— Um dia interessante ontem — comentou a mulher, enquanto ele se sentava.
— Eu não chamaria Trollocs e Meios-homens de interessantes — retrucou Thom, secamente.
— Não estava falando disso. Mais cedo. O Grão-lorde Carleon morto em um acidente de caça. Ao que parece, seu bom amigo Tedosian o confundiu com um javali. Ou talvez com um cervo.
— Não fiquei sabendo. — Thom manteve a voz calma. Mesmo que Moiraine tivesse encontrado o bilhete, não poderia conectá-lo a ele. Até Carleon acreditaria que era sua própria caligrafia. Achava que ela não deveria ter descoberto o bilhete, mas lembrou-se mais uma vez de que Moiraine era uma Aes Sedai. Como se fosse preciso se lembrar disso, com aquele rosto belo e plácido diante dele, os olhos negros e serenos a perscrutá-lo, cheio de tantos segredos. — Os alojamentos dos serviçais fervilham de fofocas, mas eu quase nunca escuto.
— Não escuta? — murmurou a mulher, em voz branda. — Então não ouviu dizer que Tedosian caiu doente menos de uma hora depois de retornar à Pedra, logo depois que sua mulher lhe entregou um cálice de vinho para lavar a poeira da caçada. Dizem que ele chorou ao descobrir que a esposa decidiu ela mesma cuidar dele e alimentá-lo com as próprias mãos. Sem dúvida lágrimas de alegria, diante de tamanho amor. Ouvi falar que ela fez votos de não sair do lado do marido até que ele se levante outra vez. Ou até que morra.
Moiraine sabia. Ele não tinha como dizer de que forma ela descobrira, mas a mulher sabia. Por que estava revelando isso a ele?
— Que tragédia — comentou, em um tom igualmente brando. — Rand vai precisar de todos os Grão-lordes leais que puder encontrar, eu acho.
— Carleon e Tedosian não eram muito leais. Nem um ao outro, ao que parece. Eles lideravam a facção que pretende matar Rand e tentar esquecer que ele um dia viveu.
— Você acha? Eu presto pouquíssima atenção a essas coisas. A vida dos poderosos não é assunto para um simples menestrel.
O sorriso dela era quase uma risada, mas as palavras pareciam recitadas de um livro.
— Thomdril Merrilin. Um dia chamado de Raposa Gris, pelos que o conheciam, ou que ouviam falar dele. Bardo da Corte no Palácio Real de Andor, em Caemlyn. Amante de Morgase por algum tempo, depois da morte de Taringail. Foi uma sorte para Morgase, a morte de Taringail. Não creio que ela algum dia tenha descoberto que o homem queria que ela morresse para se tornar o primeiro rei de Andor. Mas estávamos falando de Thom Merrilin, um homem que, ao que se dizia, era capaz de jogar o Jogo das Casas dormindo. É uma pena que tal homem se considere um simples menestrel. Mas que arrogância manter o mesmo nome.
Thom esforçou-se para mascarar o choque. O quanto ela sabia? Já era demais, ainda que não soubesse mais uma palavra. Porém, Moiraine não era a única que detinha conhecimento.
— Falando de nomes — retrucou, muito calmo — é impressionante o quanto pode se descobrir a partir de um nome. Moiraine Damodred. Lady Moiraine da Casa Damodred, em Cairhien. Meia-irmã mais nova de Taringail. Sobrinha do Rei Laman. E Aes Sedai, não podemos esquecer. Uma Aes Sedai que está auxiliando o Dragão Renascido desde antes de saber que ele era algo além de um pobre infeliz capaz de canalizar. Uma Aes Sedai com altas conexões na Torre Branca, eu diria, ou não arriscaria o que tem. Alguém no Salão da Torre? Mais de uma pessoa, eu diria. Só pode ser. Uma notícia assim abalaria o mundo. Mas por que causar problemas? Talvez seja melhor deixar um velho menestrel enfiado em sua toca nos alojamentos dos serviçais. Só um velho menestrel, tocador de harpa e contador de histórias. Histórias que não fazem mal a ninguém.
Se conseguira fazê-la hesitar uma fração que fosse, a mulher não demonstrara.
