— E quatro? — perguntou Rand.
Já havia cinco clãs representados, e, com os Taardad, seis.
Rhuarc hesitou por um instante, erguendo uma das lanças curtas sem perceber.
— Quatro dançam as lanças. Mas isso não deve acontecer aqui.
Os Taardad se afastaram para deixar as Sábias prosseguirem, com os xales nas cabeças. Moiraine, Lan e Egwene cavalgavam atrás. Egwene e a Aes Sedai usavam aqueles panos brancos em volta das têmporas, em uma fraca imitação dos lenços das mulheres Aiel. Mat também seguia o grupo, isolado, a lança de cabo negro atravessada no cepilho. O chapéu de aba larga escondia seu rosto, que analisava o que havia à frente.
O Guardião assentiu para si mesmo ao ver os Shaido.
— Isso pode gerar confusão — murmurou. O garanhão negro girou o olho para o sarapintado de Rand. Foi um movimento breve, mas Lan, atento às fileiras de Aiel diante do vão, ainda assim deu um tapinha reconfortante no pescoço de Mandarb. — Mas não agora, eu acho.
— Não agora — concordou Rhuarc.
— Se pelo menos você… me permitisse ir junto. — Exceto por aquela levíssima inflexão, a voz de Moiraine estava serena como sempre. Uma calma fria estampava suas feições etéreas, mas os olhos escuros encaravam Rand como se aquele mero olhar fosse capaz de forçá-lo a ceder.
Os cabelos longos e claros de Amys, caídos por baixo do xale, balançaram quando ela sacudiu a cabeça com firmeza.
— Essa decisão não é dele, Aes Sedai. Isso é assunto dos chefes, assunto de homens. Se permitirmos que a senhora vá a Alcair Dal agora, da próxima vez que as Sábias ou as senhoras dos tetos se reunirem, algum chefe de clã vai querer meter o bedelho. Eles acham que a gente se intromete nos assuntos deles, e costumam tentar se intrometer nos nossos.
A mulher abriu um sorrisinho para Rhuarc, com a intenção de deixar claro que o comentário não o incluía. A falta de expressão do marido informou a Rand que ele estava pensando o contrário.
Melaine segurou o xale por debaixo do queixo, encarando Rand com o olhar firme. Ainda que não concordasse com Moiraine, também desconfiava do que ele iria fazer. Rand mal havia dormido desde que deixara as Pedras Frias. Se elas tinham invadido os sonhos dele, encontraram apenas pesadelos.
— Tome cuidado, Rand al’ Thor — disse Bair, como se lesse seus pensamentos. — Um homem cansado comete erros. Você não pode se dar ao luxo de cometer erros, hoje. — Ela puxou o xale por sobre os ombros magros, e sua voz fina assumiu um tom quase irritado. — Nós não podemos permitir que você cometa erros. Os Aiel não podem se dar ao luxo.
A chegada de mais cavaleiros no topo da encosta atraíra novos olhares para ele. Entre os pavilhões, muitas centenas de Aiel, homens em cadin’sor e mulheres de cabelos compridos vestindo saias, blusas e xales, formavam uma multidão vigilante. A atenção foi desviada quando o carroção empoeirado de Kadere surgiu por detrás do grupo de mulas à direita, com o mascate corpulento de casaco cor de creme no assento do condutor e Isendre toda vestida em seda branca, segurando um guarda-sol do mesmo estilo. O carroção de Keille vinha atrás, com Natael manejando as rédeas ao lado dela. A isso se seguiam os carroções com cobertura de lona e, por fim, os três carroções de água, que mais pareciam imensos barris sobre rodas, puxados pelas parelhas compridas de mulas. O grupo encarou Rand quando os carroções passaram fazendo barulho, em um rangido de eixos precisando de graxa. Kadere e Isendre, Natael e seu manto de menestrel coberto de retalhos, o corpanzil de Keille envolto em uma indumentária branca feito a neve, com um xale de renda branca por cima dos pentes de marfim. Rand deu um tapinha no pescoço arqueado de Jeade’en. Homens e mulheres começavam a sair da feira, lá embaixo, para encontrar os carroções que se aproximavam. Os Shaido estavam esperando. Faltava pouco.
Egwene aproximou a égua cinzenta de Jeade’en, e o garanhão sarapintado tentou fossar Bruma, mas acabou levando uma rosnadela em resposta, pelo aborrecimento.
