A graça das mulheres ofuscava até a dos homens, e fez Elayne se lembrar de algumas histórias que ouvira quando criança, ao escutar o que não devia. As mulheres dos Atha’an Miere eram, naqueles contos, a personificação da beleza sedutora e da tentação, perseguidas por todos os homens. As mulheres naquele navio não eram mais belas do que quaisquer outras, mas, ao vê-las em movimento, Elayne conseguia acreditar nas histórias.
Duas das mulheres paradas no convés elevado na popa com certeza não eram tripulantes comuns. Também andavam descalças e usavam roupas com o mesmo corte dos outros, mas uma delas estava toda vestida de seda azul brocada, e a outra, de verde. A mais velha, a que usava verde, exibia quatro pequenas argolas de ouro em cada orelha e uma na narina esquerda, todas reluzentes sob o sol da manhã. Uma delicada corrente ia do pequeno aro em seu nariz até uma das orelhas, sustentando uma fileira de diminutos pingentes em forma de medalhões de ouro, e uma das correntes em volta do pescoço continha uma caixinha de ouro furada, como se fosse renda dourada, que ela erguia para cheirar de tempos em tempos. A outra mulher, a mais alta, usava apenas seis brincos e sua corrente tinha menos medalhões. A caixinha furada que cheirava, porém, era feita do mesmo ouro finamente forjado. Exótico, sem dúvida. Elayne estremeceu só de pensar naqueles aros no nariz. E naquela corrente!
Algo estranho no próprio deque chamou sua atenção, mas a princípio ela não soube dizer o que era. Então, viu. O leme não tinha cana. Havia um tipo de roda radiada atrás das duas mulheres, amarrada embaixo para que não girasse, mas sem cana. Como é que eles conduzem? Até o menor barquinho que já vira tinha cana. E também todos os outros navios alinhados no cais. Cada vez mais misterioso, aquele Povo do Mar.
— Não esqueça o que Moiraine disse a você — alertou Elayne, enquanto as duas se aproximavam do convés da popa. Não fora muita coisa, mesmo as Aes Sedai sabiam pouco sobre os Atha’an Miere. Mas Moiraine transmitira as expressões apropriadas, o que deveria ser dito como sinal de boas maneiras. — E não se esqueça da diplomacia — acrescentou, em um sussurro firme.
— Eu vou me lembrar — retrucou Nynaeve, com rispidez. — Eu consigo ser diplomática.
Elayne torcia para que fosse verdade.
As duas mulheres do Povo do Mar as aguardavam no topo das escadas — as aguardavam no portaló, corrigiu-se Elayne. Era chamado assim mesmo quando eram escadas. Não entendia por que os navios tinham nomes diferentes para coisas comuns. O chão era o chão, fosse de um celeiro, um palácio ou uma estalagem. Por que não era assim em um navio? Uma nuvem de perfume envolveu as duas, um aroma leve de almíscar que vinha das caixinhas de ouro rendado. As tatuagens nas mãos das mulheres eram estrelas e aves-marinhas rodeadas pelas curvas e remoinhos de ondas estilizadas.
Nynaeve inclinou a cabeça.
— Sou Nynaeve al’Meara, Aes Sedai da Ajah Verde. Procuro a Mestra das Velas desta embarcação para garantir passagens, se for desejo da Luz. Esta é minha amiga e companheira, Elayne Trakand, também Aes Sedai da Ajah Verde. Que a Luz as ilumine e à sua embarcação e mande ventos para acelerá-la.
Era quase igual ao que Moiraine instruíra que dissessem. Menos a parte de serem Aes Sedai da Ajah Verde — Moiraine parecera mais resignada com isso do que com qualquer outra coisa, além de achar graça na escolha da Ajah.
A mulher mais velha, com toques grisalhos nos cabelos negros e rugas nos cantos dos grandes olhos castanhos, inclinou a cabeça com a mesma formalidade. Porém, parecia analisar as duas da cabeça aos pés, sobretudo o anel da Grande Serpente que cada uma usava na mão direita.
— Sou Coine din Jubai Ventos Rebeldes, Mestra das Velas do Bailador das Ondas. Esta é Jorin din Jubai Asa Branca, minha irmã de sangue e Chamadora de Ventos do Bailador das Ondas. Podemos oferecer passagens, se for a vontade da Luz. Que a Luz as ilumine e as conduza em segurança até o fim da jornada.
