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Ela piscou, fazendo-o perceber o quanto a luz estava fraca.

— Vai a algum lugar? — perguntou a mulher, hesitante.

Com a luz dos lampiões do corredor atrás dela, era difícil não encará-la.

— Vou, milady. — Ele fez uma mesura não muito suave, mas tanto quanto dava. Faile podia fungar o quanto quisesse, mas ele não via motivo para não ser educado. — De manhã.

— Eu também. — Ela fechou a porta e cruzou os braços. Perrin virou o rosto e continuou a observá-la de canto de olho, para que ela não o visse de olhos arregalados. A mulher prosseguiu, sem notar a reação do rapaz. A chama da única vela refletia em seus olhos escuros. — Depois de hoje à noite… parto amanhã mesmo de carruagem para Godan, e de lá embarco num navio para Mayene. Já deveria ter ido há dias, mas pensei que devia haver algum jeito de consertar as coisas. Não houve, é claro. Eu devia ter percebido isso antes. Hoje à noite me convenci. O jeito como ele… Todos aqueles raios pelos corredores. Vou embora amanhã.

— Milady — disse Perrin, confuso — por que está me contando isso?

O jeito como ela jogou a cabeça para trás o fez lembrar-se de uma égua que às vezes selava em Campo de Emond. O bicho sempre tentava arrancar pedaço.

— Para que conte ao Lorde Dragão, é claro.

Aquilo não fazia sentido.

— A senhora mesma pode contar — disse, com pouco mais do que uma leve exasperação. — Não terei tempo de levar recados antes de partir.

— Eu… acho que não ele quer me ver.

Qualquer homem desejaria vê-la, ela era linda de olhar e sabia disso. Perrin achou que ela tinha começado a falar outra coisa. Será que estava assustada com que ocorrera nos aposentos de Rand? Ou era por causa do ataque e da forma como o amigo acabara com tudo? Talvez, mas, pelo olhar frio que dispensava a ele, não era uma mulher que se assustava com facilidade.

— Dê o recado a um serviçal. Duvido que eu vá ver Rand de novo. Não antes de partir. Qualquer serviçal pode levar o recado a ele.

— Seria melhor vindo de você, amigo do Lorde…

— Dê a um serviçal. Ou a um dos Aiel.

— Você não vai fazer o que estou pedindo? — perguntou ela, incrédula.

— Não. Não escutou o que eu disse?

Ela jogou a cabeça para trás de novo, mas dessa vez foi diferente. Berelain o observou atentamente e murmurou, meio que para si mesma:

— Que olhos surpreendentes.

— O quê? — De repente ele percebeu que estava ali parado, nu até a cintura. O escrutínio intenso da mulher de súbito o fez parecer a um cavalo analisado antes da compra. Dali a pouco ela estaria pegando em seus tornozelos e avaliando os dentes. Agarrou a camisa que separara para a manhã seguinte em cima da cama e passou-a pela cabeça. — Dê a mensagem a algum serviçal. Estou indo dormir. Pretendo acordar cedo. Antes de amanhecer.

— Para onde vai?

— Para casa. Dois Rios. Está tarde. Se você também quiser partir amanhã, imagino que queira dormir um pouco. Estou cansado. — Ele bocejou.

A mulher não fez menção de ir até a porta.

— Você é ferreiro? Vou precisar de um ferreiro em Mayene. Para trabalhos de ornamento em ferro. Quer passar uma temporada curta lá, antes de voltar a Dois Rios? Você acharia Mayene… divertida.

— Eu vou para casa — respondeu, com firmeza — e você vai voltar para o seu quarto.

Ela deu de ombros de leve, e Perrin desviou o olhar outra vez, exasperado.

— Talvez algum outro dia. Sempre consigo o que quero, no fim. E acho que quero… — Ela fez uma pausa e o olhou de cima a baixo. — Trabalho em ferro ornamentado. Para as janelas dos meus aposentos.

Berelain abriu um sorriso tão inocente, que Perrin sentiu um gongo de alarme dentro da cabeça.

A porta se abriu outra vez, e Faile entrou.

— Perrin, fui até a cidade procurar você e ouvi um falatório… — Ela parou, petrificada, e encarou Berelain com o olhar firme.

