— É hora de cuidar das tarefas do dia — anunciou Perrin. Talvez a carta chegasse a ela. De alguma forma. Apanhou o arco da mesa e jogou-o nas costas. Machado e aljava já pendiam do cinto. — E não me chame assim!
Na frente da estalagem, encontrou os Companheiros reunidos, já montados nos cavalos. Wil al’Seen levava aquele estandarte idiota com a cabeça do lobo, o cajado longo apoiado no ferro do estribo. Não fazia muito tempo que Wil tinha se recusado a carregar aquela coisa. Os sobreviventes dos que haviam se juntado a ele no primeiro dia agora detinham, orgulhosamente o direito. Wil, com o arco nas costas e uma espada na cintura, parecia tão orgulhoso quanto qualquer idiota.
Enquanto Ban subia na sela, desajeitado, Perrin o ouviu dizer:
— O homem é frio feito um lago de inverno. Feito gelo. Talvez não seja tão ruim assim, hoje.
Ele mal prestou atenção. As mulheres estavam reunidas no campo.
Estavam dispostas em um círculo de cinco ou seis fileiras ao redor do mastro comprido onde o estandarte maior com a cabeça vermelha de lobo tremulava ao vento. Cinco ou seis fileiras, ombro a ombro, levando armas de haste feitas de foices e ancinhos, além de machados de cortar madeira e robustas facas de cozinha e cutelos. Com um nó na garganta, ele montou em Galope e cavalgou na direção delas. As crianças formavam uma massa espremida dentro do círculo de mulheres. Todas as crianças de Campo de Emond.
Ao cavalgar lentamente por entre as fileiras, Perrin sentiu os olhos das mulheres a acompanhá-lo, e também os das crianças. Cheiro de medo e preocupação, coisa que estava evidente nos rostinhos infantis, mas o odor emanava de todos. Puxou a rédea, parando onde estavam Marin al’Vere, Daise Congar e o restante do Círculo das Mulheres. Alsbet Luhhan levava nos ombros um dos martelos do marido, e, na cabeça, o capacete de Manto-branco adquirido na noite de seu resgate, um pouco torto por conta da trança grossa. Neysa Ayellin segurava com firmeza uma faca de entalhar de lâmina comprida e trazia mais duas presas no cinto, às costas.
— Nós já planejamos o que vamos fazer — anunciou Daise, encarando Perrin como se esperasse uma discussão que não pretendia permitir. Segurava um ancinho amarrado a uma vara quase três pés maior que ela, apoiado na vertical. — Se os Trollocs invadirem por algum lugar, vocês, homens, vão ficar ocupados, então levaremos as crianças embora. Os mais velhos já sabem o que fazer, e todos já brincaram de esconde-esconde na floresta. Só para mantê-los seguros até poderem sair outra vez.
Os mais velhos. Meninos e meninas de treze e quatorze anos levavam os pequeninos amarrados às costas e seguravam as mãos dos maiores. Garotas mais velhas do que isso estavam nas fileiras com as mulheres. Bo Cauthon segurava um machado de lenha com as duas mãos, e sua irmã, Eldrin, portava uma lança de javali de ponta larga. Os rapazes mais velhos estavam com os homens ou trepados nos telhados de sapê, de arcos em punho. Os latoeiros permaneciam com suas crianças, dentro das casas. Perrin olhou para Aram, parado ao lado do estribo. Aquela gente não lutaria, mas cada adulto carregava dois bebês amarrados às costas e mais um aninhado no braço. Raen e Ila, abraçados, não o encaravam. Era só para mantê-los seguros até poderem sair outra vez.
— Peço desculpas. — Ele precisou parar e pigarrear. Não era sua intenção que a coisa chegasse àquele ponto. Por mais que refletisse, não conseguia pensar em nada de diferente que pudesse ter feito. Nem se entregar aos Trollocs teria impedido a matança e os incêndios. O fim teria sido o mesmo. — Não foi justo o que fiz com Faile, mas eu tive que fazer. Por favor, entenda isso. Eu tive que fazer.
— Não seja bobo, Perrin — respondeu Alsbet, enfática, mas com um sorriso afetuoso no rosto redondo. — Eu não aguento quando você começa de bobeira. Acha que esperaríamos outra coisa de você?
Com um pesado cutelo em uma das mãos, Marin estendeu a outra para dar um tapinha no joelho de Perrin.
