Выбрать главу

— Preciso ir sozinha, Aviendha. Preciso. — Pensou que a voz estava firme e calma, mas Elayne deu um tapinha em seu ombro.

Egwene não sabia por que verificava tanto o mapa. Já o decorara, já sabia se orientar perfeitamente. O que quer que existisse neste mundo, existia no Mundo dos Sonhos, e às vezes ainda mais, sem dúvida. Ela já escolhera o lugar para onde ia. Folheou o livro até chegar à única figura que mostrava o interior de um edifício nomeado no mapa, o Palácio da Panarca. Não adiantaria de nada acabar em um edifício sem saber sua localização na cidade. De nada ajudaria, em nenhum dos casos. Tirou a ideia da cabeça. Tinha de acreditar que havia alguma chance.

A gravura mostrava um amplo salão com pé-direito alto. Uma corda estendida entre pilares da altura de sua cintura impedia qualquer um de se aproximar dos objetos expostos em suportes e armários abertos nas paredes. A maioria dos objetos não tinha uma forma muito distinta, exceto o que se encontrava no canto extremo do recinto. O artista se esforçara muito para retratar o gigantesco esqueleto, como se o resto da criatura tivesse desaparecido naquele exato instante. Tinha quatro pernas de ossos robustos, mas não se parecia com qualquer animal que Egwene já vira. Para começar, de pé deveria ter pelo menos duas braças de altura, bem mais que o dobro da dela. O crânio redondo, afundado nos ombros como o de um touro, parecia grande o suficiente para comportar uma criança, e, na imagem, quatro globos oculares despontavam. O esqueleto distinguia o aposento em relação a todos os outros, não havia como confundi-lo. Fosse lá o que fosse. Se Eurian Romavni sabia o que era aquilo, não tinha registrado a informação no livro.

— O que é uma panarca, afinal? — perguntou, deitando o livro de lado. Examinara a figura mais de dez vezes. — Todos esses autores parecem presumir que a gente já saiba.

— A Panarca de Tanchico tem autoridade equivalente à do rei — recitou Elayne. — Ela é responsável por coletar impostos e taxas alfandegárias, enquanto ele os gasta de forma apropriada. Ela controla a Guarda Civil e os tribunais, exceto o Alto Tribunal, que é do rei. O exército é dele, claro, exceto pela Legião da Panarca. Ela…

— Na verdade, eu não estava interessada. — Egwene suspirou. Só estava puxando papo para adiar por alguns instantes o que teria de fazer. A vela queimava, desperdiçando minutos preciosos. Sabia como sair do sonho quando quisesse, como acordar sozinha, mas o tempo passava de forma diferente no Mundo dos Sonhos, e era fácil perder a noção. — Assim que atingir a marca — disse, e Elayne e Nynaeve murmuraram em concordância.

Ajeitando-se nos travesseiros de plumas, a princípio apenas encarou o teto pintado de azul-celeste, com nuvens e andorinhas voejantes. Mas não reparou nos desenhos.

Seus sonhos andavam muito ruins ultimamente, pelo menos a maioria. Rand estava neles, sem dúvida. Rand do tamanho de uma montanha, caminhando pelas cidades, esmagando prédios sob seus pés, com gente diminuta feito formigas gritando e fugindo dele. Rand acorrentado, gritando. Rand construindo um muro, ele de um lado e ela do outro, junto com Elayne e outras mulheres indistinguíveis. “Preciso fazer isso”, dizia ele, enquanto empilhava as pedras. “Não vou deixar vocês me impedirem.” Esses não eram os únicos pesadelos. Egwene sonhara com Aiel lutando entre si, matando uns aos outros, até largando as armas e correndo, como se tivessem enlouquecido. Mat lutando com uma mulher Seanchan que o prendera a uma corrente invisível. Um lobo, que tinha certeza de que era Perrin, lutando com uma mulher cujo rosto ficava se transformando. Galad envolvendo a si mesmo em um pano branco, como se vestisse a própria mortalha, e Gawyn com os olhos cheios de sofrimento e ódio. Sua mãe chorando. Esses eram os sonhos realistas, os que ela sabia que queriam dizer alguma coisa. Eram terríveis, e Egwene não sabia o significado de nenhum. Como pudera deduzir que encontraria qualquer dica ou resposta em Tel’aran’rhiod? Mas não havia escolha. A única alternativa era a ignorância, e não podia escolher isso.

