— As serviçais vão cuidar disso — disse ele, enquanto a Filha-herdeira enfiava a pequena trouxa na bolsa do cinto.
— Bom, esse tanto está limpo. — Como Rand poderia entender que ela queria guardar as plumas porque ele quisera fazer uma flor com elas? Ele remexeu os pés, segurando a trouxa brilhante como se não soubesse o que fazer com ela. — A majhere deve ter costureiras — continuou Elayne. — Vou entregar a ela. — Rand se animou e sorriu, ela não via motivo para dizer que seria um presente para a outra mulher. Aquela geleira não a deixava mais se conter. — Rand, você… gosta de mim?
— Gosto de você? — O rapaz franziu a testa. — É claro que gosto de você. Gosto muito.
Ele precisava mesmo fazer cara de quem não estava entendendo absolutamente nada?
— Eu tenho afeto por você, Rand. — Ficou assombrada por conseguir dizer aquilo com tanta calma. O estômago parecia rastejar até a garganta, e as mãos e os pés estavam gélidos. — Mais que afeto.
Era o suficiente, ela não faria papel de boba. Ele primeiro precisa dizer mais do que “gosto”. Elayne quase riu, histérica. Vou me controlar. Não vou deixar que ele me veja com o comportamento de uma garotinha apaixonada. Não vou.
— Eu sinto afeto por você — respondeu ele, com cautela.
— Não costumo ser tão atrevida. — Não, isso poderia fazê-lo pensar em Berelain. As bochechas dele estavam vermelhas. Rand estava pensando em Berelain. Que o queime! A voz dela saiu suave como seda: — Em breve terei que partir, Rand. Irei embora de Tear. Talvez eu passe meses sem vê-lo. — Talvez nunca mais o veja, ressoou uma vozinha em sua cabeça. Elayne se recusou a escutá-la. — Não poderia ir embora sem dizer como me sinto. Eu… sinto um enorme afeto por você.
— Elayne, eu sinto mesmo afeto por você… Eu quero… — O vermelho em seu rosto se intensificou. — Elayne, não sei o que dizer, não sei como…
De súbito foi o rosto dela que ardeu em brasa. Rand devia estar pensando que ela queria forçá-lo a dizer algo mais. E não quer?, zombou a vozinha, o que fez seu rosto esquentar ainda mais.
— Rand, não estou pedindo para você… — Luz! Como dizer aquilo? — Só queria que você soubesse como me sinto. Só isso. — Berelain não deixaria a coisa terminar ali. Àquela altura, a Primeira já estaria enroscada no pescoço do rapaz. Dizendo a si mesma que não deixaria aquela mulherzinha seminua levar a melhor, Elayne se aproximou dele, puxou o pedaço de tecido cintilante de seus braços e largou-o no carpete. Por alguma razão, o rapaz parecia mais alto do que nunca. — Rand… Rand, quero que você me beije. — Pronto. Estava dito.
— Beijar você? — repetiu ele, como se fosse a primeira vez que ouvia aquela palavra. — Elayne, não quero prometer mais do que… Quer dizer, não é como se estivéssemos noivos. Não que eu esteja sugerindo que devêssemos ficar noivos. É só que… Eu gosto de você, Elayne. Mais do que isso. Só não quero que você pense que eu…
Ela tinha que rir dele, com toda aquela confusão tão sincera.
— Não sei como as coisas funcionam em Dois Rios, mas em Caemlyn ninguém espera até o noivado para beijar uma garota. E isso também não significa que os dois devam ficar noivos. Mas talvez você não saiba como se faz…
Ele a envolveu com os braços de um jeito quase rude, e os lábios tocaram os dela. Elayne ficou tonta, os dedos de seus pés tentaram se enroscar dentro das sandálias. Algum tempo depois — ela não soube precisar quanto — percebeu que estava apoiada no peito dele, os joelhos trêmulos, tentando recuperar o fôlego.
— Desculpe a interrupção — disse o rapaz. Ela ficou contente em notar que ele parecia um pouco ofegante. — Sou só um pastor acanhado de Dois Rios.
— Você é bruto — murmurou a Filha-herdeira, colada à camisa de Rand — e não fez a barba hoje, mas eu não diria que é acanhado.