A Primeira a ignorou. Aproximou-se de Perrin e passou a mão por seu braço e ombro. Por um instante, ele achou que a mulher puxaria sua cabeça para beijá-lo — a doida chegou a erguer a cabeça, como se quisesse um beijo — mas apenas acariciou seu pescoço depressa e se afastou. Antes que ele pudesse se mexer para impedi-la, Berelain parou.

— Lembre-se — disse, baixinho, como se os dois estivessem sozinhos — eu sempre consigo o que quero. — E passou deslizando por Faile e saiu do quarto.

Ele aguardou uma explosão da mulher, mas ela olhou para os alforjes abarrotados na cama e disse:

— Estou vendo que você já ouviu o falatório. É falatório, Perrin.

— Olhos amarelos aumentam a coisa toda.

Faile deveria estar queimando de raiva, como um monte de galhos secos em uma fogueira. Por que estava tão calma?

— Muito bem. Então Moiraine é o próximo problema. Será que vai tentar impedir você?

— Não se não souber. E eu vou, mesmo que ela tente. Tenho família e amigos, Faile. Não vou deixá-los nas mãos dos Mantos-brancos. Mas espero que ela não descubra até eu estar bem longe da cidade.

Até os olhos da moça estavam calmos, como lagos negros em uma floresta. Os pelos da nuca de Perrin se eriçaram.

— Mas esse boato levou semanas para chegar a Tear, e serão semanas de cavalgada até Dois Rios. Até lá, os Mantos-brancos podem já ter ido embora. Bem, ando com vontade de ver longe daqui. Eu não devia reclamar. Só quero que saiba o que esperar.

— Não levará semanas, não pelos Caminhos — disse. — Dois dias, talvez três.

Dois dias. Achava que não havia como ser mais rápido.

— Você está tão louco quanto Rand al’Thor — afirmou ela, descrente. Desabando no pé da cama, Faile cruzou as pernas e falou como se ele fosse uma criança. — Se for pelos Caminhos, voltará irremediavelmente louco. Isso se conseguir voltar, o que é mais provável que não aconteça. Os Caminhos estão maculados, Perrin. Estão na escuridão há o quê? Uns trezentos anos? Quatrocentos? Pergunte a Loial. Ele saberá dizer. Foram os Ogier que construíram os Caminhos, ou cultivaram, ou o que quer que seja. Nem eles os usam, hoje em dia. Ora, mesmo que você conseguisse passar por lá incólume, só a Luz sabe onde é que você sairia.

— Eu já viajei pelos Caminhos, Faile. — E que viagem assustadora. — Loial pode me conduzir. Ele sabe decifrar as sinalizações, foi assim que fizemos da outra vez. Ele fará isso por mim de novo quando souber o quanto é importante.

Loial também estava ávido por sair de Tear, parecia ter medo de que a mãe descobrisse onde estava. Perrin tinha certeza de que ele colaboraria.

— Bem… — retrucou ela, esfregando as mãos com força. — Bem, eu queria uma aventura, e essa sem dúvida é uma. Deixar a Pedra de Tear e o Dragão Renascido, viajar pelos Caminhos para enfrentar Mantos-brancos. Será que conseguimos convencer Thom Merrilin a vir também? Se não podemos ter um bardo, um menestrel serve. Ele poderia escrever a história, e nós dois seríamos os protagonistas. Nenhum Dragão Renascido nem Aes Sedai para roubar a cena. Quando partiremos? De manhã?

Perrin respirou fundo para manter a voz firme.

— Eu vou sozinho, Faile. Só Loial e eu.

— Vamos precisar de um cavalo de carga — continuou a jovem, como se ele não tivesse dito nada. — Dois, eu acho. Os Caminhos são escuros. Precisaremos de duas lanternas e de bastante óleo. Seu povo de Dois Rios. São fazendeiros? Vão enfrentar os Mantos-brancos?

— Faile, eu disse…

— Eu ouvi o que você disse — retrucou ela, irritada. As sombras davam a ela uma expressão perigosa, com olhos oblíquos e maçãs do rosto elevadas. — Eu ouvi, e acho que não faz sentido. E se esses fazendeiros não lutarem? Ou se não souberem lutar? Quem é que vai ensiná-los? Você? Sozinho?