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— Sempre acontece alguma coisa — resmungou Mat. — Tem tanto ouro para ganhar por aqui. E tem uma garota de olhos grandes nas cozinhas que gosta de ganhar uns beijos e umas cócegas, e uma das serviçais tem cabelos sedosos até a cintura, e umas curvas… — A voz dele foi morrendo, como se tivesse percebido o quanto soava tolo.

— Já considerou que talvez seja porque…

— Thom, se você falar ta’veren, eu vou embora.

Thom mudou o que pretendia dizer.

— … que talvez seja porque Rand é seu amigo, e você não quer abandoná-lo?

— Abandoná-lo! — O rapaz se levantou de um salto, derrubando o banquinho. — Thom, ele é o maldito Dragão Renascido! Pelo menos é isso que ele e Moiraine dizem. Talvez seja mesmo. Rand consegue canalizar e tem aquela droga de espada de vidro. Cumpriu profecias! Sei lá. Só sei que eu teria que ser tão louco quanto esses tairenos para ficar aqui. — Ele hesitou. — Você não acha… não acha que Moiraine está me prendendo aqui, acha? Com o Poder?

— Acho que ela não pode fazer isso — respondeu Thom, com cautela.

Sabia um bocado sobre Aes Sedai, o bastante para ter ideia de quanto desconhecia, e acreditava estar certo nessa.

Mat passou os dedos nos cabelos.

— Thom, penso em ir embora o tempo todo, mas… não paro de ter essas sensações estranhas. Quase como se algo fosse acontecer. Algo… significativo; é essa a palavra. É como ter certeza de que vão disparar fogos de artifício no Dia do Sol, mas não saber de que tipo serão. Sempre que penso demais em ir embora, acontece isso. E acabo encontrando alguma razão para ficar mais um dia. Sempre só mais um maldito diazinho. Isso não parece coisa de Aes Sedai?

Thom engoliu a palavra ta’veren e tirou o cachimbo dos dentes para analisar o tabaco fumegante. Não sabia muito sobre ta’veren, mas ninguém sabia, exceto as Aes Sedai, talvez alguns Ogier.

— Nunca tive muito talento para ajudar gente com problemas. — Muito menos para resolver os meus próprios, pensou Thom. — Com uma Aes Sedai disponível, meu conselho à maioria seria pedir a ajuda dela. — Conselho que eu mesmo não seguiria.

— Falar com Moiraine!

— Suponho que neste caso esteja fora de cogitação. Mas Nynaeve foi sua Sabedoria, lá em Campo de Emond. Sabedorias de aldeias costumam responder às perguntas do povo, ajudar com os problemas.

Mat soltou uma risada rouca.

— E aguentar um daqueles sermões sobre bebida, jogatina e…? Thom, ela age como se eu tivesse dez anos. Às vezes, parece que acha que vou me casar com uma boa moça e me assentar na fazenda do meu pai.

— Alguns homens não teriam objeções a levar uma vida assim — respondeu o menestrel, baixinho.

— Bom, eu tenho. Quero mais do que vacas, ovelhas e tabaco para o resto da vida. Quero… — Mat balançou a cabeça. — Todos esses espaços em branco na minha memória. Às vezes parece que, se eu pudesse preenchê-los, saberia… Que me queime, não sei o que saberia, mas sei que quero saber. É uma charadinha bem ardilosa, não é?

— Acho que nem uma Aes Sedai vai pode ajudá-lo nessa. Um menestrel com certeza não pode.

— Já disse que nada de Aes Sedai!

Thom suspirou.

— Calma, garoto. Não estava sugerindo.

— Eu vou embora. Assim que recolher minhas coisas e encontrar um cavalo. Nem um minuto depois.

— No meio da noite? Vá de manhã. — Isso se você for mesmo embora, absteve-se de acrescentar. — Sente-se. Relaxe. Vamos jogar uma partida de pedras. Tem uma jarra de vinho aqui, em algum lugar.

Mat hesitou, olhando para a porta. Por fim, ajeitou o casaco.

— De manhã, então. — Ele soou indeciso, mas desvirou o banquinho e pousou-o ao lado da mesa. — Mas nada de vinho para mim — acrescentou, enquanto se sentava. — Já acontecem coisas estranhas o bastante enquanto estou com a cabeça limpa. Quero saber diferenciar os acontecimentos.