— Qualquer homem a quem valha a pena cozinhar uma boa refeição teria feito o mesmo.
— Obrigado. — Luz, como sua voz. Dali a pouco estaria fungando feito uma criancinha. Ainda assim, por algum motivo, estava embargada não conseguiu suavizar o tom. As mulheres deviam estar pensando que ele era um idiota. — Obrigado. Eu não deveria ter enganado a senhora, mas Faile não teria ido embora se tivesse suspeitado.
— Ah, Perrin. — Marin riu. Uma risada de verdade, mesmo com tudo o que estava enfrentando, com todo o cheiro de medo que exalava. O rapaz desejou ter metade da coragem daquela mulher. — Nós sabíamos qual era a sua intenção antes mesmo de você fazer a garota montar no cavalo, e não posso afirmar com certeza que a própria Faile não sabia. As mulheres acabam fazendo muitas coisas que não querem fazer só para agradar vocês, homens. — Então acrescentou, com firmeza: — Agora vá cuidar do que tem que fazer. Isso aqui é assunto do Círculo das Mulheres.
Perrin conseguiu dar um jeito de retribuir o sorriso.
— Sim, senhora — respondeu, coçando a testa. — Me perdoe. Eu sei muito bem que é melhor não meter o bedelho nessas coisas.
As mulheres à volta de Marin riram, achando graça, e ele deu meia-volta com Galope.
Percebeu que Ban e Tell vieram cavalgando logo atrás, trazendo o restante dos Companheiros na cola de Wil e do estandarte. Fez um gesto para que os dois se aproximassem.
— Se as coisas ficarem ruins hoje — anunciou, com um de cada lado — os Companheiros devem voltar para cá e ajudar as mulheres.
— Mas…
Ele interrompeu o protesto de Tell.
— Façam o que eu mandei! Se alguma coisa der errado, saiam daqui com as mulheres e as crianças! Estão me ouvindo? — Os homens assentiram. Relutantes, mas assentiram.
— E você? — perguntou Ban, baixinho.
Perrin o ignorou.
— Aram, você fica com os Companheiros.
Avançando entre Galope e o cavalo peludo de Tell, o latoeiro sequer olhou para cima.
— Eu não vou sair do seu lado — respondeu ele, simplesmente, mas em um tom que não deixava espaço para discussão. O rapaz não mudaria de ideia, não importava o que ele dissesse, e Perrin se perguntou se os lordes de verdade passavam pelo mesmo tipo de problema.
Na ponta oeste do Campo, os Filhos estavam montados nos cavalos, os mantos reluzindo com o raio de sol dourado, os capacetes e armaduras brilhando, as pontas das lanças cintilando. Formavam uma longa coluna de duas parelhas que se estendia até o meio das casas mais próximas. Deviam ter passado a noite inteira polindo as armaduras. Dain Bornhald e Jaret Byar moveram os cavalos para virar-se de frente para Perrin. Bornhald permanecia sentado ereto sobre a sela, mas cheirava a conhaque de maçã. O rosto encovado de Byar se contorceu, com uma raiva ainda mais profunda do que de costume, quando ele encarou Perrin.
— Achei que vocês já estariam em suas posições — disse Perrin.
Bornhald torceu o nariz e encarou a crina do cavalo, sem responder. Depois de um instante, Byar retrucou:
— Estamos indo embora daqui, Criatura da Sombra. — Um burburinho raivoso começou a se elevar entre os Companheiros, mas o homem de olhos fundos os ignorou, assim como ignorou Aram, que passou a mão pelo ombro para agarrar o punho da espada. — Vamos passar pelos seus amigos no caminho de volta para Colina da Vigília e nos unir ao restante dos nossos homens.
Indo embora. Mais de quatrocentos soldados indo embora. Eram Mantos-brancos, mas eram soldados montados, não fazendeiros. Soldados que haviam concordado — Bornhald concordara! — em apoiar os homens de Dois Rios onde quer que a batalha ebulisse. Se Campo de Emond quisesse ter a menor chance que fosse, Perrin teria de contar com aqueles homens. Galope deu um tranco com a cabeça e bufou, como se captasse o humor do dono.
— Você ainda acredita que eu sou Amigo das Trevas, Bornhald? Quantos ataques viu até agora? Esses Trollocs tentaram me matar da mesma forma que tentaram matar os outros.