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Não era a primeira vez que Egwene e as outras se passavam por irmãs plenas desde que haviam deixado a Torre, mas a jovem sentia-se cada vez mais desconfortável por enganar Aviendha. Gostava da Aiel, achava que as duas poderiam ser amigas, caso viessem a se conhecer melhor. Mas isso parecia quase impossível enquanto Aviendha pensasse que Egwene era Aes Sedai. A Aiel estava ali apenas por ordem de Moiraine, para servir a seus propósitos secretos. Egwene suspeitava de que fosse para lhes servir de guarda-costas Aiel, como se as três não tivessem aprendido a se defenderem sozinhas. Ainda assim, mesmo que ela e Aviendha se tornassem amigas, não poderia contar a verdade à mulher. A melhor forma de guardar segredo era não revelar nada a ninguém, a menos que fosse absolutamente necessário. Esse fora outro argumento de Moiraine. Algumas vezes, Egwene se pegava desejando que as Aes Sedai estivessem erradas, completamente erradas, pelo menos uma vez. De uma forma que não causasse nenhum desastre, é claro. Essa era a dificuldade.

— Tanchico — murmurou Nynaeve. A trança escura, da grossura de um punho, pendia até a cintura enquanto ela olhava por uma das janelas estreitas, os caixilhos virados para baixo na esperança de deixar entrar um pouco da brisa noturna. No largo Rio Erinin, abaixo, balançavam-se as lanternas dos poucos botes pesqueiros que não ousaram descê-lo, mas Egwene duvidava que pudessem vê-las. — Ao que parece, a única alternativa é irmos para Tanchico. — Nynaeve deu um puxão inconsciente no vestido verde que deixava os ombros descobertos. Fazia isso com frequência. Negaria estar usando o vestido para Lan, o Guardião de Moiraine, caso Egwene ousasse sugerir tal coisa, mas verde, azul e branco pareciam ser as cores preferidas de Lan, para as mulheres, e todos os vestidos que não eram verdes, azuis ou brancos tinham desaparecido do guarda-roupas de Nynaeve. — Não temos alternativa. — Ela não parecia contente.

Egwene percebeu que puxava o próprio vestido para cima. Esses vestidos que só se sustentavam por alças na lateral dos ombros eram estranhos. Por outro lado, ela não aguentaria cobrir mais o corpo. Por mais leve que fosse, o linho vermelho-claro parecia lã. Desejou ser capaz de usar aqueles vestidos transparentes que Berelain vestia. Não que fossem apropriados para usar à vista de todos, mas sem dúvida pareciam bem frescos.

Pare com essa choradeira por causa do desconforto, disse a si mesma. Concentre-se.

— Talvez — disse, em voz alta. — Mas eu não estou muito convencida.

Uma mesa comprida e estreita, polida até brilhar, ocupava o centro do salão. Havia uma cadeira alta no canto próximo a Egwene, com leves entalhes e douraduras aqui e ali, bastante simples para os padrões de Tear. Os espaldares das cadeiras laterais iam diminuindo à medida que se afastavam da mais decorada, e as do extremo oposto eram pouco maiores que banquinhos. Egwene não fazia ideia de qual era o propósito dos tairenos para aquele salão. Ela e as outras o usavam para interrogar as duas prisioneiras capturadas despois da queda da Pedra.

Não conseguira se obrigar a ir até os calabouços, embora Rand tivesse ordenado que todos os utensílios que decoravam o aposento da guarda fossem derretidos ou queimados. Nynaeve e Elayne também não tinham ficado ansiosas para retornar. Além do mais, este salão bem iluminado, com piso de azulejos brilhantes e painéis de parede com entalhes das Três Luas Crescentes de Tear, fazia enorme contraste com as pedras cinza e sombrias das celas pouco iluminadas, úmidas e imundas. Aquilo deveria exercer algum efeito calmante nas duas mulheres vestidas nas pesadas roupas de lã dos prisioneiros.

Bastava o grosso vestido de lã para revelar à maioria que Joiya Byir, parada em pé do outro lado de mesa, as costas curvadas, era uma prisioneira. Ela tinha sido da Ajah Cinza, e não perdera nem um pouco do frio autocontrole característico de sua Ajah ao deslocar sua lealdade para a Negra. Cada traço de sua expressão parecia indicar que ela encarava a janela oposta por escolha própria, não por qualquer outra razão. Apenas uma mulher capaz de canalizar poderia ver os robustos fluxos de Ar que prendiam os braços de Joiya ao lado do corpo e uniam seus tornozelos. Uma jaula tecida com Ar obrigava seus olhos a mirarem bem à frente. Até as orelhas estavam vedadas, para que ela não pudesse ouvir o que as outras dissessem até que lhe fosse permitido.

