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Mat balançou a cabeça. A Pedra destruída, Callandor nas mãos de Rand, e aquele idiota ainda pensava que era mais um falso Dragão. Desenhara outra vez a tal porta. Apagou o desenho com a mão, agarrou a caneca de vinho e parou com ela erguida a meio caminho da boca. No meio da balbúrdia, seus ouvidos captaram um nome familiar proferido em uma mesa próxima. Abandonando o banco outra vez, caminhou até a mesa de caneca na mão.

O povo ali em volta era o tipo de estranha mistura encontrada nas tavernas do Maule. Dois marinheiros descalços usando casacos impermeabilizados com cera sobre os peitorais nus, um deles com uma robusta corrente de ouro bem perto do pescoço. Um homem que já fora gordo, com uma papada caída, vestia um casaco cairhieno escuro com listras vermelhas, douradas e verdes cruzando o peito, o que poderia indicar que era um nobre, embora uma das mangas estivesse rasgada no ombro. Muitos refugiados cairhienos haviam ido para bem longe. Uma mulher grisalha, vestida toda de azul-escuro, com rosto severo, olhar penetrante e pesados anéis de ouro nos dedos. E o orador, o sujeito da barba forcada que tinha na orelha um rubi do tamanho de um ovo de pombo. As três correntes de prata que cruzavam o peito estufado do casaco escuro e avermelhado indicavam que era um mestre mercador kandoriano. Havia uma guilda de mercadores em Kandor.

O falatório cessou, e todos os olhos voltaram-se para Mat quando ele parou diante da mesa.

— Ouvi vocês mencionarem Dois Rios.

O Barba Forcada deu uma olhada rápida nele, os cabelos desgrenhados, a expressão tensa, o vinho na mão, as botas pretas reluzentes, o casaco verde com arabescos dourados aberto até a cintura, revelando uma camisa branca de linho, os dois muito amarrotados. Em resumo, o retrato de um jovem nobre passeando em meio à plebe.

— Eu mencionei, milorde — disse, com voz cordial. — Estava dizendo que não vai sair tabaco de lá este ano, aposto. Mas tenho vinte barris da melhor folha de Dois Rios, e não existe melhor. Conseguirei um preço excelente mais para a frente no ano. Se o milorde desejar um barril para o próprio estoque… — Ele puxou uma ponta da barba amarela e passou um dedo pelo nariz. — Tenho certeza de que eu poderia…

— Você aposta, é? — indagou Mat, baixinho, interrompendo o homem. — Por que é que não haveria tabaco fora de Dois Rios?

— Ora, os Mantos-brancos, milorde. Os Filhos da Luz.

— O que têm os Mantos-brancos?

O mestre mercante olhou ao redor da mesa, pedindo ajuda. Havia uma nota de perigo naquele tom tranquilo. Os marinheiros pareciam prontos para partir, se arranjassem coragem. O cairhieno encarava Mat, sentado ereto, alisando o casaco surrado e se balançando — a caneca vazia diante dele obviamente não era a primeira. A mulher grisalha levou uma bebida à boca, os olhos penetrantes observando Mat com muita atenção.

Tentando fazer uma mesura sentado, o mercador começou a falar, em um tom bajulador:

— Os rumores, milorde, são de que os Mantos-brancos invadiram Dois Rios. À caça do Dragão Renascido, pelo que dizem. Mas é claro que isso não pode ser, já que o Dragão Renascido está aqui em Tear. — Ele encarou Mat para ver como ele recebia a informação. A expressão do rapaz não se alterou. — Esses boatos podem ser bem loucos, milorde. Talvez seja apenas tempestade em copo d’água. Os mesmos rumores afirmam que os Mantos-brancos estão também atrás de algum Amigo das Trevas de olhos amarelos. O senhor já ouviu falar de um homem com olhos amarelos, milorde? Muito menos eu. Tempestade em copo d’água.

Mat pousou a caneca na mesa e inclinou-se para perto do homem.

— Quem mais estão caçando? De acordo com esses rumores. O Dragão Renascido. Um homem de olhos amarelos. Quem mais?

Gotas de suor se formaram no rosto do mercador.

— Ninguém, milorde. Ninguém, que eu saiba. Só boatos, milorde. Palha ao vento, nada mais. Um sopro de fumaça que logo vai embora. Será que posso ter a honra de presentear milorde com um barril de tabaco de Dois Rios? Um gesto de gratidão… A honra de… Para expressar meu…

Mat jogou uma coroa de ouro andoriana na mesa.

