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O homem não piscou ao ouvi-la sugerir que poderia não se lembrar delas. Levou os olhos às mãos das moças e notou a ausência de anéis. Aqueles olhos escuros captavam e registravam tudo de forma indelével.

— Eu me lembro, Senhorita Trakand, e muito bem. Mas, se me perdoam, a última vez que as servi foi na companhia de Mat Cauthon, quando tiramos as duas da água antes de serem acatadas por lúcios.

Nynaeve pigarreou, mas não muito alto. Fora em uma cela, não na água, e fora a Ajah Negra, não lúcios. A antiga Sabedoria não gostava de ser lembrada da ajuda de que haviam precisado naquele episódio. Decerto não teriam ido parar naquela cela se não fosse Juilin Sandar. Não, não era justo dizer aquilo. Era verdade, mas não era justo.

— Muito bem — respondeu Elayne, de repente — mas o senhor ainda não disse por que quer ir para Tanchico.

Ele respirou fundo e encarou Nynaeve, desconfiado. Elayne não sabia se gostava muito de vê-lo ter mais cautela com a outra mulher do que com ela.

— Fui arrancado de casa menos de uma hora atrás — explicou, escolhendo as palavras com cautela — por um homem que vocês conhecem, eu acho. Um homem alto e com rosto de pedra, chamado Lan. — As sobrancelhas de Nynaeve se ergueram de forma bastante sutil. — Falou em nome de outro homem que vocês conhecem. Um… pastor, pelo que disse. Recebi uma boa quantia de ouro para acompanhá-las. As duas. Ele me disse que, se vocês não voltarem dessa viagem a salvo… Bem, vamos dizer que será melhor eu me matar afogado do que voltar para lá. Lan foi muito enfático, e o… pastor, não deixou a desejar na mensagem que enviou. A Mestra das Velas disse que só posso seguir no navio se vocês permitirem. Tenho habilidades que podem ser úteis. — O cajado rodopiou em suas mãos, um borrão assobiante, e então parou de repente. Ele tocou a adaga quebra-espada na cintura. Parecia uma espada curta, porém sem ponta, com fendas para prender lâminas.

— Os homens sempre dão um jeito de contornar nossas ordens — resmungou Nynaeve, mas não soou descontente.

Elayne apenas fechou a cara, irritada. Rand o mandara? Ainda não devia ter lido a segunda carta, quando o fez. Que o queime! Por que é que ele fica nesse pula-pula? Não dá tempo de mandar outra carta, e é provável que ele só ficasse mais confuso. E me faria parecer ainda mais idiota. Que o queime!

— E o senhor, Mestre Merrilin? — perguntou Nynaeve. — O pastou também mandou um menestrel atrás da gente? Ou foi o outro homem? Para nos entreter com malabarismos e engolição de fogo, talvez.

Thom estivera observando Sandar com atenção, mas desviou o olhar, plácido, e curvou-se em uma mesura elegante, estragando-a apenas com um floreio demasiado elaborado do manto coberto de retalhos.

— Não foi o pastor, Senhorita al’Meara. Uma senhora que nós dois conhecemos me pediu… pediu… para que eu acompanhasse as senhoritas. A mesma senhora que a encontrou em Campo de Emond, junto com o pastor.

— Por quê? — perguntou Nynaeve, desconfiada.

— Eu também tenho habilidades úteis — respondeu Thom, dando uma olhadela para o caçador de ladrões. — Além do malabarismo, quer dizer. E já estive em Tanchico muitas vezes. Conheço bem a cidade. Sei onde encontrar boas estalagens, quais distritos são perigosos durante o dia, quais são perigosos à noite e quem precisa ser subornado para que a Guarda Civil não fique muito interessada nas suas atividades. Eles prestam muita atenção aos estrangeiros. Posso ajudar em muitas coisas.

Aquela familiaridade deixou Elayne desconfiada outra vez. Antes de se dar conta do que estava fazendo, ergueu a mão e deu um puxão no longo bigode branco do homem. Thom se assustou, e ela levou as mãos à boca, vermelha de vergonha.

