— Você ouviu o que eu disse, Perrin? — inquiriu Faile.
— Vou recolher meu cavalo e pegar alguns suprimentos. Podemos partir no meio da manhã.
— Que se queime, Perrin Aybara, me responda!
Loial olhou para ela, apreensivo.
— Perrin, tem certeza de que não pode…
— Não — interrompeu Perrin, com educação. — Ela é turrona e gosta de joguinhos. Não vou bancar o palhaço para ela. — O rapaz ignorou o som que saía das profundezas da garganta de Faile, que mais parecia um gato encarando um cão estranho, a postos para o ataque. — Aviso assim que estiver pronto.
Começou a se dirigir à porta, e Faile gritou, furiosa:
— “Quando” sou eu quem decide, Perrin Aybara. Eu e Loial. Está ouvindo? É melhor que esteja pronto em duas horas, ou vamos deixar você para trás. Pode nos encontrar no estábulo do Portão da Muralha do Dragão, se for. Está me ouvindo?
Perrin sentiu-a se aproximando e bateu a porta atrás de si no mesmo instante que algo se chocou com força contra a madeira. Um livro, pensou. Loial daria um ataque por causa disso. Era melhor bater na cabeça do Ogier do que estragar algum de seus livros.
Por um instante, ficou apoiado na porta, desesperado. Tudo o que fizera, tudo por que passara, ter que fazer Faile odiá-lo, e, no fim das contas, ela estaria lá para vê-lo morrer. A parte boa é que agora talvez Faile ficasse contente com isso. Mulher teimosa, turrona!
Ao se virar, viu um Aiel se aproximando, um homem alto, de cabelos ruivos e olhos verdes, que poderia ser um primo mais velho de Rand, ou um tio jovem. Conhecia o homem e gostava dele, ainda que fosse porque Gaul jamais tivesse feito qualquer menção de ter notado seus olhos amarelos.
— Que a manhã lhe traga boa sombra, Perrin. A majhere disse que você tinha vindo para estes lados, mas acho que ficou se coçando para enfiar uma vassoura nas minhas mãos. Dura como uma Sábia, aquela mulher.
— Que a manhã lhe traga boa sombra, Gaul. As mulheres são todas umas cabeças-duras, se quer saber.
— Talvez, se não soubermos como contorná-las. Ouvi dizer que você está indo para Dois Rios.
— Luz! — grunhiu Perrin, antes que o Aiel pudesse dizer outra coisa. — Será que a Pedra inteira está sabendo? Se Moiraine souber…
Gaul balançou a cabeça.
— Rand al’Thor falou comigo em particular e pediu que eu não contasse a ninguém. Acho que ele também falou com outros, mas não sei quantos vão querer ir com você. Passamos muito tempo deste lado da Muralha do Dragão, e muitos estão ansiando pela Terra da Trindade.
— Ir comigo? — Perrin ficou espantado. Se tivesse a companhia dos Aiel… Era uma possibilidade que jamais ousara considerar. — Rand pediu que fossem comigo? Para Dois Rios?
Gaul balançou a cabeça outra vez.
— Ele só disse que você estava indo e que alguns homens talvez tentassem matá-lo. Mas quero ir junto, se você aceitar minha companhia.
— Se eu aceitar? — Perrin quase deu uma risada. — Eu aceito. Entraremos nos Caminhos em algumas horas.
— Nos Caminhos? — A expressão de Gaul não se alterou, mas ele piscou.
— Faz alguma diferença?
— A morte chega para todos, Perrin. — Não era uma resposta reconfortante.
— Não posso acreditar que Rand seja tão cruel — disse Egwene.
— Pelo menos ele não tentou impedir você — acrescentou Nynaeve. Sentadas na cama da Sabedoria, elas terminavam a divisão do ouro que Moiraine providenciara. Quatro bolsas gordas seriam transportadas nos bolsos cerzidos sob as saias de Elayne, e quatro nos de Nynaeve, além de uma menor para cada, para não chamar a atenção, que seria levada no cinto. Egwene ficara com uma quantia menor, já que no Deserto havia menos necessidade de ouro.