— Você não me deu chance de conversarmos desde as Pedras Frias, Rand. — O rapaz não respondeu. Egwene agora era Aes Sedai, e não era só porque se denominava assim. Ele se perguntou se a moça também espionava seus sonhos. A jovem tinha o rosto rígido, os olhos escuros cansados. — Não guarde as coisas em segredo, Rand. Você não está lutando sozinho. Outras pessoas também estão lutando por você.
De cenho franzido, o rapaz tentou não olhar para a amiga. O primeiro pensamento que lhe veio foi Campo de Emond e Perrin, mas não via como a mulher poderia saber para onde Perrin fora.
— Como assim? — indagou, por fim.
— Eu luto por você — respondeu Moiraine, antes que Egwene pudesse abrir a boca — e Egwene também. — As duas mulheres trocaram um olhar rápido. — Tem gente que luta por você sem saber que está lutando, muita gente que você nem sequer conhece. Não percebe o que significa forçar a formação da Renda da Era, não é? As ondas das suas ações, as ondas da sua mera existência se propagam por todo o Padrão e alteram a trama dos fios da vida de pessoas que você nem imagina. Essa batalha está muito longe de ser só sua. Mas você está no coração desta teia do Padrão. Se fracassar e sucumbir, tudo o mais vai fracassar e sucumbir. Como eu não posso ir com você até Alcair Dal, deixe que Lan vá. Mais um par de olhos para lhe dar respaldo.
O Guardião girou de leve por cima da sela, o cenho franzido para a Aes Sedai. Com os Shaido velados para matar, ele não estava muito ansioso em deixá-la sozinha.
Rand achou que não deveria ter visto aquela troca de olhares entre Moiraine e Egwene. Então elas tinham um segredo que estavam escondendo dele. Egwene tinha mesmo olhos de Aes Sedai, misteriosos e indecifráveis. Aviendha e as Donzelas haviam retornado até ele.
— Deixe que Lan fique com você, Moiraine. As Far Dareis Mai carregam minha honra.
Moiraine apertou os cantos dos lábios, mas, ao que parecia, aquilo era a coisa exata a ser dita, de acordo com as Donzelas. Adelin e as outras exibiram sorrisos largos.
Mais abaixo, os Aiel se amontoavam ao redor dos condutores dos carroções, que começavam a desatrelar as mulas. Nem todos prestavam atenção aos Aiel. Keille e Isendre encaravam uma à outra junto aos carroções. Natael falava em um tom urgente com uma das mulheres, e Kadere, com a outra, até que as duas enfim cessaram o duelo de olhares. Elas já estavam agindo assim havia algum tempo. Se fossem homens, Rand imaginava que já teriam chegado às vias de fato muito tempo antes.
— Fique a postos, Egwene — disse Rand. — Todos vocês, fiquem a postos.
— Nem mesmo os Shaido vão incomodar Aes Sedai — respondeu Amys — não mais do que incomodam Bair, Melaine ou a mim. Algumas coisas estão além do alcance até dos Shaido.
— Só fiquem a postos!
Ele não pretendia ser tão ríspido. Até Rhuarc o encarou. Ninguém entendeu, e ele não ousava explicar. Quem acionaria a armadilha primeiro? Tinha de pôr em risco todos ali, e também a si próprio.
— E eu, Rand? — perguntou Mat, de repente, rolando uma moeda de ouro pelos dedos de uma das mãos, em um gesto meio inconsciente. — Você faz alguma objeção se eu for com você?
— Você quer ir? Achei que preferiria ficar com os mascates.
Mat franziu o cenho para os carroções abaixo e olhou para os Shaido enfileirados diante da brecha na montanha.
— Não acho que vá ser tão fácil sair daqui, se você acabar morrendo. Que me queime se você não acabar me metendo no caldeirão de banha de um jeito ou de… Dovienya — murmurou Mat. Rand já o ouvira dizer isso antes. Lan contou que significava “sorte” na Língua Antiga. Mat jogou a moeda de ouro para cima. Quando tentou apanhá-la de volta, ela quicou em seus dedos e caiu no chão. Por mais improvável que fosse, a moeda caiu de pé e foi rolando encosta abaixo, saltando pelas rachaduras no chão de lama seca, cintilando à luz do sol. De lá, seguiu descendo até os carroções, onde finalmente tombou. — Que me queime, Rand — rosnou — preferia que você não fizesse isso!