Apesar da ansiedade, dormir não era problema: estava exausta. Era só questão de fechar os olhos e respirar profundamente, de forma regular. Fixou os pensamentos no aposento do Palácio da Panarca e no imenso esqueleto. Respirações profundas e regulares. Podia lembrar como era a sensação de usar o anel, o passo para adentrar Tel’aran’rhiod. Respirações — profundas — regulares.

Egwene deu um passo atrás, ofegante, com uma das mãos na garganta. De perto, o esqueleto parecia ainda maior do que ela imaginara, os ossos brancos, secos e descorados. Estava parada bem diante dele, dentro da corda. Uma corda branca, da grossura de seu pulso, que parecia ser de seda. Não teve dúvida de que estava em Tel’aran’rhiod. Os detalhes eram sutis como a realidade, mesmo do que ela via com o canto do olho. Até o fato de ter consciência das diferenças entre este sonho e outro comum informavam onde estava. Além do mais, parecia… certo.

Egwene abriu-se a saidar. Se cortasse o dedo no Mundo dos Sonhos, o corte ainda existiria quando ela acordasse. Não haveria como acordar de um golpe mortal com o Poder, ou mesmo de uma espada ou porrete. E não pretendia ficar vulnerável por um instante sequer.

Em vez do vestido, usava algo muito mais parecido com a indumentária de Aviendha, mas em seda vermelha brocada. Mesmo as botas macias, amarradas até os joelhos, eram de um couro vermelho flexível, usado em luvas, com costuras e rendas douradas. Ela riu para si mesma, baixinho. As roupas em Tel’aran’rhiod eram o que a pessoa desejava que fossem. Parecia que uma parte dela queria ser capaz de se movimentar com agilidade, enquanto a outra queria estar pronta para um baile. Não era uma boa escolha. O vermelho esvaneceu para tons de cinza e marrom, casaco, calças e botas se transformaram em cópias exatas das usadas pelas Donzelas. Não era melhor, na verdade, não em uma cidade. De súbito, viu-se dentro de uma réplica dos vestidos que Faile costumava usar, escuros, com saias estreitas e divididas, mangas compridas e um corpete alto e flexível. É bobagem me preocupar com isso. Ninguém vai me ver, a não ser dentro dos sonhos, e poucos sonhos comuns chegam aqui. Não faria diferença se eu estivesse nua.

Por um instante, ficou nua. Seu rosto enrubesceu de vergonha. Não havia ninguém ali para vê-la, despida como se fosse tomar banho, e ela mais que depressa trouxe de volta o vestido escuro, mas deveria ter se lembrado de como os pensamentos perdidos eram capazes de afetar as coisas por aqui, sobretudo quando abraçada ao Poder. Elayne e Nynaeve pensavam que ela sabia tantas coisas. Egwene conhecia algumas regras do Mundo Invisível, mas sabia que havia outras centenas, milhares, desconhecidas. Precisava dar um jeito de aprendê-las, se quisesse ser a primeira Sonhadora da Torre desde Corianin.

Olhou o crânio imenso mais de perto. Crescera em uma vila do interior e sabia que aspecto tinham os ossos de animais. Não eram quatro globos oculares, afinal. Dois na verdade pareciam ser buracos para algum tipo de presa, de cada um dos lados onde houvera um nariz. Algum tipo de javali monstruoso, talvez, embora não se parecesse com o crânio de qualquer porco que ela já vira. Parecia antigo. Muito antigo.