Os nobres tairenos lidavam muito mal com o povo. Não lidavam, era mais apropriado dizer. Em Andor, ela teria esperado sorrisos simpáticos e alguma saudação respeitosa concedidos de boa vontade por homens de costas eretas que sabiam seu próprio valor e o dela. Aquilo era quase suficiente para fazê-la se arrepender de ter partido. Fora criada para liderar, talvez um dia governar um povo orgulhoso, e sentiu um ímpeto de ensinar um pouco de dignidade àquela gente. Mas essa tarefa era de Rand, não dela. E, se ele não a fizer direito, darei uma bela bronca nele. Uma bronca daquelas. Pelo menos o rapaz começara, seguindo seu conselho. E Elayne tinha de admitir que ele sabia tratar o povo. Seria interessante ver o que ele conseguira, quando ela retornasse. Isso se houver razão para retornar.
De onde estava, dava para ver bem uns dez navios, e ainda mais distante, havia outros. Mas um deles, atracado na ponta do ancoradouro para onde estava virada, com a proa pontuda apontando rio acima, foi uma visão de encher os olhos. O forcador do Povo do Mar devia ter pelo menos cem passadas de comprimento e uma vez e meia a largura da embarcação ao lado, com três mastros imensos no meio do navio e um menor no convés elevado na popa. Já estivera em outros navios, mas nunca em um tão grande, e nunca em um que rumasse para o mar. O nome dos proprietários já remetia a terras distantes e portos estrangeiros. Os Atha’an Miere. O Povo do Mar. As histórias mais exóticas sempre mencionavam o Povo do Mar, a não ser as que falavam dos Aiel.
Nynaeve desceu da carruagem atrás dela, amarrando um manto de viagem verde no pescoço e resmungando para si mesma e para o cocheiro:
— Sacodindo feito galinhas num vendaval! Socadas feito um tapete empoeirado! Como foi que o senhor conseguiu a proeza de cair em todos os buracos desde a Pedra até aqui, meu bom homem? Isso requer uma baita habilidade. É uma pena que não tenha o mesmo dom para o manejo dos cavalos.
O cocheiro tentou estender a mão para ajudá-la a descer, com o rosto estreito emburrado, mas ela recusou ajuda. Com um suspiro, Elayne dobrou o número de moedas de prata que tirava da bolsa.
— Obrigada por nos trazer até aqui a salvo e tão depressa. — Ela sorriu, empurrando as moedas na mão do homem. — Pedimos que viesse rápido, e foi o que o senhor fez. O estado das ruas não é culpa sua, e o senhor fez um excelente trabalho sob condições tão precárias.
Sem olhar as moedas, o sujeito dispensou uma mesura profunda, um olhar de gratidão e um “obrigado, milady” baixinho, tanto pelas palavras quanto pelo dinheiro, Elayne tinha certeza. Aprendera que palavras delicadas e um pouco de elogios costumavam ser tão bem recebidos quanto a prata, se não mais. No entanto, para se certificar de que entenderiam o agradecimento, sempre usava prata, que raramente era desprezada.
— Queira a Luz que façam uma viagem segura, milady — acrescentou o homem.
O mais sutil piscar de olhos em direção a Nynaeve indicava que o desejo era dirigido apenas a Elayne. A outra mulher precisava aprender a fazer concessões e ter mais consideração.
Depois que o cocheiro retirou as trouxas e os pertences das moças da carruagem, contornou os animais e começou a ir embora, Nynaeve comentou, contrariada:
— Acho que não devia ter sido tão brusca com o homem. Nem um pássaro atravessaria essas ruas com facilidade. Não em uma carruagem, de todo modo. Mas, depois de quicar durante todo o trajeto até aqui, eu me sinto como se tivesse passado uma semana em cima do lombo de um cavalo.
— O homem não tem culpa por você ter essa… dor nas costas — disse Elayne, com um sorriso que dissipava qualquer provocação, enquanto reunia seus pertences.
Nynaeve soltou uma risada amarga.