Elayne franziu o cenho para as duas trouxas cuidadosamente amarradas e o alforje de couro ao lado da porta. Ali estavam todas as suas roupas e algumas outras coisas. Faca e garfo embalados em um estojo, escova e pente de cabelos, agulhas, alfinetes, linha, dedal, tesouras. Um acendedor e uma segunda faca, melhor que a que ela levava no cinto. Sabão, talco e… Era ridículo repassar a lista outra vez. O anel de pedra de Egwene estava enfiado no bolso. Estava pronta para partir. Não havia nada a detê-la.
— Não, ele não tentou.
Elayne estava orgulhosa de como soava calma e serena. Ele pareceu quase aliviado! Aliviado! E tive que entregar aquela carta, deixar meu coração aberto, feito uma tonta, completamente cega. Pelo menos ele não vai abri-la antes que eu vá embora. Pulou ao sentir a mão de Nynaeve tocar seu ombro.
— Queria que ele pedisse a você para ficar? Sabe qual teria sido a resposta. Não sabe?
Elayne apertou os lábios.
— É claro que sei. Mas ele não precisava parecer feliz com minha partida. — Não tivera intenção de dizer isso.
Nynaeve lançou um olhar compreensivo.
— Os homens são difíceis, na melhor das hipóteses.
— Ainda assim, não consigo acreditar que ele seria tão… tão… — começou Egwene, em um resmungo irritado.
Elayne nunca soube o que ela pretendia dizer, pois naquele momento a porta se abriu com tanta força, que quicou na parede.
Elayne abraçou saidar antes de a surpresa passar, depois sentiu um instante de vergonha quando a porta ricocheteou, batendo forte na palma da mão de Lan. Mais um instante, e decidiu agarrar-se à Fonte um pouco mais. O Guardião preenchia o batente com os ombros largos, o rosto parecia uma tempestade. Se aqueles olhos azuis pudessem disparar os raios que ameaçavam, teriam explodido Nynaeve. O brilho tênue de saidar também envolvia Egwene, sem esvanecer.
Lan parecia não ver ninguém além de Nynaeve.
— Você me fez acreditar que estava voltando para Tar Valon — disse, com a voz áspera.
— Você pode ter pensado isso — respondeu ela, muito calma — mas eu não falei nada.
— Não falou? Não falou! Você falava que iria embora hoje, e sempre sugeria uma relação com a partida daquelas Amigas das Trevas que seriam levadas a Tar Valon. Sempre! O que achou que eu fosse pensar?
— Mas eu não disse…
— Luz, mulher! — vociferou ele. — Não discuta comigo!
Elayne trocou olhares aflitos com Egwene. Aquele homem tinha autocontrole de ferro, mas estava a ponto de explodir. Era Nynaeve quem sempre se deixava levar pelas emoções, mas a mulher o encarou com frieza, a cabeça erguida e os olhos serenos, as mãos firmes nas saias de seda verde.
Lan se recompôs com esforço evidente. Parecia mais impassível do que nunca, com total controle sobre si mesmo — e Elayne tinha certeza de que era tudo superficial.
— Eu não teria descoberto para onde você ia se não tivesse ouvido falar que mandou chamar uma carruagem. Para levá-la a um navio rumo a Tanchico. Não sei por que a Amyrlin permitiu que vocês deixassem a Torre, para início de conversa, nem por que Moiraine envolveu as três no interrogatório das irmãs Negras, mas vocês são Aceitas. Aceitas, não Aes Sedai. Tanchico hoje em dia não é lugar para alguém que não seja uma Aes Sedai completa, com um Guardião para ajudá-la. Eu não vou deixar você se meter nisso!
— Então — respondeu Nynaeve, em um tom suave — você está questionando as decisões de Moiraine, e também as do Trono de Amyrlin. Talvez esse tempo todo eu estivesse entendendo mal os Guardiões. Achei que vocês juravam aceitar e obedecer, entre outras coisas. Lan, entendo a sua preocupação, e sou muito grata, mais do que grata, mas todas nós temos tarefas a cumprir. Estamos indo, e você precisa se conformar.
— Por quê? Pelo amor da Luz, pelo menos me diga por quê! Tanchico!
— Se Moiraine não contou — respondeu Nynaeve, gentil — talvez ela tenha suas razões. Temos que cumprir nossas tarefas, assim como você tem que cumprir as suas.