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— Os outros. — Era difícil falar, a garganta doía. — Elayne, Perrin, o restante? Eu também cheguei tarde demais para eles?

— Você não chegou tarde demais — disse Moiraine, muito calma. Mas não se aproximava, e Lan parecia preparado para saltar entre ela e Rand. — Você não deve…

— Eles ainda estão vivos? — gritou Rand.

— Estão — garantiu a mulher.

Ele assentiu, exausto e aliviado. Tentou não encarar o corpo da menina. Três dias de espera para aproveitar alguns beijos roubados. Se tivesse feito algum movimento três dias antes… Mas aprendera coisas durante esses três dias, coisas que poderia usar se fosse capaz de colocá-las em ordem. Se. Pelo menos não fora tarde demais para os amigos. Não fora tarde demais para eles.

— Como foi que os Trollocs entraram? Acho que eles não sabem escalar paredes como os Aiel, não com o céu ainda claro. — Sacudiu a cabeça para dissipar um pouco da confusão. — Não importa. Os Trollocs. Como?

Foi Lan quem respondeu.

— Oito imensas barcaças de grãos atracaram no cais da Pedra hoje à tarde. Parece que ninguém pensou em perguntar por que barcaças abarrotadas de grãos estariam descendo o rio — disse ele, a voz cheia de desprezo — nem por que atracaram na Pedra, ou por que as tripulações mantiveram as escotilhas fechadas quase até o cair do sol. Além disso, um comboio de carroções chegou há cerca de duas horas. Eram trinta, supostamente trazendo as coisas de algum lorde do campo de volta à Pedra. Quando as lonas foram erguidas, viram que estavam cheias de Meio-homens e Trollocs. Se chegaram por algum outro meio, eu ainda não sei.

Rand assentiu outra vez, e o esforço o fez dobrar os joelhos. Lan se aproximou de repente, puxando o braço de Rand pelos ombros para erguê-lo. Moiraine segurou seu rosto. Um arrepio percorreu seu corpo. Não era a explosão gelada da Cura plena, mas um calafrio que levou a fadiga embora. A maior parte da fadiga. Um grãozinho permanecera, como se ele tivesse passado o dia carpindo tabaco. Rand soltou o apoio, que não era mais necessário. Lan o observava, receoso, para verificar se o rapaz era mesmo capaz de manter-se de pé, ou talvez o Guardião não estivesse muito certo do perigo que ele representava, de sua sanidade.

— Deixei um pouco de propósito — disse Moiraine. — Você precisa dormir hoje à noite.

Dormir. Havia muito a fazer para dormir. Mas ele assentiu mais uma vez. Não queria vê-la em sua cola. Ainda assim, o que disse foi:

— Lanfear esteve aqui. Isso não foi obra dela. Ela disse, e eu acredito. Você não parece surpresa, Moiraine. — Será que a oferta de Lanfear a surpreenderia? Será que algo a surpreenderia? — Lanfear esteve aqui, e nós conversamos. Ela não tentou me matar, e eu não tentei matá-la. E você não está surpresa.

— Duvido que você fosse capaz de matá-la. Por enquanto. — Ela lançou a Callandor um olhar de esguelha, um mero tremeluzir de olhos. — Não sem ajuda. E duvido que ela tente matar você. Por enquanto. Sabemos muito pouco sobre qualquer um dos Abandonados, e menos ainda sobre Lanfear, mas sabemos que ela amava Lews Therin Telamon. Dizer que você está a salvo dela sem dúvida é um exagero, pois ela pode machucá-lo de inúmeras formas sem precisar matá-lo, mas acho que ela não é capaz de matá-lo enquanto pensar que pode ter Lews Therin de volta.

Lanfear o desejava. A Filha da Noite, usada por mães que mal acreditavam em sua existência para amedrontar as crianças. Ela sem dúvida o amedrontava. Aquilo era quase o bastante para fazê-lo rir. Sempre se sentira culpado por olhar para qualquer mulher que não fosse Egwene, e agora Egwene não o queria, mas a Filha-herdeira de Andor desejava beijá-lo, no mínimo, e uma Abandonada dizia que o amava. Era quase engraçado, mas não muito. Lanfear parecia sentir ciúmes de Elayne, Chamava-a de pálida e medrosa. Loucura. Tudo loucura.

— Amanhã.

Ele começou a se afastar.

— Amanhã? — perguntou Moiraine.

— Amanhã vou contar a vocês o que farei. — Uma parte, pelo menos. Ao pensar na expressão que Moiraine faria caso ele revelasse tudo, sentiu vontade de rir. Isso se ele mesmo soubesse de tudo. Lanfear quase lhe entregara a última peça, sem saber. Mais um passo, hoje à noite. A mão que segurava Callandor a seu lado tremia. Com aquela espada, ele poderia fazer qualquer coisa. Ainda não enlouqueci. Ainda não enlouqueci a este ponto. — Amanhã. Queira a luz que todos tenhamos uma boa noite.