— Eu já disse isso, não disse? Espero que você não queira que eu saia correndo atrás dele para me desculpar. O tanto de prata que entregou com certeza aliviará qualquer sentimento ferido. Você precisa aprender a ser mais cuidadosa com dinheiro, Elayne. Não temos todos os recursos do Reino de Andor à disposição. Uma família pode viver com conforto durante um mês inteiro com a quantia que você entrega a qualquer um que faz o trabalho que foi pago para fazer. — A Filha-herdeira dispensou um olhar bastante indignado a Nynaeve. A mulher sempre parecia pensar que elas tinham de viver de forma pior que os serviçais, a menos que houvesse motivo para o contrário, em vez de ser o oposto, como fazia sentido. Porém, a mulher mais velha não pareceu notar a expressão que sempre fazia a Guarda Real pisar em ovos. Em vez disso, Nynaeve ergueu as trouxas e as pesadas sacolas de tecido e virou-se em direção ao cais. — Pelo menos a viagem nesse navio será mais suave. Espero que seja. Vamos embarcar?
As duas começaram a avançar até o píer, entre trabalhadores, barris empilhados e carrinhos e abarrotados de mercadorias, e Elayne disse:
— Nynaeve, o Povo do Mar pode ser muito sensível até conhecer melhor os outros, pelo menos foi o que me ensinaram. Você acha que poderia tentar ser um pouco…
— Um pouco o quê?
— Diplomática, Nynaeve. — A Filha-herdeira deu um passo mais comprido para pular por cima de onde alguém cuspira, no ancoradouro à frente. Não havia como dizer qual dos homens fizera aquilo: quando ela olhou em volta, viu todos de cabeças baixas, trabalhando duro. Sendo ou não maltratados pelos Grão-lordes, ela teria dito umas poucas e afiadas palavras que o culpado levaria muito tempo para esquecer, se o tivesse encontrado. — Pode tentar ser um pouco diplomática uma vez na vida.
— Claro. — Nynaeve começou a subir na prancha de embarque do forcador, gradeada por cordas. — Desde que não me sacudam para lá e para cá.
O primeiro pensamento de Elayne ao chegar ao convés foi que o forcador parecia estreito demais para o comprimento. Não entendia muito de navios, na verdade, mas para ela aquele parecia uma lasca gigante. Ah, Luz, essa coisa vai sacudir mais do que a carruagem, por maior que seja. O segundo pensamento foi em relação à tripulação. Ouvira histórias a respeito dos Atha’an Miere, mas nunca tinha visto um deles. Um povo misterioso e muito discreto, quase tão misterioso quanto os Aiel. Apenas as terras para além do Deserto podiam ser mais estranhas, e tudo o que se sabia a respeito deles era que o Povo do Mar trazia marfim e seda de lá.
Esses Atha’an Miere eram homens sombrios, andavam descalços e sem camisas, todos de barbas feitas, com cabelos lisos e escuros e mãos tatuadas. Moviam-se com a segurança de quem conhecia muito bem o próprio trabalho, a ponto de fazê-lo com os pés nas costas, embora dedicassem toda atenção à tarefa em questão. Havia uma graça fluida em seus movimentos, como se, mesmo com o navio parado, sentissem o balanço do mar. A maioria usava correntes de ouro ou prata no pescoço e brincos nas orelhas, às vezes dois ou três em cada, alguns com pedras polidas.
Também havia mulheres entre os tripulantes, em mesmo número que os homens, erguendo cordas e enrolando linhas, com as mesmas mãos tatuadas, vestindo as mesmas calças largas de algum tecido escuro e impermeável, presas por cinturões estreitos e coloridos e abertas no tornozelo. Além das calças, as mulheres também usavam blusas largas e coloridas, todas de tons brilhantes de vermelho, verde e azul. Exibiam pelo menos tantas correntes e brincos quanto os homens. Inclusive, Elayne notou com um leve choque duas ou três mulheres com argolas presas à lateral do nariz.