Enquanto Faile tentava entender o que estava acontecendo, Perrin quebrou o silêncio.
— Preciso voltar a Dois Rios, Loial. Sua mãe não vai encontrar você lá.
— Sim. Isso é verdade. — O Ogier deu de ombros, constrangido. — Mas meu livro. A história de Rand. E sua, e de Mat. Eu já tenho tantas anotações, mas… — Loial foi para trás da mesa, espiou o livro aberto, as páginas preenchidas com a caligrafia caprichada. — Serei o autor da verdadeira história do Dragão Renascido, Perrin. O único livro escrito por alguém que viajou com ele, que de fato viu tudo se desenrolar. O Dragão Renascido, de Loial, filho de Arent, filho de Halan, do Pouso Shangtai. — Franzindo a testa, ele se inclinou por cima do livro e mergulhou a pena no frasco de tinta. — Isso aqui não está certo. Foi mais…
Perrin pôs a mão sobre a página onde Loial iria escrever.
— Você não vai escrever livro nenhum se sua mãe encontrá-lo. Pelo menos, não sobre Rand. E eu preciso de você, Loial.
— Precisa, Perrin? Não estou entendendo.
— Há Mantos-brancos em Dois Rios. Atrás de mim.
— Atrás de você? Mas por quê? — Loial parecia quase tão confuso quanto Faile estivera. A jovem, por outro lado, revestira-se de uma soberba complacente e perturbadora. Perrin prosseguiu mesmo assim.
— O motivo não importa. O fato é que estão atrás de mim. Podem machucar alguém, minha família, procurando por mim. Conhecendo os Mantos-brancos, sei que vão fazer isso. Posso impedir, se conseguir chegar depressa, mas ser logo. Só a Luz sabe o que é que eles já fizeram. Preciso que me leve até lá, Loial, pelos Caminhos. Você um dia me disse que havia um Portal dos Caminhos por aqui, e sei que havia um em Manetheren. Ainda deve existir, nas montanhas acima de Campo de Emond. Nada é capaz de destruir um Portal dos Caminhos, você mesmo disse. Preciso de você, Loial.
— Bom, é claro que vou ajudar — respondeu o Ogier. — Os Caminhos. — Ele soltou uma bufada ruidosa, e as orelhas esmoreceram um pouco. — Quero escrever sobre aventuras, não vivê-las. Mas acho que uma vezinha não vai doer. Queira a Luz — concluiu, com fervor.
Faile pigarreou com delicadeza.
— Não está se esquecendo de nada, Loial? Você me prometeu levar aos Caminhos quando eu pedisse, e prometeu que o faria antes de levar qualquer outra pessoa.
— Eu prometi mesmo que a levaria para ver o Portal dos Caminhos — disse Loial — e como é tudo lá por dentro. Você pode fazer isso quando Perrin e eu formos. Acho que poderia vir com a gente, mas a viagem pelos Caminhos não é nada fácil, Faile. Eu mesmo não entraria lá se Perrin não estivesse precisando.
— Faile não pode ir — rebateu Perrin, com firmeza. — Só você e eu, Loial.
Ignorando-o, a mulher sorriu para o Ogier, como se ele estivesse brincando com ela.
— Você me prometeu mais do que olhar, Loial. Prometeu que me levaria para onde eu quisesse, quando eu quisesse, e antes de qualquer outra pessoa. Você jurou.
— Foi mesmo, mas só porque você se recusou a acreditar que eu o faria — protestou Loial. — Você disse que só acreditaria se eu jurasse. Cumprirei minha promessa, mas tenho certeza de que você não vai querer passar na frente de Perrin, já que ele precisa tanto.
— Você jurou — retrucou Faile, com a voz tranquila. — Pela sua mãe, e pela mãe da sua mãe, e pela mãe da mãe da sua mãe.
— Sim, Faile, eu jurei, mas Perrin…
— Você jurou, Loial. Vai quebrar o juramento?
A expressão do Ogier era só desgraça. Os ombros curvaram, as orelhas caíram, os cantos da enorme boca desabaram, e as pontas das compridas sobrancelhas foram parar nas bochechas.
— Ela fez você de trouxa, Loial. — Perrin se perguntou se dava para os dois ouvirem o ranger de seus dentes. — Ela fez você de trouxa de propósito.