No dia seguinte, começaria a liberar outro tipo de raios. Raios que talvez fossem capazes de salvá-lo. Ou matá-lo. Ainda não enlouquecera.

11

O que Jaz escondido

Vestida apenas com sua anágua folgada, Egwene respirou fundo e deixou o anel de pedra ao lado de um livro aberto no criado-mudo. Todo rajado de marrom, vermelho e azul, era largo demais usar no anelar e tinha uma forma estranha, meio achatado e torto, de modo que, se alguém passasse um dedo pela borda de fora, acabaria percorrendo também a de dentro. Havia apenas uma borda, por mais impossível que parecesse. Ela não estava deixando o anel ali porque sem ele poderia falhar, nem porque desejava falhar. Faria isso porque, mais cedo ou mais tarde, precisaria tentar sem o anel, ou jamais conseguiria fazer mais que molhar os dedos nas águas onde sonhava nadar. Poderia muito bem ser agora. Era essa a razão. Era essa.

O livro grosso de capa dura era Uma jornada para Tarabon, de Eurian Romavni, nativo de Kandor — pela data informada pelo autor na primeira linha, o livro fora escrito cinquenta e três anos antes, mas pouco mudara em Tanchico, em tão pouco tempo. Além do mais, fora o único volume que a jovem conseguira encontrar com ilustrações úteis. A maioria dos livros continha apenas retratos de reis ou imagens fantasiosas de batalhas reproduzidas por homens que não as haviam assistido.

A escuridão cobria ambas as janelas, mas os lampiões forneciam luz mais do que suficiente. Uma comprida vela de cera de abelha queimava em um castiçal dourado na mesinha de cabeceira. Ela mesma a apanhara, aquela não era uma boa-noite para pedir velas aos serviçais. A maioria estava cuidando dos feridos, pranteando os entes queridos ou sendo, eles mesmos, cuidados. O número era grande demais, então só era possível Curar os que corriam risco de vida.

Elayne e Nynaeve aguardavam em cadeiras de espaldar alto dispostas de cada lado da cama larga e de colunas altas com entalhes de andorinhas. Tentavam, com diferentes graus de sucesso, esconder o nervosismo. Elayne exibia uma tranquilidade majestosa e bem razoável, estragada apenas pelo franzir do cenho e pelas mordidas nos lábios quando pensava que Egwene não estava olhando. Nynaeve demonstrava uma confiança quase ríspida, que costumava ser reconfortante para a pessoa que ela ajudava a botar de repouso em uma cama macia, mas Egwene reconheceu a expressão em seus olhos. Eles revelavam seu medo.

Aviendha estava sentada de pernas cruzadas ao lado da porta, os tons marrons e cinza destacando-se no azul-escuro do carpete. Dessa vez, a Aiel levava a faca de lâmina comprida em um dos lados do cinto e uma aljava no outro, além de quatro lanças curtas que se encontravam sobre seus joelhos. O pequeno broquel redondo estava à mão, disposto em cima de um arco de chifre enfiado em um estojo de couro trabalhado, com tiras para prender nas costas. Depois da noite que tiveram, Egwene não a culpava por andar armada. Ela mesma desejava ter um raio prontinho para arremessar.

Luz, o que foi que Rand fez? Que o queime, ele me assustou quase tanto quanto os Desvanecidos. Talvez até mais. Não é justo ele ser capaz de fazer algo assim e eu não conseguir sequer ver os fluxos.

Ela subiu na cama, apoiou o livro de capa de couro nos joelhos e franziu o cenho para um mapa de Tanchico. Na verdade, não havia nada de muito útil marcado. Uma dúzia de fortalezas ao redor do ancoradouro, guardando a cidade em suas três penínsulas montanhosas, Verana a leste, Maseta no centro e Calpene mais perto do mar. Inúteis. Várias praças grandes, algumas áreas abertas que pareciam ser parques, diversos monumentos a governantes que havia muito tinham virado pó. Tudo inútil. Alguns palácios e outras coisas que pareciam estranhas. O Grande Círculo, por exemplo, em Calpene. No mapa era apenas um círculo, mas Mestre Romavni o descrevia como uma enorme assembleia capaz de reunir milhares de espectadores para corridas de cavalos ou exibições de fogos de artifício dos Iluminadores. Havia também um Círculo do Rei, em Maseta, que era ainda maior que o Grande Círculo, e um Círculo da Panarca, em Verana, que era apenas um pouquinho menor. A Casa do Capítulo da Guilda de Iluminadores também estava marcada. Era tudo inútil. O texto sem dúvida também não tinha serventia.