Mais uma vez, Egwene conferiu o escudo de Espírito que impedia Joiya de tocar a Fonte Verdadeira. Estava firme como deveria. Ela própria urdira todos os fluxos ao redor de Joiya, atando-os de modo que se sustentassem sozinhos, mas não conseguia ficar tranquila no mesmo ambiente que uma Amiga das Trevas com a capacidade de canalizar, mesmo que blindada. Pior do que uma mera Amiga das Trevas. Da Ajah Negra. Assassinato era o mais brando dos crimes de Joiya. As costas curvadas deveriam ser consequência do peso dos juramentos quebrados, vidas arruinadas e almas definhadas.

A companheira de cárcere de Joiya, sua irmã da Ajah Negra, não possuía a mesma força. Parada na extremidade oposta da mesa, de ombros caídos e cabeça baixa, Amico Nagoyin parecia afundar em si mesma sob o olhar de Egwene. Não havia razão para blindá-la. Amico fora estancada durante a captura. Ainda podia sentir a Fonte Verdadeira, mas jamais a tocaria, nunca mais poderia canalizar. O desejo e a vontade permaneceriam, tão prementes quanto a necessidade de ar, e a sensação de perda estaria presente enquanto ela vivesse, com saidar eternamente fora de alcance. Egwene desejou sentir uma pontada de pena que fosse. Mas não se esforçou muito.

Amico murmurou algo por cima a mesa.

— O quê? — inquiriu Nynaeve. — Fale alto.

Com uma expressão humilde, Amico ergueu o rosto sobre o pescoço delgado. Ainda era uma bela mulher, com olhos grandes e negros, mas havia algo de diferente nela, algo que Egwene não era muito capaz de identificar. Não era o medo que a fazia agarrar o vestido grosso de prisioneira com as duas mãos. Era algo mais.

Amico engoliu em seco e disse:

— Você deveria ir para Tanchico.

— Você já disse isso vinte vezes — retrucou Nynaeve, com rudeza. — Cinquenta vezes. Agora conte alguma novidade. Revele nomes que a gente ainda não saiba. Quem da Ajah Negra ainda está na Torre?

— Eu não sei. Vocês precisam acreditar em mim. — Amico soava cansava, completamente derrotada. O que era bem diferente de quando as outras mulheres eram as prisioneiras, e ela, a carcereira. — Antes de deixarmos a Torre, eu só sabia de Liandrin, Chesmal e Rianna. Ninguém sabia de mais de outras duas ou três, eu acho. Exceto Liandrin. Eu já contei tudo o que sabia.

— Então você é bem ignorante para uma mulher que esperava dominar parte do mundo depois que o Tenebroso se libertasse — retrucou Egwene, ríspida, fechando o leque com força para enfatizar o tom.

Ainda se espantava consigo mesma por conseguir proferir aquele nome com tanta facilidade. O estômago ainda se revirava, e um arrepio gélido ainda percorria sua espinha, mas ela já não sentia vontade de gritar ou de fugir chorando. Era possível se acostumar a qualquer coisa.

— Escutei Liandrin uma vez falando com Temaile — disse Amico, em um tom cansado, recomeçando uma história que já contara diversas vezes. Nos primeiros dias de cativeiro, tentara aumentar a história, mas, quanto mais elaborava, mais se enrolava nas próprias mentiras. Agora quase sempre contava da mesma forma, palavra por palavra. — Se vocês vissem a cara de Liandrin quando percebeu que eu estava lá… Ela teria me matado ali mesmo, se achasse que eu tinha ouvido alguma coisa. E Temaile gosta de machucar os outros. Ela sente prazer. Só ouvi um pouquinho antes que as duas me vissem. Liandrin disse que havia alguma coisa em Tanchico, algo perigoso para… para ele. — Falava de Rand. Não conseguia dizer o nome do rapaz, e a mera menção do Dragão Renascido era o bastante para levá-la às lágrimas. — Liandrin disse que também era perigoso para quem usasse. Quase tão perigoso quanto para… ele. É por isso que ela ainda não foi atrás. E ela disse que a capacidade de canalizar não poderá protegê-lo. Disse que “quando o encontrarmos, a habilidade asquerosa que ele tem vai refrear o Dragão para nós”.