Thom, pensativo, ajeitou na mesa o tabuleiro e os sacos de pedras. O garoto era distraído com a maior facilidade. E arrastado por um ta’veren ainda mais forte de nome Rand al’Thor, pelo que Thom podia perceber. Começou a pensar se estaria atado da mesma forma. Sua vida decerto não parecia avançar na direção da Pedra de Tear e daquele quarto quando conheceu Rand, mas desde então parecia estar se enrolando como corda de pipa. Se decidisse ir embora, por exemplo, talvez se Rand tivesse mesmo enlouquecido, será que encontraria razões para continuar adiando a partida?

— O que é isso, Thom? — A bota de Mat encontrara o baú debaixo da mesa. — Posso tirar do caminho?

— Claro que sim. Vá em frente. — Estremeceu por dentro quando Mat chutou o baú com força. Torceu para ter arrolhado direito todos os frascos de tinta. — Escolha — disse, estendendo os punhos.

Mat bateu no da esquerda, e Thom abriu a mão, revelando uma pedra preta e lisa, redonda e chata. O garoto soltou uma risadinha zombeteira por ganhar o primeiro movimento e depositou a pedra no tabuleiro quadriculado. Ninguém que visse a avidez em seu olhar teria desconfiado de que, havia apenas um instante, o rapaz estivera duas vezes mais ávido para sair dali. Um poder que ele se recusava a reconhecer estava agarrado às suas costas, e havia uma Aes Sedai com intenção de fazer dele um de seus animais de estimação. O rapaz estava completamente preso.

Talvez também estivesse sendo preso, mas Thom decidiu que valeria a pena, se fosse para ajudar pelo menos um homem a se libertar das Aes Sedai. Valeria a pena, se fosse para pagar aquela dívida de quinze anos.

De repente, com uma estranha satisfação, depositou uma pedra branca no tabuleiro.

— Por acaso já contei — começou, com o cachimbo na boca — sobre a aposta que fiz com uma mulher domanesa? Ela tinha olhos capazes de tragar a alma de um homem. Andava por aí com um pássaro vermelho e esquisito que tinha comprado em um navio do Povo do Mar. Alegava que o pássaro conseguia prever o futuro. O bicho tinha um bicão amarelo quase tão comprido quanto o corpo, e…

5

Interrogatório

— Elas já deviam ter voltado, a essa altura. — Egwene abanava com força o leque de seda pintada, feliz por as noites serem pelo menos um pouco mais frescas que os dias. As mulheres tairenas usavam leques o tempo inteiro, pelo menos as nobres e ricas, mas parecia que estes só faziam alguma diferença depois de o sol se pôr, e mesmo assim não era muita. Até os grandes lampiões dourados e espelhados que pendiam de suportes prateados nas paredes pareciam esquentar ainda mais o ambiente. — Por que ainda não chegaram? — Moiraine lhes prometera um encontro de uma hora, pela primeira vez em dias, mas saíra sem dar explicação depois de cinco míseros minutos. — Ela deixou escapar alguma coisa sobre o motivo de estar sendo chamada, Aviendha? Ou sobre quem a chamou, pelo menos?

Sentada de pernas cruzadas no chão perto da porta, com os olhos verdes destacando-se no rosto bronzeado, a Aiel deu de ombros. Ela usava casaco, calças, botas macias e a shoufa enrolada no pescoço, e parecia desarmada.

— Careen sussurrou a mensagem a Moiraine Sedai. Não teria sido apropriado tentar escutar. Lamento, Aes Sedai.

Cheia de culpa, Egwene tocou o anel da Grande Serpente na mão direita, a serpente dourada mordendo a própria cauda. Como Aceita, deveria usá-lo no terceiro dedo da mão esquerda, mas deixar os Grão-lordes acreditarem que havia quatro Aes Sedai plenas na Pedra garantia os bons modos com que as recebiam, ou o que quer que os nobres tairenos considerassem bons modos. Moiraine não mentia, naturalmente. Jamais dissera que as três eram algo mais do que Aceitas. Mas também não dissera que eram Aceitas, deixara todos pensarem o que quisessem, acreditarem no que pensavam ver. Moiraine não podia mentir, mas sabia fazer a verdade dançar uma bela jiga.