De repente, seus olhos incrédulos se petrificaram. Moghedien havia sumido! O fogo devastador não se aproximara mais de dez pés da mulher, mas ela não estava mais ali. Era impossível. Ela tinha sido blindada.
— Como posso saber o que é impossível? — resmungou Nynaeve. — Era impossível que eu derrotasse uma Abandonada, mas derrotei.
Ainda não havia sinal de Jeaine Caide.
Ela se levantou e correu até o local do encontro. Se pelo menos Elayne não tivesse se metido em nenhum problema, elas poderiam sair dali em segurança, no final das contas.
55
Nas profundezas
Nynaeve seguia em disparada pelos corredores, que fervilhavam com serviçais, todos desesperados, querendo saber o que estava acontecendo. Podiam não ser capazes de sentir o Poder sendo canalizado, mas sem dúvida haviam sentido o palácio sendo destruído. Ela foi abrindo caminho pela multidão. Até onde todos sabiam, ela era apenas mais uma serviçal em pânico.
Sentiu Saidar se esvaindo enquanto avançava ligeira pelos corredores e cruzava os pátios. Ater-se à raiva era difícil, pois estava cada vez mais apreensiva com a situação de Elayne. Se as irmãs Negras tivessem encontrado a menina… Não tinha como saber que armas elas portavam além do ter’angreal que produzia fogo devastador. A lista que tinham recebido não informava os usos de todos os objetos.
Em certo momento, viu Liandrin, com as tranças cor de mel claro, e Rianna, com a mecha branca nos cabelos negros, descendo apressadas um lance da escadaria de mármore. Não conseguiu ver o brilho tênue de saidar a rodeá-las, mas, pela forma como os serviçais gritavam e saltavam para dar passagem, as duas claramente forçavam caminho com um açoite de Poder. Ficou satisfeita por não ter tentado tocar a Fonte: as outras a teriam percebido no meio da multidão por conta do brilho de saidar, e ela não seria capaz de enfrentar qualquer uma delas antes de conseguir descansar um pouco, muito menos as duas juntas. Estava de posse do que tinha ido buscar. Aquelas mulheres teriam que esperar.
Quando Nynaeve chegou ao ponto de encontro, em um estreito corredor no lado leste do palácio, a multidão já minguara e desaparecera. Elayne e a Seanchan a aguardavam junto a uma pequena porta com batente de bronze, trancada com um grande cadeado de ferro. Traziam Amathera, parada de pé, bem rígida, com uma capa de linho leve e o capuz erguido. O vestido branco da Panarca poderia passar por uma vestimenta de serviçal, se ninguém olhasse com atenção e reparasse que era de seda, e o véu, que não escondia o rosto, sem dúvida era feito do linho usado para os serviçais. O som de gritos abafados vinha pela porta. Ao que parecia, o motim ainda estava acontecendo. Se ao menos os homens estivessem fazendo a parte deles…
Nynaeve ignorou Egeanin e se jogou em cima de Elayne, envolvendo-a em um abraço rápido.
— Eu estava tão preocupada. Correu tudo bem?
— Foi tudo ótimo — respondeu Elayne. Egeanin se remexeu de leve, e a Filha-herdeira lançou um olhar significativo a ela, depois acrescentou: — Amathera deu um pouquinho de trabalho, mas a gente resolveu.
Nynaeve franziu o cenho.
— Trabalho? Por que ela daria trabalho? Por que você daria trabalho? — A última frase foi para a Panarca, que mantinha a cabeça erguida, recusando-se a encarar as outras.
Elayne parecia igualmente relutante.
Foi a Seanchan quem respondeu.
— Ela tentou fugir para incitar os soldados a atacar os Amigos das Trevas. Depois de ter sido advertida contra isso.
Nynaeve recusou-se a olhar para Egeanin.
— Não faça essa cara feia, Nynaeve — ralhou Elayne. — Eu fui atrás dela bem depressa, e tivemos uma conversinha. Acho que agora ela está totalmente de acordo comigo.
A Panarca fez cara de desgosto.
— Estou de acordo, Aes Sedai — apressou-se em dizer a mulher. — Farei exatamente o que você mandou, e lhes entregarei uns papéis para garantir que até os rebeldes as deixem passar sem maiores problemas. Não precisaremos mais… conversar.
Elayne assentiu, como se tudo aquilo fizesse sentido, e fez um gesto para que a mulher se calasse. Ao que a Panarca prontamente fechou a boca. Parecia um tantinho emburrada, mas talvez fosse apenas o formato natural. Estava claro que muita coisa estranha havia acontecido, e Nynaeve pretendia descobrir tudo o que se passara. Mas depois. Os dois lados do corredor estreito ainda estavam vazios, mas gritos de pânico continuavam a ecoar das profundezas do palácio. A turba ressoava do outro lado da portinhola.
