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O que tinha o bico de águia desabou, depois que a espada de Rand lhe atravessou a malha e a barriga. A forma chamada Lagarto no Espinheiro teria bastado para dar conta dos outros dois, mas aquele primeiro Trolloc caído, ainda se debatendo, deu um coice no pé de Rand, fazendo-o cambalear. A lâmina de fogo pôde apenas traçar um talho na malha do alvo, bem na trajetória do segundo Trolloc, que desabou, o focinho de lobo rosnando para o nada. A criatura o esmagou contra os azulejos de pedra, prendendo tanto braço quanto espada. O que ainda estava de pé, ergueu o machado com ponteira, abrindo o mais próximo de um sorriso que focinho e presas de javali permitiam. Rand lutou para se mover, para respirar.

Uma espada curva em forma de foice rasgou o focinho de javali até o pescoço.

Dando um puxão para libertar a lâmina, um quarto Trolloc arreganhou os dentes para ele em um rosnado, as orelhas tremulando atrás dos chifres. Então deu um salto e foi embora, os cascos afiados estalando nos azulejos do chão.

Rand, meio atônito, saiu de debaixo do Trolloc morto. Um Trolloc me salvou. Um Trolloc? Estava coberto de sangue daquelas criaturas, um líquido espesso e escuro. Bem mais à frente, no corredor, na direção oposta de onde viera a criatura salvadora com chifres de bode, um brilho branco-azulado cintilou onde dois Myrddraal se movimentavam. Lutavam entre si, tão rápido que seus braços não passavam de borrões. Um fez o outro recuar para um cruzamento com outro corredor, e a luz intermitente sumiu de vista. Estou louco. É isso o que está acontecendo. Eu estou louco, e isso é um sonho insano.

— Está arriscando tudo, saindo assim loucamente com essa… essa espada.

Rand virou-se e viu Lanfear. Ela assumira outra vez a aparência de uma moça, não mais velha do que ele, talvez mais jovem. Ergueu as saias brancas e passou por cima da mulher tairena esquartejada. Pela expressão em seu rosto, poderia estar passando por sobre um tronco de árvore.

— Está construindo uma cabana de gravetos — prosseguiu a mulher — quando poderia ter palácios de mármore em um estalar de dedos. Poderia tomar as vidas e as supostas almas dos Trollocs sem o menor esforço, em vez disso permite que eles quase o matam. Precisa aprender. Venha comigo.

— Isso foi coisa sua? — inquiriu. — Aquele Trolloc me salvando? Aqueles Myrddraal? Foi?

Ela o observou por um instante e balançou a cabeça delicadamente, com pesar.

— Se eu levar o crédito, você vai esperar que eu faça de novo, e isso pode ser mortal. Nenhum dos outros tem muita certeza de onde estou, e prefiro assim. Não espere ajuda direta vinda de mim.

— Esperar ajuda? — grunhiu o rapaz. — Você quer que eu me volte para a Sombra. Não vai me fazer esquecer o que você é com palavras gentis.

Rand canalizou, e a mulher foi arremessada até uma tapeçaria de parede com tanta força que soltou um gemido. Ele a segurou ali, estendida sobre a trama de uma cena de caça, os pés acima do chão e o vestido branco como a neve todo achatado. Como foi que conseguira bloquear Egwene e Elayne? Precisava lembrar.

De repente ele voou pelo corredor e se espatifou na parede oposta a Lanfear, esmagado como um inseto por algo que mal o deixava respirar.

Já Lanfear parecia não ter problema algum para respirar.

— Tudo o que pode fazer, Lews Therin, eu também posso. E melhor. — Ainda que estivesse presa à parede, ela parecia imperturbável. O ruído de luta ressurgiu em algum ponto próximo, depois esvaneceu, à medida que a batalha foi se afastando. — Você usa a metade da menor fração do que é capaz e foge do que lhe permitiria esmagar todos que se aproximassem. Onde está Callandor, Lews Therin? Ainda em seus aposentos, como um enfeite inútil? Acha que as suas mãos são as únicas capazes de empunhá-la, agora que a libertou? Se Sammael estiver aqui, ele vai tomá-la e usá-la contra você. Até Moghedien a tomaria, para impedi-lo de usá-la. A mulher lucraria muito em trocá-la com qualquer homem Escolhido.