Uma placa vermelha se formou as bochechas de Faile, mas a jovem ainda teve o descaramento de dizer:
— Só porque foi preciso, Loial. Só porque um idiota de um homem acha que pode ordenar minha vida como bem entender. Se não fosse isso, eu não teria agido assim. Você precisa acreditar em mim.
— O fato de que ela ludibriou você não muda nada? — inquiriu Perrin, e Loial balançou tristemente a cabeça enorme.
— Os Ogier mantêm a palavra — disse Faile. — E Loial vai me levar para Dois Rios. Ou para o Portal dos Caminhos no Manetheren, pelo menos. Estou com vontade de conhecer Dois Rios.
Loial se aprumou.
— Então isso significa que posso ajudar Perrin, no fim das contas. Faile, por que enrolou tanto? Nem Laefar acharia isso engraçado. — Havia um toque de irritação em sua voz, e precisava de muito para deixar um Ogier irritado.
— Se ele pedir — retrucou ela, determinada. — Isso fazia parte da promessa, Loial. Ninguém além de nós dois, a menos que me pedissem. Ele tem que pedir.
— Não — disse Perrin, enquanto Loial ainda estava abrindo a boca. — Não, eu não vou pedir. Prefiro ir para Campo de Emond a cavalo. Vou a pé! Pode ir desistindo dessa palhaçada. Enganar Loial. Tentar forçar sua presença onde… onde não é bem-vinda.
A calma da moça deu lugar à raiva.
— E, quando você chegar lá, Loial e eu já teremos acabado com os Mantos-brancos. Tudo vai estar acabado. Peça, seu ferreiro cabeça-de-bigorna. Basta pedir, e poderá vir com a gente.
Perrin se segurou. Não havia maneira de convencê-la de seu ponto de vista, mas ele não ia pedir. Faile tinha razão — levaria semanas para chegar a Dois Rios a cavalo, e eles poderiam estar lá em dois dias, quem sabe, pelos Caminhos — mas não ia pedir. Não depois de ela fazer Loial de bobo e tentar me intimidar!
— Então vou viajar sozinho pelos Caminhos até Manetheren. Vou atrás de vocês dois. Se mantiver distância suficiente para seguir afastado, não estarei quebrando o juramento de Loial. Vocês não podem me impedir de segui-los.
— Isso é perigoso, Perrin — disse Loial, preocupado. — Os Caminhos são escuros. Se você perder uma curva ou pegar a ponte errada por acidente, pode acabar se perdendo para sempre. Ou até Machin Shin apanhá-lo. Peça a ela, Perrin. Faile disse que você pode vir se pedir. Peça.
A voz retumbante do Ogier estremeceu ao mencionar o nome Machin Shin, e um arrepio percorreu as costas de Perrin. O Vento Negro. Nem mesmo as Aes Sedai sabiam se era uma criatura da Sombra ou algo que se desenvolvera a partir da corrupção dos Caminhos. Machin Shin era o motivo pelo qual a viagem que fariam podia ser um risco de vida, era o que as Aes Sedai diziam. O Vento Negro devorava almas, e isso Perrin sabia que era verdade. Porém, manteve a voz firme e a expressão impassível. Que me queime se vou deixar que ela perceba minha fraqueza.
— Não posso, Loial. Seja como for, não vou fazer isso.
O Ogier fez uma careta.
— Faile, será perigoso para ele, se tentar nos seguir. Por favor, ceda um pouco e deixe que ele…
— Não. — A jovem o interrompeu bruscamente. — Se ele é cabeça-dura demais para pedir, por que eu deveria? Por que é que eu deveria sequer me preocupar, caso ele se perca? — Ela se virou para Perrin. — Pode viajar perto da gente. O quanto precisar, desde que fique claro que está nos seguindo. Até pedir, vai ficar me seguindo feito um cachorrinho. Por que simplesmente não pede?
— Humanos teimosos — resmungou o Ogier. — Afobados e teimosos, mesmo quando a afobação acaba levando a um ninho de vespas.
— Gostaria de partir hoje mesmo, Loial — disse Perrin, sem olhar para Faile.
— É melhor irmos logo — concordou Loial, encarando pesaroso o livro na mesa. — Acho que posso organizar minhas anotações durante a viagem. Sabe a Luz o que vou perder ficando longe de Rand.