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Ainda assim, era agradável ter alguém com quem rir e conversar. Elayne passava a maior parte do tempo ocupada, naturalmente. E Nynaeve, que parecia sentir a pressão do tempo de forma tão intensa quanto Egwene, gastava o seu fazendo caminhadas com Lan pelas balaustradas ao luar e preparando ela mesma as comidas que o Guardião apreciava, sem falar nos xingamentos que às vezes espantavam os cozinheiros da cozinha; Nynaeve não sabia cozinhar muito bem. Não fosse por Aviendha, Egwene não saberia como passaria as horas mormacentas que intercalavam os interrogatórios das Amigas das Trevas: suada, sem dúvida, e preocupada em ter de fazer algo que lhe dava pesadelos só de pensar.

Por acordo, Elayne nunca estava presente nesses interrogatórios. Um par de ouvidos a mais não faria diferença. Em vez disso, sempre que Rand tinha algum tempo livre, a Filha-herdeira parecia surgir por perto por acaso, fosse para conversar ou caminhar com ele de braços dados, mesmo que apenas de uma reunião com Grão-lordes até algum salão onde outros o aguardavam, ou a uma vistoria de surpresa nos alojamentos dos Defensores. Ela adquiriu grande talento para encontrar cantos isolados onde os dois pudessem passar um tempo sozinhos. Naturalmente, o rapaz sempre tinha Aiel em seu encalço, mas logo ela passou a se importar tão pouco com o que eles pensavam quanto com o que a mãe poderia pensar. Até iniciara uma espécie de conspiração com as Donzelas da Lança. As mulheres conheciam cada recanto escondido da Pedra e a informavam sempre que Rand estava desacompanhado. Pareciam considerar a brincadeira um grande passatempo.

A surpresa fora que ele perguntou a ela sobre governar nações e escutou o que ela tinha a dizer. Isso ela gostaria que a mãe tivesse visto. Mais de uma vez, Morgase chegara a rir, meio desesperada, e dizer a ela que era preciso concentração. Quais embarcações proteger, e como, e quais não proteger, e por quê, poderiam ser decisões duras, mas tão importantes quanto como cuidar dos doentes. Talvez fosse divertido levar um lorde ou mercador teimoso a fazer o que não queria pensando ter sido ideia própria, e talvez fosse recompensador alimentar os famintos. Mas, se fosse preciso alimentar alguém, também seria preciso decidir quantos funcionários, carroções e condutores seriam necessários. Outros poderiam resolver isso, mas, se cometessem algum erro, só daria para saber quando fosse tarde demais. Ele a escutava, e com frequência seguia seus conselhos. Elayne achava que poderia tê-lo amado só por essas duas coisas. Berelain não estava pondo os pés para fora de seus aposentos, e Rand passara a abrir um sorriso no instante em que a via. Nada no mundo poderia estar melhor. Só se os dias parassem de passar.

Os três dias curtos escapuliam de seus dedos feito água. Joiya e Amico seriam enviadas para o norte, e não haveria mais razão para permanecer em Tear. Seria hora de ela, Egwene e Nynaeve também partirem. Ela iria, quando a hora chegasse. Jamais considerara o contrário. Saber disso a enchia de orgulho por estar agindo feito uma mulher, e não uma garota. Saber disso a fazia querer chorar.

E Rand? Ele se reunia com Grão-lordes em seus aposentos e distribuía ordens. Assustava-os aparecendo em reuniões secretas de três ou quatro, descobertas por Thom, apenas para reiterar alguns pontos em relação às últimas ordens. Os nobres sorriam, faziam mesuras, suavam e se perguntavam o quanto ele saberia. Era preciso encontrar algum uso para a energia daqueles homens, antes que algum deles decidisse que Rand teria de ser morto, já que não era possível manipulá-lo. Faria o que fosse necessário para distraí-los, mas não daria início a uma guerra. Se tivesse de confrontar Sammael, que fosse. Mas não começaria uma guerra.

