degrau, Faile ergueu os olhos e subiu graciosamente para encontrá-lo. Aram sentou-se outra vez ao ver que Perrin não fizera qualquer movimento em direção à porta.
— Sua camisa está molhada — comentou Faile, em tom acusatório. — Você dormiu com ela, não foi? E de botas, não duvido. Não faz nem uma hora que deixei você no quarto. Volte já para cima, antes que acabe caindo no chão.
— Você viu Luc sair? — perguntou.
A mulher apertou os lábios, mas às vezes a única saída era ignorá-la. Quando discutiam, Faile ganhava com muito mais frequência.
— Passou correndo faz alguns minutos e saiu disparado pela cozinha — respondeu ela, por fim. As palavras foram essas, e o tom informava que o assunto “ele e a cama” ainda não havia terminado.
— Ele parecia… ferido?
— Parecia — respondeu ela, receosa. — Estava cambaleante, agarrando alguma coisa no peito, por baixo do casaco. Uma atadura, talvez. A Senhora Congar está lá na cozinha, mas, pelo que eu ouvi, ele praticamente a atropelou. Como você sabe disso?
— Eu sonhei. — Os olhos oblíquos de Faile assumiram um brilho perigoso. Ela não deveria estar pensando direito. Sabia sobre o sonho de lobo. Será que esperava que ele explicasse bem ali, na frente de Bain e Chiad, de Aram e Loial? Bem, talvez não de Loial. O Ogier estava tão absorto nas anotações que não teria percebido nem se um rebanho de ovelhas irrompesse pelo salão. — E Gaul?
— A Senhora Congar deu alguma coisa para ele dormir, além de um cataplasma para a perna. Quando as Aes Sedai acordarem, amanhã de manhã, uma delas vai Curá-lo, se considerarem sério a esse ponto.
— Venha se sentar, Faile. Quero que você faça uma coisa para mim.
A jovem o encarou, desconfiada, mas se deixou ser conduzida até uma cadeira. Quando os dois se sentaram, Perrin se inclinou por cima da mesa, tentando soar sério, mas não desesperado. Nem um pouco desesperado.
— Quero que entregue uma mensagem a Caemlyn para mim. No caminho, pode dar notícias a Colina da Vigília de como estão as coisas por aqui. Na verdade, talvez seja melhor se o povo de lá cruzar o Taren até isso tudo terminar. — Ele passou o tom de preocupação apropriado. Apenas um pouco mais, por conta do calor do momento. — Quero que peça à Rainha Morgase para enviar alguns Guardas da Rainha. Sei que estou pedindo uma coisa perigosa, mas Bain e Chiad podem levar você em segurança até Barca do Taren, e a barca ainda está lá. — Chiad se levantou, encarando-o com ansiedade. Por que estava assim?
— Você não vai precisar se separar dele — disse Faile para a Donzela. Depois de um instante, a Aiel assentiu e sentou-se de volta ao lado de Gaul. Chiad e Gaul? Eram inimigos de sangue. Nada estava fazendo sentido, aquela noite. — Caemlyn fica muito longe daqui — prosseguiu a jovem, baixinho. Seus olhos estavam concentrados nos dele, mas o rosto poderia ser de madeira, de tão inexpressivo. — Levaria semanas para cavalgar até lá, mais sabe-se lá quanto tempo até encontrar Morgase e convencê-la. E mais umas semanas para retornar com a Guarda da Rainha.
— A gente consegue aguentar esse tempo — respondeu Perrin. Que me queime por não conseguir mentir tão bem quanto Mat! — Luc tinha razão. Não pode haver mais do que mil Trollocs por aí. O sonho? — Faile assentiu. Enfim entendia. — A gente consegue aguentar por muito tempo, mas, enquanto isso, eles vão incendiar colheitas e fazer sabe a Luz mais o quê. Para nos livrarmos completamente deles, precisaremos da Guarda da Rainha. Você é a opção mais lógica para ir até lá. Vai saber conversar com uma rainha, por ser prima de uma, e tudo o mais. Faile, eu sei que o que estou pedindo é perigoso… — Não tanto quanto ficar. — Mas é só você chegar até a barca e já vai estar no caminho.