Ele lutou contra o que o prendia. Nada se mexia além de sua cabeça, que se sacudia de um lado para o outro. Callandor nas mãos de um homem Abandonado. O pensamento o deixou meio louco de medo e frustração. Rand canalizou, tentou remover o que o prendia, mas não havia nada para remover. Então, de repente, a coisa desapareceu. Ele deu uma guinada para longe da parede, ainda lutando, antes de perceber que estava livre. E não fora obra sua.

Olhou para Lanfear. Ela ainda pendia ali, tão complacente quanto se estivesse tomando ar na margem de um córrego. Tentava aquietá-lo, enganá-lo, para que ele baixasse a guarda. Rand hesitou diante dos fluxos que a continham. Se os soltasse e a liberasse, a mulher poderia derrubar metade da Pedra tentando fugir — isso se algum Trolloc no caminho não acabasse por matá-la confundindo-a com alguém de dentro da Pedra. O pensamento não deveria tê-lo perturbado — não a morte de uma Abandonada — mas a ideia de deixar uma mulher, ou qualquer pessoa, à mercê dos Trollocs lhe causava repulsa. Uma olhadela para ela, serena e impassível, o fez mudar de ideia. Ninguém nem nada na Pedra faria mal àquela mulher enquanto ela fosse capaz de canalizar. Se ele pudesse encontrar Moiraine para blindá-la…

Mais uma vez, Lanfear tomou a decisão das mãos dele. O impacto de fluxos divididos o sacudiu, e ela pousou no chão com delicadeza. Rand assistia enquanto a mulher se afastava da parede, alisando as saias com muita calma.

— Você não pode fazer isso — disse, ofegante como um tolo, e ela sorriu.

— Eu não preciso enxergar um fluxo para desfazê-lo, se souber o que é e onde está. Sabe, você tem muito o que aprender. Gosto de você assim. Sempre foi muito empertigado e seguro de si para o meu gosto. Era sempre melhor quando você tinha um pouco de dúvida em relação aos seus passos. Então, está se esquecendo de Callandor?

Rand ainda hesitava. Uma Abandonada estava ao seu lado. E não havia absolutamente nada que pudesse fazer. Ele se virou e correu para Callandor. A risada de Lanfear o acompanhou.

Dessa vez, ele não se virou para enfrentar Trollocs ou Myrddraal nem reduziu a marcha ensandecida pela Pedra, a não ser que cruzassem seus passos — era quando a espada esculpida em fogo abria caminho. Viu Perrin e Faile, ele de machado na mão, ela atrás, com as facas. Os Trollocs pareciam relutantes em encarar tanto os olhos amarelos de Perrin quanto a lâmina de seu machado. Rand os deixou para trás sem pensar duas vezes. Se um dos Abandonados tomasse Callandor, nenhum dos dois viveria para ver o sol nascer.

Sem fôlego, ele se arrastou pela antessala cheia de colunas, saltando por sobre os mortos que ainda jaziam, tanto Defensores quanto Trollocs, na ânsia de chegar até Callandor. Abriu ambas as portas com um solavanco. A Espada Que Não É Espada pairava em seu suporte de douraduras e pedras preciosas, cintilando à luz do sol poente. Esperando por ele.

Agora que a tinha à vista, a salvo, estava quase relutante em tocá-la. Já utilizara Callandor para seu propósito original. Uma única vez. Sabia o que o aguardava se fizesse novamente, se a usasse para atrair a Fonte Verdadeira em um nível muito maior do que qualquer ser humano poderia sozinho. Sentia-se quase incapaz de soltar a lâmina amarelo-avermelhada. Quando a espada desapareceu, Rand quase a chamou de volta.

Arrastando os pés, ele contornou o corpo do Homem Cinza e pousou as mãos no cabo de Callandor com delicadeza. Era frio como cristal havia muito na escuridão, mas não suave a ponto de escorregar das mãos.

Algo o fez olhar para cima. Havia um Desvanecido parado na porta, hesitante, o rosto pálido e sem olhos cravado em Callandor.

Rand buscou saidin. Através de Callandor. A Espada Que Não É Espada reluzia em suas mãos, como se ele segurasse o sol do meio-dia. O Poder o preencheu, atingindo seu corpo com o peso de um trovão. A mácula jorrou por dentro dele em uma torrente de escuridão. Rocha fundida corria em suas veias, a frieza dentro dele seria capaz de congelar o sol. Precisava usar aquilo, ou explodiria como um melão podre.