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— Vamos falar de passagens — disse Coine. — Se aprouver à Luz, pode ser que venham a visitar o local aonde desejam chegar. Todas as coisas são possíveis, pela Luz. Vamos nos sentar.

As cadeiras ao redor da mesa não deslizavam para trás, tudo estava preso ao chão — ao convés. Em vez disso, os braços se abriam como portões e se aferrolhavam de volta. O arranjo parecia corroborar as terríveis previsões de Elayne em relação aos balanços e sacolejos. Ela lidava muito bem com isso, sem dúvida, mas o balanço do rio já fazia o estômago de Nynaeve se revirar. Deveria ser muito pior no oceano do que em um rio, por mais feroz que fosse o vento, e, quanto pior ficasse o estômago da amiga, pior seria o temperamento. Nynaeve passando mal e furiosa ao mesmo tempo: na opinião de Elayne, poucas coisas eram mais temíveis.

As duas foram convidadas a sentar-se de cada um dos lados da mesa, com a Mestra das Velas e a Chamadora de Ventos nas cabeceiras. A princípio, a disposição pareceu estranha, mas então Elayne percebeu que dessa forma ambas olhariam para quem estivesse falando, permitindo que a outra as observasse sem ser vista. Será que sempre lidam dessa forma com os passageiros, ou será que é porque somos Aes Sedai? Bem, porque pensam que somos. Era um aviso de que as coisas com essa gente poderiam não ser tão simples quanto desejavam. Torceu para que Nynaeve tivesse percebido.

Elayne não notara qualquer ordem sendo passada, mas uma moça esguia com apenas um aro em cada orelha surgiu equilibrando uma bandeja com um bule de chá de asa de latão e grandes canecas sem asa, não de porcelana do Povo do Mar, como seria de se esperar, mas de cerâmica grossa. Mais difícil de quebrar com tempo ruim, pensou, desanimada. Mas foi a jovem que chamou sua atenção e que quase a fez perder o ar. Estava nua da cintura para cima, assim como os homens lá no convés. Elayne achou que tinha escondido muito bem o choque, mas Nynaeve fungou alto.

A Mestra das Velas esperou a moça servir chá, fervido até ficar negro, depois disse:

— Por acaso já zarpamos, Dorele, sem que eu tenha sido informada? Não há mais terra à vista?

A mulher esguia ficou vermelha.

— Há terra, Mestra das Velas. — Foi um sussurro infeliz.

Coine assentiu.

— Até que não haja mais terra à vista e que assim fique por um dia inteiro, você vai trabalhar limpando os porões, onde as vestimentas são obstáculo. Está dispensada.

— Sim, Mestra das Velas — disse a garota, ainda mais desolada. Ela se virou, tirando o cinturão, desconsolada, enquanto passava pela porta, no outro extremo do aposento.

— Compartilhem este chá, se lhes aprouver — disse a Mestra das Velas — e que conversemos em paz. — Ela bebericou do próprio copo e prosseguiu, enquanto Elayne e Nynaeve provavam os delas. — Peço que perdoem qualquer ofensa, Aes Sedai. Esta é a primeira viagem de Dorele para fora das ilhas. A jovem com frequência esquece os costumes dos costeiros. Posso aumentar a punição dela, caso se sintam ofendidas.

— Não é necessário — respondeu Elayne, mais do que depressa, usando a desculpa para deixar a caneca na mesa. O chá era ainda mais forte do que parecia, muito quente, sem açúcar e bastante amargo. — Não ficamos ofendidas, de jeito nenhum. Povos diferentes têm costumes diferentes. — Queira a Luz que não sejam mais tantos tão diferentes assim! Luz, e se eles tirarem toda a roupa quando o navio zarpar? Luz! — Apenas um tolo se ofenderia ao se deparar com costumes diferentes dos próprios.

Nynaeve lançou a ela um olhar firme, com a calma imperturbável de uma Aes Sedai, como fingiam ser, deu um longo gole na caneca e disse apenas:

— Por favor, vamos deixar isso de lado. — Não era possível dizer se ela se dirigia a Elayne ou às mulheres do Povo do Mar.

— Então vamos falar sobre passagens, se lhes aprouver — disse Coine. — A qual porto desejam navegar?