Perrin não ouviu Loial se aproximando até que o Ogier deitou o caderno de notas diante de Faile.
— Eu não pude evitar ouvir, Faile. Se você for a Caemlyn, pode levar isso aqui? Para protegê-lo até eu conseguir buscar. — Encarando o livrinho quase com ternura, Loial acrescentou: — Lá em Caemlyn fabricam livros muito bons. Me desculpe a interrupção, Perrin. — No entanto, o Ogier tinha os olhos compridos fixos na jovem, não nele. — Faile combina com você. Você tem que voar livre, feito um falcão. — Com um tapinha no ombro de Perrin, Loial murmurou, em um ressoar profundo: — Ela tem que voar livre. — Então retornou ao catre e se deitou, virado para a parede.
— Ele está muito cansado — disse Perrin, tentando fazer a frase parecer apenas um comentário. O Ogier idiota poderia pôr tudo a perder! — Se você partir hoje à noite, conseguirá chegar a Colina da Vigília quando o dia nascer. Tem que seguir pelo leste. Lá, os Trollocs estão em menor número. Isso é muito importante para mim… Quer dizer, para Campo de Emond. Você vai?
Faile o encarou em silêncio durante tanto tempo que ele se perguntou se a namorada tinha intenção de responder. Os olhos dela pareciam reluzir. Então a jovem se levantou, sentou-se no colo dele e afagou sua barba.
— Está precisando aparar. Eu gosto de você assim, mas não quero que chegue até o peito.
O queixo de Perrin praticamente desabou. Ela sempre mudava de assunto, mas em geral era quando estava perdendo a discussão.
— Faile, por favor. Preciso que você leve essa mensagem até Caemlyn.
A jovem apertou a mão na barba dele e meneou a cabeça, como se estivesse discutindo consigo mesma em pensamento.
— Eu vou — disse, por fim — mas vou cobrar por isso. Você sempre me obriga a fazer as coisas do jeito mais difícil. Em Saldaea, não seria eu a fazer o pedido. Meu preço é… um casamento. Eu quero me casar com você — concluiu ela, apressada.
— E eu com você. — Perrin sorriu. — Podemos fazer os votos de noivado diante do Círculo das Mulheres ainda hoje à noite, mas receio que o casamento tenha que esperar um ano. Quando você voltar de Caemlyn…
Faile quase arrancou um punhado de barba do queixo dele.
— Você vai virar meu marido esta noite — declarou, em um tom baixo e firme — ou eu não saio daqui até isso acontecer!
— Se houvesse como, eu faria — protestou Perrin. — Daise Congar acabaria comigo, se eu tentasse quebrar a tradição. Pelo amor da Luz, Faile, só leve a mensagem. Eu me caso com você no primeiro dia que puder.
E se casaria. Se esse dia viesse a chegar.
De súbito, a mulher se concentrou na barba dele, alisando-a, sem olhá-lo nos olhos. Começou a falar devagar, mas logo ganhou velocidade, feito um cavalo em fuga.
— Por acaso… eu mencionei… assim, por alto… só mencionei à Senhora al’Vere o tanto de tempo que estávamos viajando juntos. Não sei como isso aconteceu. E aí ela disse, e a Senhora Congar concordou… Mas eu não falei com todo mundo, não! Ela disse que é provável que nós, quase com certeza, fôssemos considerados casados de acordo com o costume de vocês. Esse ano é só para garantir que o casal se entenda bem, e a gente se entende, como todo mundo pode ver. Então aqui estou eu, atirada como uma dessas domanesas, como uma garota tairena. E se você pensar em Berelain… Ah, Luz, estou falando um monte de abobrinhas, e você nem…
Perrin a interrompeu com um beijo intenso, como sabia muito bem fazer.
— Quer se casar comigo? — perguntou, sem fôlego, ao terminar. — Hoje à noite?
O beijo decerto fora muito melhor do que Perrin imaginava. Teve de repetir a frase seis vezes, com Faile rindo contra o pescoço dele e exigindo que ele repetisse, antes que enfim compreendesse.