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Um homem que entrasse ali naquele instante, ou qualquer mulher incapaz de canalizar, teria visto apenas duas mulheres se encarando, uma de cada lado da corda de seda, a uma distância de menos de dez pés. Duas mulheres se encarando em um enorme salão cheio de objetos estranhos. Ninguém enxergaria nenhuma evidência de um duelo. Nada de pulos ou golpes de espadas, como as lutas masculinas, nada destruído ou quebrado. Apenas duas mulheres paradas de pé. Porém, ainda assim, um duelo, e talvez um duelo de morte. Contra uma Abandonada.

— Todo o meu cuidadoso plano arruinado — disse Moghedien subitamente, em um tom tenso e raivoso, com as mãos agarradas às saias. — No mínimo vou precisar fazer um esforço incalculável para que tudo volte a ser como antes. Talvez não seja possível. Ah, eu pretendo fazer você pagar muito caro por isso, Nynaeve al’Meara. Esse tem sido um esconderijo muito confortável, e essas mulheres apáticas têm um bom número de itens muito úteis, ainda que não… — Ela sacudiu a cabeça, os lábios arreganhados em um esgar de dentes. — Acho que vou levar você comigo dessa vez. Já sei. Vou usar você como banquinho vivo de montaria. Você vai ficar de quatro, e eu vou pisar nas suas costas para subir na minha sela. Ou talvez entregue você a Rahvin. Ele sempre retribui os favores. Agora está com uma rainhazinha que o entretém, mas belas mulheres sempre foram o ponto fraco dele. Ele gosta de ter umas duas, ou três, ou quatro dançarinas a seu serviço. O que você acha disso? Passar o resto da vida competindo pelos favores de Rahvin. Você vai querer, quando ele puser as mãos em você; ele tem lá seus truquezinhos. Sim, acho que você deve ficar com Rahvin.

A raiva se avultou em Nynaeve. Suor escorria de sua face, e suas pernas tremiam como se fossem ceder, mas a raiva lhe deu forças. Cheia de fúria, ela conseguiu impulsionar a arma de Espírito a um triz de apartar Moghedien da Fonte, antes que a mulher o bloqueasse novamente.

— Então quer dizer que você descobriu essa pequena joia atrás de você — comentou Moghedien, em um instante de tênue equilíbrio. Surpreendentemente, sua voz tinha um tom quase natural. — Fico me perguntando como foi que conseguiu. Não importa. Você veio levá-la embora? Ou talvez destruí-la? Não se pode destruí-la. Isso aí não é metal, e sim uma das formas de cuendillar. Nem fogo devastador consegue destruir cuendillar. E, se você pretende usá-lo, existem algumas… desvantagens, por assim dizer. É verdade, ao colocar a coleira em um homem capaz de canalizar, uma mulher que use os braceletes vai poder obrigá-lo a fazer o que bem entender, mas isso não vai impedir que ele enlouqueça. Além disso, existe um fluxo no sentido contrário. Uma hora o homem também vai começar a controlar você, que vai acabar em uma eterna batalha. Não é muito palatável quando ele começa a enlouquecer. É claro, sempre dá para passar o bracelete para outra mulher, de modo que nenhuma se exponha demais, mas isso significa confiar que outra pessoa fique com o homem. Os homens sempre praticam muito bem a violência; fabricam armas maravilhosas. Ou então duas mulheres podem usar um bracelete cada, se houver alguém em quem você confie o bastante; isso reduz consideravelmente a velocidade dessa vazão, pelo que sei, mas também reduz o controle sobre o homem, mesmo que as duas operem em perfeita sintonia. Por fim, vocês duas vão se encontrar disputando com ele o controle, precisando que ele remova de vocês seu bracelete do mesmo jeito que ele precisa que lhe removam a coleira. — Ela inclinou a cabeça para a frente e ergueu uma sobrancelha, intrigada. — Está me acompanhando, creio eu? Controlar Lews Therin, ou Rand al’Thor, como é chamado agora, seria extremamente útil, mas valeria a pena? Pode imaginar por que deixei a coleira e os braceletes onde estão.

Trêmula por tentar reter o Poder e manter os fluxos urdidos, Nynaeve franziu o cenho. Por que a mulher estava dizendo tudo aquilo a ela? Estaria achando que não importava, pois sairia vencedora? Por que aquela súbita mudança, da ira para o falatório? Também havia suor no rosto de Moghedien. Muito suor, a brotar em sua testa larga e a correr pelas bochechas.

