— Lothair Mantelar — explicou Gawyn, com a voz tensa — fundou os Mantos-brancos. Os Mantos-brancos!
— Ele foi um grande homem — retrucou Galad, com firmeza. — Um filósofo de ideais nobres. Mesmo que os Filhos da Luz às vezes sejam… desmedidos… desde a época dele, isso não muda o fato.
— Minha nossa. Mantos-brancos — disse Min, arquejante, acrescentando um leve arrepio. — São homens muito brutos, pelo que ouvi dizer. Não consigo imaginar um Manto-branco dançando. Acham que há alguma chance de termos dança por aqui? As Aes Sedai também não parecem ligar muito para festas, e gosto tanto de dançar…
A frustração nos olhos de Gawyn era um deleite.
— Acho que não — respondeu Galad, tomando o livro das mãos dela. — As Aes Sedai estão muito ocupadas com… Seus próprios negócios. Se eu ouvir falar em alguma boa dança na cidade, posso levar a senhorita, se desejar. Não precisa ter medo de ser incomodada por aqueles dois grosseirões.
O rapaz sorriu para ela, sem perceber o que fazia, e Min de repente ficou sem ar de verdade. Os homens não deveriam ter permissão para sorrir desse jeito.
Precisou de um instante para se lembrar a que dois grosseirões ele se referia. Os dois homens que supostamente haviam pedido a mão de Elmindreda em casamento, que quase duelaram entre si porque a garota não conseguia tomar uma decisão e a pressionaram a ponto de ela precisar buscar abrigo na Torre. Era apenas toda a justificativa pela qual estava ali. É esse vestido, disse a si mesma. Eu conseguiria pensar direito se estivesse usando minhas roupas.
— Percebi que a Amyrlin fala com a senhorita todos os dias — comentou Gawyn, de repente. — Ela mencionou nossa irmã, Elayne? Ou Egwene al’Vere? Disse alguma coisa a respeito de onde estão?
Min desejou socar Gawyn bem no olho. O rapaz não sabia por que ela estava disfarçada, é claro, mas concordara em ajudá-la a ser aceita como Elmindreda, e agora a estava ligando a mulheres que muita gente na Torre sabia serem amigas de Min.
— Ah, o Trono de Amyrlin é uma mulher tão bonita — respondeu, com doçura, abrindo os dentes em um sorriso. — Ela sempre pergunta como tenho passado o tempo, e sempre elogia meu vestido. Acho que torce para que eu tome logo uma decisão em relação a Darvan e Goemal, mas eu simplesmente não consigo. — Arregalou os olhos, tentando parecer confusa e desamparada. — Os dois são tão doces. De quem foi que o senhor falou? De sua irmã, Lorde Gawyn? A Filha-herdeira em pessoa? Acho que nunca ouvi o Trono de Amyrlin mencioná-la. Qual foi o outro nome?
Dava para ouvir o ranger dos dentes de Gawyn.
— Não deveríamos incomodar a Senhorita Elmindreda com isso — disse Galad. — Isso é problema nosso, Gawyn. Cabe a nós descobrirmos a mentira e lidarmos com ela.
Min mal escutou o rapaz, pois de súbito voltou o olhar para um homem corpulento, de cabelos compridos e cacheados por cima dos ombros curvados, vagando sem rumo por um dos caminhos de cascalho em meio às árvores, sob o olhar atento de uma Aceita. Já vira Logain antes, um homem de rosto triste, que um dia fora alegre e animado, sempre em companhia de uma Aceita. O papel da mulher era impedi-lo de se matar, bem como evitar sua fuga. Apesar de seu tamanho, Logain não parecia tramar fuga alguma. Mas era a primeira vez que Min via um halo flamejante em volta da cabeça do homem, radiante, dourado e azul. Aparecera apenas por um instante, mas fora o suficiente.
Logain se proclamara o Dragão Renascido, então fora capturado e amansado. Qualquer glória que obtivera como falso Dragão já estava havia muito perdida. Tudo o que restava para ele era o desespero do amansamento — como um homem de quem foram roubados a visão, a audição e o paladar — e o desejo de morrer, esperando a morte que inevitavelmente chegaria em poucos anos, como sempre acontecia com esses homens. Ele a encarou, talvez sem vê-la. Seus olhos pareciam desconsolados e introspectivos. Então por que ostentava um halo que prenunciava glória e poder? Min precisava contar aquilo à Amyrlin.