— Elayne, eu…
Ela cobriu a boca de Rand com a mão.
— Não quero ouvir mais nada que não venha do seu coração — disse a jovem com firmeza. — Nem agora nem nunca.
Ele assentiu, não como se entendesse o porquê, mas pelo menos como se compreendesse que ela estava falando sério. Ajeitando os cabelos — seria impossível ajeitar a tira de safiras toda enroscada sem um espelho — ela se soltou do abraço de Rand, não sem relutar. Seria muito fácil permanecer ali, e ela já se comportara de forma mais atrevida do que jamais sonhara fazer. Falando daquele jeito, pedindo um beijo. Pedindo! Ela não era Berelain.
Berelain. Talvez Min houvesse tido uma visão. O que Min via costumava acontecer, mas ela não o dividiria com Berelain. Talvez precisasse esclarecer mais as coisas. Indiretamente, pelo menos.
— Imagino que não vá lhe faltar companhia, depois que eu for embora. Só lembre-se de que algumas mulheres enxergam um homem com o coração, enquanto outras não veem nada além de uma bugiganga para usar, não muito diferente de um colar ou um bracelete. Lembre-se de que vou voltar, e sou eu quem enxerga com o coração. — Rand pareceu confuso de início, depois um pouco assustado. Ela falara demais e muito depressa. Precisava desviar a atenção dele. — Quer saber de uma coisa que não fez? Você não tentou me afugentar dizendo o quanto é perigoso. Nem tente. É tarde demais.
— Não pensei nisso. — Mas outro pensamento passara por sua cabeça, e os olhos dele se encresparam, desconfiados. — Você e Egwene tramaram isso?
Ela tentou mesclar inocência e um leve ultraje no olhar.
— Como pode pensar uma coisa dessas? Acha que iríamos passar você de mão em mão, como um pacote? Está se achando importante demais. Existe um limite para o excesso de orgulho. — Ele agora parecia confuso. O que era muito satisfatório. — Você lamenta o que fez conosco, Rand?
— Eu não pretendia assustar vocês — respondeu ele, hesitante. — Egwene me deixou com raiva, ela nunca precisa se esforçar muito para isso. Não é desculpa, eu sei. Eu disse que sentia muito, e sinto mesmo. Olhe só o que minha atitude me custou. Mesas queimadas e outro colchão arruinado.
— E quanto… ao beliscão?
O rosto dele enrubesceu outra vez, mas o rapaz a encarou com firmeza, mesmo assim.
— Não. Não, eu não me sinto mal por isso. Vocês duas falando como se eu não estivesse aqui, como se eu fosse um pedaço de madeira sem ouvidos. Vocês mereceram, as duas, e não vou dizer o contrário.
Ela o contemplou por um tempo. Rand esfregou os braços nas mangas do casaco enquanto ela abraçava saidar por um instante. Não aprendera sobre Cura em nenhum grau, mas sabia algumas coisinhas aqui e ali. Canalizando, aliviou o machucado causado pelo beliscão. Ele arregalou os olhos, surpreso, e remexeu os pés como se testasse a ausência de dor.
— Pela honestidade — disse a jovem, simplesmente.
Houve uma batida na porta, e Gaul espiou lá dentro. A princípio, o Aiel manteve a cabeça baixa, mas depois de uma breve olhadela para os dois, endireitou-se. O vermelho preencheu a face de Elayne quando ela percebeu que o homem suspeitava ter interrompido algo que não deveria ter visto. Ela quase abraçou saidar e ensinou uma lição a ele.
— Os tairenos estão aqui — anunciou Gaul. — Os Grão-lordes que o senhor estava esperando.
— Eu já vou indo, então — disse ela a Rand. — Você precisa falar com eles sobre… impostos, não era? Pense no que eu disse. — Ela não dissera “pense em mim”, mas teve certeza de que o efeito seria o mesmo.
O rapaz estendeu o braço como se quisesse detê-la, mas ela se desvencilhou. Não tinha intenção de revelar qualquer coisa na frente de Gaul. O homem era Aiel, mas o que pensaria dela, toda de perfume e safiras àquela hora da manhã? Elayne fez um grande esforço para não subir o decote do vestido.