De repente, tudo mudou na cabeça de Nynaeve. A voz de Moghedien não estava tensa por conta da raiva; estava tensa por conta do esforço. Moghedien não iria subitamente atirar toda a sua força nela: já tinha feito isso. A mulher estava fazendo tanto esforço quanto ela. Nynaeve estava enfrentando uma Abandonada, mas, longe de ser depenada feito um ganso para o jantar, não havia perdido nem uma pena sequer. Estava diante de uma Abandonada, e de igual para igual! Moghedien estava tentando distraí-la, ganhar vantagem antes que sua própria força se esvaísse! Se ao menos Nynaeve conseguisse fazer o mesmo… Enquanto ainda tinha força.

— Sabe como sei de tudo isso? A coleira e os braceletes foram feitos depois que fui… bem, não vamos falar sobre isso. Depois que me libertei, a primeira coisa que fiz foi procurar informações sobre esses últimos dias. Últimos anos, na verdade. Existem muitos fragmentos aqui e ali que não fazem nenhum sentido para quem não tem ideia de nada, para começo de conversa. A Era das Lendas. Que nome fantástico vocês deram à minha época. Só que nem as suas histórias mais extraordinárias revelam sequer a metade. Eu já estava viva havia duzentos anos quando o Bore foi aberto, e ainda era jovem para uma Aes Sedai. As suas “lendas” não são mais do que fracas imitações do que nós podíamos fazer. Por que…

Nynaeve parou de escutar. Uma forma de distrair a mulher. Mesmo que ela conseguisse pensar em algo para dizer, Moghedien estaria bem precavida contra o método que ela mesma estava usando. Não podia dispender esforço para urdir nem mais um fiapinho de trama, não mais do que… não mais do que Moghedien. Uma mulher da Era das Lendas, uma mulher habituada por muito tempo a manejar o Poder Único. Talvez habituada a fazer quase tudo com o Poder, antes de ser aprisionada. Escondida desde que fora libertada. Quanto essa mulher ainda estaria acostumada a fazer as coisas sem o Poder?

Nynaeve deixou as pernas desabarem. Largando o espanador, agarrou o pedestal para se segurar. Quase não precisava fingir.

Moghedien sorriu e deu um passo adiante.

— … viajar para outros mundos, até mundos no céu. Você sabe que as estrelas são… — Tão confiante, aquele sorriso. Tão triunfante.

Nynaeve agarrou a coleira, ignorando o solavanco de emoções dolorosas que jorraram para dentro dela, e a arremessou, tudo em um movimento só.

A Abandonada apenas começara a escancarar o queixo quando o grande aro negro a atingiu entre os olhos. Não foi um golpe forte, decerto insuficiente para derrubá-la, mas foi inesperado. O controle de Moghedien sobre seus fluxos fraquejou, muito brevemente, apenas por um instante. Ainda assim, por esse pequeno instante o equilíbrio entre as duas se desfez. O escudo de Espírito deslizou entre Moghedien e a Fonte; o halo que a rodeava esvaneceu.

Os olhos da mulher se arregalaram. Nynaeve esperou que ela pulasse em sua garganta; era o que ela deveria ter feito. Mas Moghedien apenas suspendeu as saias até os joelhos e saiu correndo.

Sem precisar se defender, bastou um pouco de esforço de Nynaeve para urdir uma trama de Ar em torno da mulher em fuga. A Abandonada congelou, bem no meio de uma passada.

Mais que depressa, Nynaeve firmou a trama. Tinha conseguido. Eu enfrentei uma Abandonada e venci, pensou, incrédula. Ao olhar a mulher presa do pescoço para baixo por ar rígido feito pedra, inclinada para a frente, com um dos pés erguidos, ela teve dificuldade de acreditar. Ao examinar o que havia feito, viu que não tinha sido uma vitória completa, como gostaria. Sua lâmina de espírito se enfraquecera um pouco antes de surtir efeito completo. Moghedien estava capturada e blindada, porém não estancada.

Tentando não cambalear, ela deu a volta e pôs-se diante da outra. Moghedien ainda tinha um ar majestoso, mas feito uma rainha muito assustada, lambendo os lábios, os olhos esquadrinhando todos os lados.