— Tanchico — respondeu Nynaeve, um pouco mais brusca do que deveria. — Sei que talvez não tenham intenção de ir até lá, mas precisamos chegar depressa, tão depressa quanto só um forcador é capaz, e sem parar, se for possível. Ofereço este pequeno presente pelo inconveniente. — Ela puxou um pedaço de papel do cinto da bolsa, desdobrou-o e o empurrou na mesa para a Mestra das Velas.

Moiraine dera a elas aquele papel e outro iguaclass="underline" cartas de créditos. Cada uma permitia que o portador retirasse até três mil coroas de ouro dos banqueiros e prestamistas em várias cidades, embora fosse pouco provável que qualquer um daqueles homens e mulheres soubesse que era dinheiro da Torre Branca. Elayne arregalara os olhos com a quantia — e Nynaeve ficara de queixo caído — mas Moiraine disse que talvez fosse necessário para fazer a Mestra das Velas abandonar o destino a que pretendia chegar.

Coine tocou a carta-de-direitos com um dedo e leu.

— Uma grande quantia pelo presente da passagem — murmurou —, mesmo levando em conta que estão me pedindo para alterar nossa rota. Estou ainda mais surpresa do que antes. Vocês sabem que é raro levarmos Aes Sedai em nossos navios. Muito raro. De todos que pedem passagem, apenas Aes Sedai podem ser recusadas, e quase sempre são, desde o primeiro dia da primeira partida. Aes Sedai sabem disso, por isso quase nunca pedem. — Ela encarava a xícara de chá, não as duas, mas Elayne olhou para o outro lado e surpreendeu a Chamadora de Ventos analisando as mãos das duas pousadas sobre a mesa. Não, os anéis.

Moiraine não falara sobre isso. Apontara o forcador como o navio mais ligeiro que havia disponível e as encorajara a utilizá-lo. Por outro lado, entregara essas cartas-de-direitos, que deviam ser suficientes para comprar uma frota de navios como aquele. Bem, muitos navios, pelo menos. Será que foi porque ela sabia que precisaria de tudo isso para convencê-las a nos levar? Mas por que guardara segredo? Que pergunta tola, Moiraine sempre guardava segredos. Mas por que fazê-las perder tempo?

— Pretende recusar nossa passagem? — Nynaeve trocara a diplomacia pela brusquidão. — Se não levam Aes Sedai, por que nos trouxeram até aqui? Por que não disseram lá em cima e acabaram logo com isso?

A Mestra das Velas soltou um dos braços da cadeira, levantou-se e foi espiar a Pedra pelas janelas da popa. Os brincos e os medalhões na face esquerda reluziam à luz do sol nascente.

— Ele é capaz de manejar o Poder Único, pelo que ouvi dizer, e detém a Espada Que Não Pode Ser Tocada. Os Aiel vieram até a Muralha do Dragão ao seu chamado. Vi muitos pelas ruas, e dizem que abarrotaram a Pedra. A Pedra de Tear caiu, e a guerra irrompeu pelas nações. Os que outrora governaram estão de volta, e foram rechaçados pela primeira vez. A Profecia está sendo cumprida.

A mudança de assunto deixou Nynaeve e Elayne confusas.

— As Profecias do Dragão? — indagou a Aceita mais nova, depois de um instante. — Sim, estão sendo cumpridas. Ele é o Dragão Renascido, Mestra das Velas. — É um homem teimoso que esconde os sentimentos tão bem que eu não consigo encontrá-los, é isso o que ele é!

Coine se virou.

— Não as Profecias do Dragão, Aes Sedai. A Profecia Jendai, a profecia do Coramoor. Não a que vocês aguardam e temem, a que nós buscamos, o arauto de uma nova Era. Na Ruptura do Mundo, nossos ancestrais fugiram para a segurança do mar, enquanto a terra se erguia e rebentava como fazem as ondas das tempestades. Dizem que eles não sabiam nada sobre os navios que pegaram para fugir, mas a Luz estava com eles, e todos sobreviveram. Não viram terra outra vez até o mundo se acalmar, e aí muita coisa estava mudada. Tudo, absolutamente tudo, o mundo inteiro estava à deriva, na água e no vento. Foi nos anos depois disso que a Profecia Jendai foi enunciada pela primeira vez. Temos de vagar pelas águas até que o Coramoor retorne, e servi-lo quando ele voltar.