— Tem certeza de que quer tentar sem o anel? — perguntou Nynaeve, baixinho.
— Tenho — respondeu Egwene, com toda a calma que pôde. Seu estômago estava tão embrulhado quanto no instante em que vira o primeiro Trolloc aquela noite, erguendo a pobre mulher pelos cabelos e cortando sua garganta como se ela fosse um coelho. A mulher também gritara feito um coelho. Matar o Trolloc não adiantara de nada, a mulher continuava tão morta quanto a criatura. Mas o guincho penetrante que ela soltara não saía de sua cabeça. — Se não funcionar, sempre dá para tentar de novo, com o anel. — Ela se inclinou e marcou a vela com o polegar. — Me acordem quando queimar até aqui. Luz, queria que a gente tivesse um relógio.
Elayne soltou uma risada, um gorjeio jovial que quase soou forçado.
— Relógio dentro do quarto? Minha mãe tem um monte de relógios, mas nunca ouvi falar de um que ficasse dentro de um quarto.
— Bom, meu pai tem um relógio só — resmungou Egwene — o único da aldeia inteira, e eu queria tê-lo aqui comigo. Será que a vela queima isso tudo em uma hora? Não quero dormir mais do que isso. Me acordem assim que a chama atingir a marca. Assim que atingir!
— Pode deixar — disse Elayne, confortando-a. — Eu prometo.
— O anel de pedra — disse Aviendha, de repente. — Já que você não está usando, Egwene, será que alguém… alguma de nós… não poderia usar para ir com você?
— Não — murmurou Egwene. Luz, queria que todas elas pudessem vir comigo. — Mas obrigada por pensar nisso.
— É só você quem pode usar o anel, Egwene? — perguntou a Aiel.
— Qualquer uma de nós pode — respondeu Nynaeve — até você, Aviendha. Não é preciso que uma mulher saiba canalizar, basta dormir com o anel tocando a pele. Pelo que sabemos, pode ser que até um homem consiga. Mas não conhecemos Tel’aran’rhiod tão bem quanto Egwene, não sabemos as regras de lá.
Aviendha assentiu.
— Entendo. Uma mulher pode cometer erros em lugares desconhecidos, e esses erros podem acabar causando a morte de outros ou dela mesma.
— Isso mesmo — concordou Nynaeve. — O Mundo dos Sonhos é um lugar perigoso. Isso, pelo menos, nós sabemos.
— Mas Egwene vai tomar cuidado — acrescentou Elayne, dirigindo-se a Aviendha, mas obviamente falando para a própria Egwene. — Ela prometeu. Vai olhar a área com bastante cautela, nada mais.
Egwene se concentrou no mapa. Com cautela. Se não tivesse tanto ciúme de seu anel de pedra — considerava-o seu. Talvez o Salão da Torre não concordasse, mas não sabiam que ela o possuía — se tivesse deixado Elayne ou Nynaeve usarem-no mais de uma ou duas vezes, talvez elas já soubessem o suficiente para irem com ela. Contudo, não era arrependimento que a fazia evitar encarar as outras mulheres. Não queria que elas vissem o medo em seus olhos.
Tel’aran’rhiod. O Mundo Invisível. O Mundo dos Sonhos. Não os sonhos das pessoas comuns, embora às vezes elas tocassem Tel’aran’rhiod por um breve momento, em sonhos que pareciam verdadeiros como a vida. Porque eram. No Mundo Invisível, o que acontecia era real, de uma forma estranha. Nada do que acontecia lá afetava o que existia — uma porta aberta no Mundo Invisível permaneceria fechada no mundo real, uma árvore derrubada lá ainda estaria de pé ali — mas uma mulher podia ser morta nesse outro mundo, ou até estancada. “Estranho” era muito pouco para descrever. No Mundo Invisível o mundo inteiro jazia aberto, e talvez também outros mundos. Era possível chegar a qualquer lugar. Ou, pelo menos, o reflexo da pessoa no Mundo dos Sonhos podia chegar a qualquer lugar. Lá, a trama do Padrão podia ser lida — passado, presente e futuro — por qualquer um que tivesse essa capacidade. Por um Sonhador. Não houvera um Sonhador na Torre desde Corianin Nedeal, quase quinhentos anos antes.