Era uma surpresa que as duas fossem irmãs. Elayne conseguia ver a semelhança, mas Jorin parecia muito mais jovem. Desejou que a Chamadora de Ventos fosse a única com quem tivessem de lidar. Ambas as mulheres tinham a mesma reserva, mas algo a respeito da Chamadora de Ventos lembrava Aviendha. Era absurdo, sem dúvida. As mulheres não eram mais altas do que ela própria, a cor não poderia ser mais distinta da cor da Aiel, e a única arma que cada uma tinha à vista era a faca robusta que levavam no cinturão, uma lâmina que denunciava sua eficiência no trabalho braçal, apesar dos entalhes e fios de ouro incrustados no cabo. De todo modo, Elayne não pôde evitar a sensação de similaridade entre Jorin e Aviendha.
— Vamos conversar então, Mestra das Velas, se lhe aprouver — disse Nynaeve, seguindo a fórmula de Moiraine — sobre navegações, portos e o presente de passagem.
O Povo do Mar não cobrava pela passagem, segundo Moiraine. Era um presente, que, por coincidência, poderia ser trocado por outro de igual valor.
Coine olhou para o lado, depois para a popa virada para a Pedra e o estandarte branco que ondulava acima da fortaleza.
— Vamos conversar na minha cabine, Aes Sedai, se lhes aprouver. — Ela gesticulou indicando uma escotilha aberta atrás da estranha roda do leme. — Meu navio lhes dá boas-vindas, e que a graça da Luz esteja com vocês até deixarem este convés.
Outra escada estreita — dessa vez, uma comum — levava até um quarto organizado, maior do que o que Elayne esperava, por experiência em embarcações menores, com janelas que davam para a popa e lampiões com suportes giratórios nas paredes. Quase tudo parecia embutido, exceto por alguns baús envernizados de tamanhos diversos. A cama larga e baixa ficava bem debaixo das janelas da popa, e uma mesa estreita rodeada de cadeiras ocupava o centro do quarto.
Havia pouca bagunça. Alguns mapas enrolados sobre a mesa, algumas esculturas de marfim em forma de animais estranhos em prateleiras gradeadas e meia dúzia de espadas com lâminas à mostra, de diferentes tipos, algumas que Elayne nunca vira, expostas em ganchos nas paredes. Havia um gongo de latão quadrado, com entalhes estranhos, pendurado em uma das vigas da cama. E, logo à frente das janelas da popa, como se em lugar de destaque, jazia um capacete em uma cabeça de madeira entalhada para esse propósito, um capacete que parecia a cabeça de um inseto monstruoso, envernizado em vermelho e verde, com uma pequena pena branca de cada lado, uma delas quebrada.
Elayne reconheceu o capacete.
— Seanchan — disse, sem fôlego, sem pensar.
Nynaeve lançou a ela um olhar irritado, e não sem razão. As duas haviam concordado que faria mais sentido e conferiria mais veracidade à história se Nynaeve, por ser mais velha, assumisse a liderança e cuidasse da conversa.
Coine e Jorin trocaram olhares indecifráveis.
— Já ouviu falar deles? — perguntou a Mestra das Velas. — É claro. É esperado que Aes Sedais saibam dessas coisas. Tão longe a leste, ouvimos muitas histórias, e as melhores não passam de meias verdades.
Elayne sabia que devia deixar a coisa quieta, mas sua língua estava coçando de curiosidade.
— Como foi que conseguiram o capacete? Se me permitem a pergunta.
— O Bailador das Ondas encontrou um navio Seanchan no ano passado — respondeu Coine. — Eles queriam levá-lo, mas eu não quis abrir mão. — Ela deu de ombros, um movimento ínfimo. — Trouxe o capacete de recordação, e o mar levou os Seanchan, que a Luz tenha misericórdia de todos os navegantes. Nunca mais chego perto de um navio com velas com talas.
— Vocês tiveram sorte — disse Nynaeve, em um tom seco. — Os Seanchan capturam mulheres capazes de canalizar e as transformam em arma. Se houvesse uma dessas naquele navio, vocês teriam se arrependido de tê-lo visto.
Elayne fez uma careta para a amiga, embora fosse tarde demais. Não sabia dizer se as mulheres do Povo do Mar haviam ficado ofendidas com o tom de Nynaeve. A dupla mantinha a mesma expressão neutra, mas Elayne começava a perceber que seus rostos não demonstravam muito, pelo menos não a estranhos.