— Pobre sujeito — murmurou Gawyn. — Não consigo deixar de sentir pena. Luz, seria um gesto de misericórdia deixar que ele acabasse com tudo. Por que o obrigam a continuar vivendo?
— Ele não é digno de pena — retrucou Galad. — Você se esqueceu do que ele foi, do que fez? Quantos milhares morreram antes de ele ser capturado? Quantas cidades foram incendiadas? Mantê-lo vivo serve de aviso para os outros.
Gawyn assentiu, mas com relutância.
— E mesmo assim houve homens que o seguiram. Algumas dessas cidades foram incendiadas, depois que se declararam a favor dele.
— Eu preciso ir — disse Min, levantando-se, e Galad na mesma hora se mostrou solícito e preocupado.
— Perdoe-nos, Senhorita Elmindreda. Não tivemos a intenção de assustá-la. Logain não pode fazer mal à senhorita. Eu lhe dou minha garantia.
— Eu… É, ele me deixou um pouco tonta. Me desculpem. Preciso mesmo me deitar.
A expressão de Gawyn era extremamente cética, mas ele pegou a cesta antes que ela pudesse tocá-la.
— Deixe-me pelo menos acompanhá-la em um trecho do caminho — disse, com uma voz que transbordava falsa preocupação. — Esta cesta deve estar muito pesada, tonta como a senhorita está. Não quero que acabe desmaiando.
Min queria agarrar a cesta e dar na cara dele, mas Elmindreda jamais reagiria assim.
— Ah, obrigada, milorde Gawyn. O senhor é tão gentil. Tão gentil. Não, não, milorde Galad. Não permitam que eu seja um estorvo. Sente-se aí e leia seu livro. Diga que o fará. Não admito que seja de outra forma. — Ela até bateu os cílios.
Deu um jeito de empurrar Galad no banco de mármore e ir embora, mas com Gawyn em seus calcanhares. As saias a deixavam irritada, tinha vontade de puxá-las até o joelho e sair correndo, mas Elmindreda jamais sairia correndo, nem exporia uma parte tão grande das pernas, a não ser que estivesse dançando. Laras a instruíra com muito rigor sobre isso. Uma só corrida, e destruiria completamente a imagem de Elmindreda. E Gawyn…!
— Passe essa cesta para cá, seu cretino desmiolado — rosnou, assim que os dois saíram da vista de Galad, puxando-a dos braços do jovem antes que ele pudesse acatar a ordem. — Que história é essa de perguntar por Elayne e Egwene na frente dele? Elmindreda não conhece essas duas. Elmindreda não se importa com elas. Elmindreda não quer ser mencionada na mesma frase que elas! Será que não dá para você entender?
— Não — respondeu o jovem. — Não, já que você não me explica nada. Mas lamento muito. — Min não sentiu arrependimento suficiente na voz dele. — Só estou preocupado. Onde é que elas estão? Essa notícia que veio do norte do rio sobre um falso Dragão em Tear não me deixa nem um pouco tranquilo. Elas estão por aí, em algum lugar, sabe a Luz onde, e fico me perguntando… E se estiverem no meio da fogueira em que Logain transformou Ghealdan?
— E se ele não for um falso Dragão? — perguntou Min, com cautela.
— Está dizendo isso por causa das histórias que afirmam que ele tomou a Pedra de Tear? Os boatos sempre dão um jeito de aumentar as coisas. Só vou acreditar quando vir com meus próprios olhos, e mesmo assim será preciso mais do que isso para me convencer. Até a Pedra poderia ruir. Luz, não acredito que Elayne e Egwene estejam mesmo em Tear, mas essa incerteza corrói meu estômago feito ácido. Se ela estiver ferida…
Min não soube dizer a qual “ela” o rapaz se referia, e suspeitava que ele também não soubesse. Apesar das provocações, sentia pena dele, mas nada podia fazer.
— Se você pelo menos pudesse fazer o que eu digo e…
— Eu sei. Confiar na Amyrlin. Confiar! — Ele exalou um longo suspiro. — Está sabendo que Galad tem ido às tavernas beber com os Mantos-brancos? Qualquer um pode cruzar as pontes se vier em paz, até os Filhos da maldita Luz.