Quatrocentos e setenta e três anos, para ser mais exata, pensou Egwene. Ou será que já faz quatrocentos e setenta e quatro? Quando foi que Corianin morreu? Se Egwene houvesse tido a chance de terminar o treinamento de noviça na Torre e de estudar lá como Aceita, talvez soubesse. E já poderia ter aprendido tantas outras coisas.
Havia uma lista na bolsa de Egwene com todos os ter’angreal — a maioria pequena o bastante para caber dentro de um bolso — que haviam sido roubados pelas integrantes da Ajah Negra que fugiram da Torre. Cada uma das três tinha uma cópia. Treze dos ter’angreal roubados eram acompanhados das observações “uso desconhecido” e “última análise realizada por Corianin Nedeal”. Porém, ainda que Corianin Sedai de fato não tivesse desvendado a serventia dos objetos, Egwene tinha certeza de uma coisa que faziam. Permitiam a entrada em Tel’aran’rhiod. Talvez não com a mesma facilidade do anel de pedra, e talvez não sem a necessidade de canalizar, mas permitiam.
Haviam recuperado dois itens da lista com Joiya e Amico: um disco de ferro de três polegadas de comprimento com uma espiral estreita traçada de ambos os lados e uma placa pouco menor que sua mão com uma mulher adormecida entalhada no meio. Essa segunda era de um material que parecia ser âmbar-claro, mas firme o bastante para arranhar aço. Amico falara abertamente a respeito deles. Joiya também, depois de uma sessão a sós com Moiraine em sua cela, o que deixara a Amiga das Trevas pálida e quase cortês. Quem canalizasse um fluxo de Espírito em cada um dos ter’angreal caía no sono e entrava em Tel’aran’rhiod. Elayne tentara usar ambos por um tempo, com sucesso, mas conseguiu ver apenas o interior da Pedra e do Palácio Real de Morgase, em Caemlyn.
Egwene não queria que ela tentasse, por mais fugaz que fosse a visita, mas não por ciúmes. Não fora muito eficaz no debate, pois tivera medo de que Elayne e Nynaeve percebessem o que havia em sua voz.
Dois recuperados significavam que onze ainda estavam com a Ajah Negra. Esse era o ponto que Egwene tentara defender. Onze ter’angreal capazes de levar uma mulher a Tel’aran’rhiod, todos nas mãos das irmãs Negras. Em suas breves viagens pelo Mundo Invisível, Elayne poderia ter encontrado a Ajah Negra à sua espera ou ido na direção delas antes de saber que estavam lá. O pensamento fez o estômago de Egwene se revirar. As mulheres podiam estar esperando por ela naquele exato momento. Não era provável, pelo menos, não de propósito — como saberiam que ela estava chegando? Mas poderiam estar lá quando ela entrasse. Conseguia enfrentar uma sozinha, a não ser que fosse pega de surpresa, e não permitiria tal coisa. Mas e se duas a surpreendessem? Ou três? Liandrin e Rianna, Chesmal Emry e Jeane Caide, ou todas as outras ao mesmo tempo?
Franzindo a testa para o mapa, ela afrouxou os punhos, que já estavam com as juntas brancas. Depois dos acontecimentos daquela noite, o tempo urgia. Se as criaturas da Sombra conseguiam atacar a Pedra, se algum dos Abandonados podia aparecer de repente ali no meio, Egwene não podia se dar ao luxo de sucumbir ao medo. As três precisavam saber o que fazer. Tinham de ter algo para se basear além da vaga história de Amico. Alguma coisa. Se ao menos ela pudesse descobrir onde estava Mazrim Taim, em que ponto da viagem a Tar Valon, ou se conseguisse dar um jeito de entrar nos sonhos da Amyrlin e falar com ela. Talvez essas coisas fossem possíveis para uma Sonhadora. Se eram, ela não sabia como. Tanchico era tudo o que tinha para trabalhar.