Os chefes dos ramos dos outros clãs se sentaram de pernas cruzadas, todos com seus respectivos grupos, diante de uma grande saliência abaixo da encosta abaulada. Seis pequenos grupos, um de Donzelas, permaneciam entre os chefes dos ramos e a saliência. Eram, supostamente, os Aiel que tinham ido pela honra dos chefes dos clãs. Seis, embora apenas cinco clãs estivessem representados. Sevanna teria uma escolta de Donzelas — embora mas Aviendha tivesse feito um rápido comentário sobre como Sevanna nunca fora Far Dareis Mai —, mas o grupo extra… havia onze homens ali, não dez. Mesmo vendo apenas as costas de uma cabeça cheia de cabelos cor de fogo, Rand teve certeza de que era Couladin.
Na saliência em si, uma mulher de cabelos louros estava parada, portando tantas joias quanto a mulher nas tendas da feira, o xale cinza por cima dos ombros. Era Sevanna, claro, junto de mais quatro chefes de clã, nenhum armado, exceto pela comprida faca de cintura. Um deles era o homem mais alto que Rand já vira na vida. Bael, dos Aiel Goshien, pelas descrições que Rhuarc fornecera. O sujeito devia ser pelo menos uma mão mais comprido que Rhuarc ou que ele próprio. Sevanna estava falando, e algum efeito criado pelo formato do cânion transportava suas palavras para todos os cantos com clareza.
— … deixar que ele fale! — Sua voz era dura e tensa. De cabeça erguida e costas rígidas, ela tentava dominar o espaço com a força de sua vontade. — Eu exijo isso como meu direito! Até que um novo chefe seja escolhido, assumo o posto de Suladric, representando os Shaido. Exijo o meu direito!
— Você ocupa o lugar de Suladric até um novo chefe ser escolhido, senhora do teto. — O homem de cabelos brancos que respondia em um tom irascível era Han, chefe de clã dos Tomanelle. Com um rosto que parecia couro escuro e curtido, ele era mais alto que a média de Dois Rios, mas era baixo para um Aiel, ainda que corpulento. — Não duvido que você conheça bem os direitos de uma senhora do teto, mas talvez não conheça tão bem os de um chefe de clã. Só alguém que já adentrou Rhuidean pode falar aqui. E você, que está no lugar de Suladric. — Han não parecia contente com aquilo, mas por outro lado, era o tipo de homem que parecia quase nunca feliz. — Mas as andarilhas dos sonhos disseram às nossas Sábias que Couladin teve o direito de adentrar Rhuidean recusado.
Couladin soltou um berro indecifrável, porém claramente furioso — pelo visto, o truque do cânion funcionava apenas na saliência. Erim, dos Chareen, com a metade dos cabelos vermelho-claros já grisalha, interrompeu-o com rispidez.
— Acaso não tem respeito pela lei e pelos costumes, Shaido? Não tem honra? Faça o silêncio aqui.
Uns poucos olhos na encosta se viraram para ver quem eram os recém-chegados. Uma onda de empurrões trouxe mais gente para ver dois forasteiros a cavalo à frente dos chefes dos ramos, um deles seguido de perto por Donzelas. Rand se perguntou quantos Aiel o observavam. Três mil? Quatro? Mais? Ninguém fazia som algum.
— Estamos aqui reunidos para ouvir um pronunciamento muito importante — disse Bael — que acontecerá quando todos os clãs tiverem chegado. — Seus cabelos vermelho-escuros também estavam ficando grisalhos. Não havia jovens entre os chefes dos clãs. Sua altura e voz grave atraíram os olhares para ele. — Quando todos os clãs tiverem chegado. Se a única coisa que Sevanna quer agora é pedir que deixemos Couladin falar, voltarei para as minhas tendas e aguardarei a hora.
Jheran, dos Shaarad, inimigo de sangue dos Goshien de Bael, era um homem delgado, com muitas mechas cinzentas nos cabelos castanho-claros. Ele se pronunciou em um tom também delgado, feito uma lâmina de aço, dirigindo-se a ninguém em particular.