— Bebam por minha conta até esse dinheiro acabar.

Ao virar as costas, ouviu murmúrios.

— Achei que ele iria me degolar. Vocês sabem como são esses fidalgotes quando estão cheios de vinho — disse o mercador de barba forcada.

— Estranho esse rapaz — comentou a mulher. — Perigoso. Não invente moda com esse tipo, Paetram.

— Acho que ele não é nenhum lorde — sugeriu outro homem, petulante. O cairhieno, Mat supôs.

Fez uma careta. Lorde? Não seria lorde nem se lhe oferecessem. Mantos-brancos em Dois Rios. Luz! Que a Luz nos ajude!

Ele abriu caminho até a porta e pegou um par de tamancos de madeira da pilha encostada na parede. Não fazia ideia se era o par com que entrara — eram todos iguais — nem se importava. Cabiam em suas botas.

Começou a chover lá fora, uma pancada leve que deixava a escuridão ainda mais escura. Mat levantou a gola e saiu patinhando pelas ruas lamacentas do Maule a um trote esquisito, passando por tavernas barulhentas, estalagens iluminadas e casas com janelas escuras. Quando a lama deu lugar ao pavimento de pedras, perto do muro que marcava a entrada da cidade, ele chutou os tamancos, largou-os na rua e seguiu caminhando. Os Defensores que guardavam o portão de acesso à Pedra mais próximo o deixaram passar sem uma palavra, sabiam quem ele era. Correu até o quarto de Perrin e abriu a porta depressa, mal notando a fissura lascada na madeira. Os alforjes de Perrin jaziam na cama, e ele estava enfiando camisas e meias dentro. Havia apenas uma vela acesa, mas ele não percebeu o brilho.

— Ah, então você ficou sabendo — disse Mat.

Perrin não parou o que estava fazendo.

— Sobre nossa casa? Fiquei sabendo. Desci para farejar algum boato para Faile. Depois desta noite, mais do que nunca, preciso que ela… — O rosnado, bem no fundo da garganta, fez eriçarem os pelos da nuca de Mat. Ele parecia um lobo nervoso. — Não importa. Fiquei sabendo. Talvez isso também funcione.

Também funcione para quê?, perguntou-se Mat.

— Você acredita?

Por um instante, Perrin olhou para cima. Seus olhos captaram a luz da vela, refletindo um reluzente amarelo-dourado.

— Para mim, parece que não há muita dúvida. Está tudo muito perto da verdade.

Mat se remexeu, incomodado.

— Será que Rand sabe? — Perrin apenas assentiu e voltou a empacotar as coisas. — Bem, o que foi que ele disse?

Perrin parou, encarando o manto dobrado nas mãos.

— Começou a resmungar sozinho. “Ele disse que faria. Disse, sim. Eu devia ter acreditado.” Alguma coisa assim. Não fez sentido. Então me agarrou pela gola e disse que tinha de fazer “o que eles não esperam”. Queria que eu entendesse, mas acho que nem ele entende. Pareceu não ligar se eu ficaria ou iria embora. Não, retiro o que disse. Acho que ele está aliviado por eu estar partindo.

— No frigir dos ovos, ele não vai fazer nada — disse Mat. — Luz, com Callandor ele poderia explodir uns mil Mantos-brancos! Você viu o que ele fez com aqueles malditos Trollocs. Está indo, é? De volta para Dois Rios? Sozinho?

— A não ser que você venha também. — Perrin enfiou o manto nos alforjes. — Você vem?

Em vez de responder, Mat marchou de um lado a outro, o rosto ora à meia-luz, ora mergulhado nas sombras. A mãe e o pai estavam em Campo de Emond, e também as irmãs. Os Mantos-brancos não tinham motivo para fazer mal a eles. Se fosse para casa, tinha a sensação de que nunca sairia de lá outra vez, que sua mãe o faria casar antes que ele pudesse piscar. Porém, se não fosse e os Mantos-brancos machucassem sua família… Um rumor era o suficiente para os Mantos-brancos, pelo que ouvira dizer. Mas por que haveria qualquer rumor a seu respeito? Até os Coplin, mentirosos e encrenqueiros, gostavam de seu pai. Todos gostavam de Abell Cauthon.