— Mas e você? — perguntou Elayne, de testa franzida. — Deveria ter chegado meia hora atrás. Foi você quem causou isso tudo? Senti duas mulheres canalizando Poder suficiente para destruir o palácio, e logo depois alguém realmente tentou destruí-lo. Achei que tivesse sido você. Tive que proibir Egeanin de sair correndo em seu encalço.
Egeanin? Nynaeve hesitou, depois forçou-se a tocar o ombro da Seanchan.
— Obrigada. — A mulher parecia não estar entendendo muito bem o que ela mesma fizera, mas assentiu sem demora. — Moghedien me encontrou, e eu comecei a pensar em como faria para levá-la a julgamento, então Jeaine Caide quase arrancou minha cabeça com fogo devastador. — Elayne soltou um arquejo baixo, e ela se apressou para tranquilizá-la. — Mas nem chegou perto, para falar a verdade.
— Você capturou Moghedien? Você capturou uma Abandonada?
— Capturei, mas ela fugiu. — Pronto. Contara tudo. Consciente dos olhares que a outras lançavam a ela, Nynaeve se remexeu, incomodada. Não gostava de errar. Sobretudo, não gostava de errar e ser a primeira a admitir o próprio erro. — Elayne, eu sei o que falei sobre tomar cuidado, mas, quando vi aquela mulher nas minhas mãos, tudo o que eu conseguia pensar era em levá-la a julgamento. — Ela respirou fundo e assumiu um tom de quem se desculpava. Odiava fazer aquilo. Onde estavam aqueles homens idiotas? — Pus tudo em risco porque não consegui me concentrar no objetivo, mas, por favor, não brigue comigo.
— Não vou brigar — respondeu Elayne, com firmeza. — Desde que você se lembre de tomar cuidado no futuro. — Egeanin pigarreou. — Ah, sim — acrescentou, ligeira. A espera parecia incomodá-la. Suas bochechas estavam salpicadas de pontinhos vermelhos. — Você encontrou a coleira e o selo?
— Estou com eles. — Nynaeve deu um tapinha na bolsa. A gritaria lá fora parecia aumentar. Assim como os berros que ecoavam nos corredores. Liandrin devia estar virando o palácio de cabeça para baixo, tentando descobrir o que acontecera. — O que está atrasando esses homens?
— A minha Legião — respondeu Amathera.
Elayne encarou a mulher, que fechou a boca de repente. Qualquer que fosse a conversa que as duas tinham levado, parecia ter sido séria. A Panarca fez bico, feito uma garotinha com medo de ser mandada para a cama sem jantar.
Nynaeve olhou para Egeanin. A mulher Seanchan vigiava a porta atentamente. Tivera vontade de ir em seu resgate. Por que ela não me deixa odiá-la? Será que somos tão diferentes assim?
De repente, a porta se abriu. Juilin, que estava agachado, puxou duas finas barras de metal envergadas de dentro fechadura e se levantou. Sangue escorria pela lateral de seu rosto.
— Rápido. Precisamos sair daqui antes que a coisa saia de controle.
Olhando para trás do homem, com olhos arregalados, Nynaeve se perguntou o que ele considerava fora de controle. Os marujos de Bayle Domon, pelo menos trezentos deles, formavam um semicírculo de duas filas perto da porta, com o próprio Domon balançando um porrete, gritando para encorajá-los. Tinha de gritar, diante da tamanha algazarra que dominava a rua larga. Homens se acotovelavam, lutavam e gritavam em uma massa furiosa, e os tacos e bastões dos marujos não eram suficientes para afastá-los. Não que os homens estivessem de fato interessados nos marujos. Espalhados pela multidão, grupos de Mantos-brancos a cavalo brandiam espadas para os que os rodeavam com ancinhos e ripas de barris, além de alguns de mãos vazias. Uma chuva de pedras desabava em cima deles, às vezes acertando um capacete, mas não faziam muito barulho em meio ao tumulto. O cavalo de um Manto-branco solitário de súbito relinchou, empinou-se e caiu para trás, depois se reergueu depressa, sem o cavaleiro. Outros animais sem cavaleiros pontilhavam a massa de homens. Era isso o que haviam desencadeado apenas para se proteger? Tentou lembrar-se do motivo, pondo a mão na bolsa para sentir o selo de cuendillar, a coleira e os braceletes, mas era difícil. Com certeza alguns homens estavam morrendo, ali na frente.