— Digo que não devemos retornar às nossas tendas. Já que Sevanna nos trouxe para cá, vamos debater algo que é só um pouco menos importante que o anúncio que aguardamos. Água. Quero debater sobre a água da Plataforma da Cordilheira de Espinhaço.
Bael virou-se para o homem, em uma postura ameaçadora.
— Imbecis! — vociferou Sevanna. — Eu cansei de esperar! Eu…
Foi então que os que ocupavam a saliência perceberam os recém-chegados. Observaram a aproximação em total e completo silêncio, os chefes dos clãs de cenho franzido, Sevanna com uma careta de desprezo. Era uma bela mulher, quase de meia-idade, mas que parecia mais jovem, em meio a homens bem mais velhos. Ainda assim, ela parecia voraz. Os chefes dos clãs eram nobres, mesmo Han, com seu jeito meio amargo, mas os olhos azul-claros da mulher guardavam uma expressão calculista. Ao contrário das outras Aiel que Rand já vira, ela usava a blusa branca solta aberta em um decote avantajado, o colo bronzeado emoldurado pelos muitos colares. Pela postura dos homens, dava para identificá-los como chefes de clã. E, mesmo que Sevanna fosse uma senhora do teto, sem dúvida não era nada parecida com Lian.
Rhuarc avançou direto até a saliência, entregou as lanças, o broquel, o arco e a aljava para os Escudos Vermelhos e começou a subir. Rand entregou as rédeas a Mat.
— Sorte para nós! — murmurou o rapaz, enquanto olhava os Aiel à volta.
Adelin deu um aceno de cabeça encorajador para Rand, que foi de sua sela direto para a saliência. Um murmúrio de surpresa se ergueu pelo cânion.
— O que é que você está fazendo, Rhuarc — inquiriu Han, com uma expressão de desprezo — trazendo este aguacento para cá? Se não vai matá-lo, pelo menos não o deixe se portar feito um chefe de clã.
— Este homem, Rand al’Thor, veio falar com os chefes dos clãs. As Andarilhas dos Sonhos não contaram a você que ele viria comigo? — As palavras de Rhuarc provocaram um burburinho entre os ouvintes.
— Melaine me contou muitas coisas, Rhuarc — respondeu Bael, receoso, franzindo o cenho para Rand. — Disse que Aquele Que Vem Com a Aurora tinha saído de Rhuidean. Você não pode estar querendo dizer que este homem… — Ele foi baixando a voz, incrédulo.
— Se o aguacento pode falar — interrompeu Sevanna, mais do que depressa — então Couladin também pode.
Ela ergueu uma mão macia e delicada, e Couladin subiu até a saliência, com o rosto vermelho de raiva.
Han virou-se para ele.
— Fique aí embaixo, Couladin! Já é ruim o bastante ver Rhuarc violando os costumes sem que você faça o mesmo!
— Está na hora de abandonar esses hábitos desgastados! — gritou o Shai do de cabelos cor de fogo, tirando o casaco marrom e cinza. Não havia razão para gritar, pois suas palavras ecoavam pelo cânion, mas ele não baixou a voz. — Eu sou Aquele Que Vem Com a Aurora! — Ele puxou as mangas da camisa para cima e ergueu os dois braços. Em torno de cada antebraço estava enroscada uma criatura serpenteante de escamas douradas e carmesins, com patas metálicas e reluzentes, cada uma com cinco garras douradas, as cabeças de crina dourada no dorso dos punhos de Couladin. Dois Dragões perfeitos. — Eu sou o Car’a’carn!
O estrondo que se elevou foi como um trovão, os Aiel levantando-se aos saltos e gritando de alegria. Os chefes dos clãs também se levantaram, os Taardad se agruparam, preocupados, os outros gritando na mesma intensidade.
Os chefes dos clãs pareciam atônitos, inclusive Rhuarc. Adelin e suas nove Donzelas empunharam as lanças, como se esperassem usá-las a qualquer momento. Encarando o vão à frente, Mat puxou o chapéu para baixo e conduziu os dois cavalos para perto da saliência, fazendo um gesto disfarçado para que Rand subisse na sela outra vez.
Sevanna abriu um sorriso presunçoso e arrumou o xale enquanto Couladin avançava para a frente da saliência, com os braços erguidos.