— Especulações sem fatos são sempre perigosas — respondeu, serena. — Eu não uso o nome de minha Casa por opção. A Casa Damodred já tinha má reputação, e merecida, antes de Laman cortar Avendoraldera e perder o trono e a vida por isso. Desde a Guerra dos Aiel a coisa apenas piorou, também merecidamente.
Será que nada abalava aquela mulher?
— O que é que você quer de mim? — inquiriu Thom, irritado.
Moiraine apenas piscou.
— Elayne e Nynaeve embarcam num navio para Tanchico hoje. Uma cidade perigosa, Tanchico. Seus conhecimentos e habilidades talvez salvem a vida delas.
Então era isso. A mulher queria afastá-lo de Rand, deixar o rapaz exposto às suas manipulações.
— Concordo, Tanchico está perigosa, mas sempre foi assim. Desejo o melhor às duas moças, mas não tenho vontade alguma de meter a cabeça em um ninho de víboras. Estou velho demais para este tipo de coisa. Andei pensando em virar fazendeiro. Uma vida tranquila. Segura.
— Acho que uma vida tranquila mataria você. — Visivelmente bem-humorada, Moiraine se ocupou em rearrumar as dobras da saia com as mãos pequenas e delgadas. Thom tinha a impressão de que ela escondia um sorriso. — Mas Tanchico, não. Eu garanto, e pelo Primeiro Juramento, que você sabe que é verdadeiro.
Thom franziu o cenho para ela, apesar do enorme esforço em manter o rosto impassível. Moiraine não era capaz de mentir, mas como ela poderia saber? Tinha certeza de que ela não podia Prever, tinha certeza de que a ouvira negar ter tal Talento. Mas a mulher dissera aquilo. Que se queime, mulher!
— Por que eu deveria ir para Tanchico? — Moiraine podia passar sem o vocativo respeitoso.
— Para proteger Elayne? A filha de Morgase?
— Não vejo Morgase há quinze anos. Elayne era uma menina quando saí de Caemlyn.
A Aes Sedai hesitou, mas, quando falou, a voz estava firme e implacável.
— E seus motivos para deixar Andor? Um sobrinho chamado Owyn, eu presumo. Um desses pobres coitados de quem você falou que são capazes de canalizar. As irmãs Vermelhas deveriam levá-lo a Tar Valon, como acontece com qualquer homem desse tipo, mas em vez disso o amansaram onde ele estava e o abandonaram à… mercê de seus vizinhos.
Thom derrubou a cadeira ao se levantar, depois precisou se apoiar na mesa, pois os joelhos tremiam. Owyn não vivera por muito tempo depois de ser amansado, levado de casa pelos supostos amigos, que não foram capazes de suportar ter entre si nem ao menos um homem que já não podia mais canalizar. Nada que Thom fizesse poderia impedir Owyn de não querer viver, nem evitar que sua jovem esposa o seguisse para o túmulo em menos de um mês.
— Por que…? — Pigarreou de repente, tentando fazer a voz soar menos áspera. — Por que está me dizendo isso?
Havia compaixão no rosto de Moiraine. Quem sabe até arrependimento? Com certeza não. Não vindo de uma Aes Sedai. A compaixão também deveria ser falsa.
— Eu não teria feito isso se você estivesse disposto a ir apenas para ajudar Elayne e Nynaeve.
— Por quê, que se queime! Por quê?
— Se você for com Elayne e Nynaeve, revelarei os nomes das irmãs Vermelhas da próxima vez que nos virmos, além do nome de quem emitiu as ordens. Elas não agiram sozinhas. E nos veremos outra vez. Você vai sobreviver a Tarabon.
Ele soltou um suspiro irregular.
— De que me vai adiantar saber os nomes delas? — perguntou, com a voz inexpressiva. — Nomes de Aes Sedai, rodeadas pelo poder da Torre Branca.
— Um jogador habilidoso e perigoso do Jogo das Casas pode encontrar utilidade para eles — respondeu a mulher, baixinho. — Elas não deviam ter feito o que fizeram. Não deviam ter sido perdoadas por isso.