Montar seu plano de ação ocupava a maior parte do tempo que não era dedicado a correr atrás dos Grão-lordes. Algumas ideias vinham das pilhas de livros que mandava os bibliotecários levarem a seus aposentos, e também das conversas com Elayne. Os conselhos dela sem dúvida eram úteis em relação aos Grão-lordes. Rand percebia que os nobres reviam seus conceitos em relação a ele ao vê-lo exibir conhecimentos sobre coisas que os próprios não sabiam muito bem. Quando quis dar crédito a Elayne, a mulher não deixou.

— Um governante sábio aceita conselhos — disse ela, sorrindo — mas jamais demonstra que aceita. Deixe que pensem que você sabe mais do que sabe. Não fará mal algum, e ainda vai ajudar. — No entanto, pareceu satisfeita com a sugestão.

Ele não tinha muita certeza de que ainda não estava adiando alguma decisão, pelo menos, por causa dela. Três dias de planejamentos, tentando decifrar o que ainda estava faltando. Havia algo faltando. Não podia reagir aos Abandonados, tinha de fazê-los reagir a ele. Três dias, e no quarto ela partiria — de volta para Tar Valon, esperava — mas, se ele fizesse algum movimento, suspeitava de que até os breves momentos juntos terminariam. Três dias de beijos roubados, quando ele se esquecia de que era qualquer coisa além de um homem com os braços em volta de uma mulher. Sabia que era um motivo bobo mas verdadeiro. Estava aliviado por ela não parecer querer nada além de sua companhia, mas, naqueles momentos a dois, Rand era capaz de esquecer as decisões, esquecer o destino que aguardava o Dragão Renascido. Mais de uma vez, considerou pedir que ela ficasse, mas não seria justo elevar as expectativas da moça, já que nem ele fazia ideia do que queria, além de sua presença. Se ela tivesse alguma expectativa, claro. Era melhor pensar nos dois apenas como um jovem casal passeando em uma noite de festa. Assim ficava mais fácil. Às vezes ele esquecia que ela era a Filha-herdeira, e ele, um pastor. Mesmo assim, desejava que ela não fosse embora. Três dias. Ele precisava tomar uma decisão. Precisava tomar uma atitude. Algo que ninguém esperasse.

O sol começava a se pôr no terceiro dia. Os reposteiros semicerrados do dormitório de Rand reduziam o brilho amarelo-avermelhado. Callandor cintilava no suporte ornamentado como o mais puro cristal.

Rand encarou Meilan e Sunamon, depois atirou neles o grosso bolo de folhas de papel-pergaminho. Um tratado, todo escrito com esmero, apenas sem as assinaturas e os selos. O bolo atingiu Meilan no peito, que o pegou por reflexo e fez uma mesura, como se estivesse honrado, mas o sorriso tenso revelou os dentes trincados.

Sunamon trocou o peso de um pé para outro, esfregando as mãos para secá-las.

— Está tudo como o senhor disse, meu Lorde Dragão — comentou o homem, ansioso. — Grãos por navios…

— E dois mil recrutas tairenos — interrompeu Rand. — “Para garantir a distribuição apropriada dos grãos e proteger os interesses tairenos.” — A voz era gélida, mas seu estômago estava em ebulição. Quase tremia de tanta vontade de voar para cima daqueles idiotas e enchê-los de socos. — Dois mil homens. Sob o comando de Torean!

— O Grão-lorde Torean se interessa pelos negócios com Mayene, meu Lorde Dragão — respondeu Meilan, com a voz suave.

— Ele se interessa é por forçar a atenção de uma mulher que nem olha para ele! — gritou Rand. — Grãos por navios, eu disse! Nada de soldados. E sem dúvida nada do maldito Torean! Vocês sequer falaram com Berelain?

Os homens piscaram como se não tivessem compreendido as palavras. Era demais. Ele agarrou saidin. O papel-pergaminho nas mãos de Meilan irrompeu em chamas. Com um berro, Meilan arremessou o bolo de folhas na lareira vazia e, mais que depressa, espanou as centelhas e os chamuscados do casaco de seda vermelha. Boquiaberto, Sunamon encarou as folhas em chamas, crepitando, cada vez mais negras.