— Perdoe-me. Eu… eu me lembrei de já ter feito isso antes. Quer dizer… Sinto muito, mesmo. — Luz, por que eu fiz isso? Ele deve estar pensando que sou uma idiota.

— Eu… me lembraria — respondeu o menestrel, bem rígido.

A Filha-herdeira torceu para que ele não tivesse se sentido afrontado. Era difícil decifrar sua expressão. Os homens conseguiam se ofender quando deveriam rir e rir quando deveriam se ofender. Se todos estavam indo viajar juntos… Foi a primeira vez que percebeu já ter decidido que os dois poderiam acompanhá-las.

— Nynaeve? — chamou.

A outra mulher sem dúvida entendeu a pergunta não dita. Analisou os dois homens com muita atenção, depois assentiu.

— Eles podem vir. Contanto que concordem em fazer o que dissermos. Não vou aceitar que um homem descerebrado qualquer tome a frente e nos ponha em perigo.

— Como a senhorita ordenar, Senhorita al’Meara — respondeu Sandar, na mesma hora, fazendo uma mesura.

Thom, porém, disse:

— Um menestrel é uma alma livre, Nynaeve, mas posso prometer que não as porei em perigo. Longe disso.

— É para fazer o que dissermos — repetiu Nynaeve, enfática. — Quero sua palavra, ou vai ver esse navio zarpar lá do píer.

— Os Atha’an Miere não recusam passagem a ninguém, Nynaeve.

— Acha que não? Será que o apanhador de ladrões — Sandar fez careta — foi o único a ouvir que nossa permissão era necessária? É para fazer o que dissermos, Senhor Merrilin.

Thom jogou a cabeça branca para trás feito um cavalo irritado e soltou uma bufada forte, mas enfim assentiu:

— Tem minha palavra, Senhorita al’Meara.

— Muito bem, então — concluiu Nynaeve, com a voz revigorada. — Combinado. Vocês dois vão atrás da Mestra das Velas pedir que ela por favor arrume um cubículo bem longe das nossas vistas para enfiar vocês. Agora saiam daqui. Depressa.

Sandar fez outra mesura e saiu. Thom estremeceu visivelmente antes de juntar-se a ele, rígido.

— Será que não está sendo muito dura com eles? — indagou Elayne, assim que os homens se afastaram o bastante para não ouvi-las. Não precisaram ir muito longe, com todo o burburinho do convés. — Afinal de contas, teremos que viajar todos juntos. “Palavras suaves suavizam as companhias.”

— Melhor começar a agir como pretendemos prosseguir. Elayne, Thom Merrilin sabe muito bem que não somos Aes Sedai completas. — Ela baixou a voz e olhou em volta ao proferir as palavras. Ninguém da tripulação sequer olhava para elas, exceto pela Mestra das Velas, lá perto do convés da popa, onde ouvia o que diziam o alto menestrel e o caçador de ladrões. — Os homens adoram uma fofoca, então Sandar também vai ficar sabendo logo, logo. Eles não representariam nenhum problema para Aes Sedai, mas para duas Aceitas…? Na primeira chance, os dois começariam a tomar atitudes que pensam ser para o bem, independente do que disséssemos. Não pretendo dar a eles sequer essa primeira chance.

— Talvez você tenha razão. Acha que sabem por que estamos indo a Tanchico?

Nynaeve fungou com desdém.

— Não, acho que se soubessem não estariam tão animados. E acho melhor não contarmos até que seja necessário. — Ela lançou a Elayne um olhar significativo. Não havia necessidade de dizer que também não teria contado à Mestra das Velas, se tivesse sido escolha sua. — Ouça bem esse ditado: “Se procurar problemas, encontrará dezenas.”

— Você fala como se não confiasse neles, Nynaeve. — Elayne tinha vontade de dizer que a outra estava se comportando feito Moiraine, mas Nynaeve não apreciaria a comparação.

— E podemos confiar? Juilin Sandar já nos traiu antes. Sim, sim, eu sei que homem algum teria evitado aquilo, mas mesmo assim aconteceu. E Liandrin e as outras conhecem a cara dele. Vou ter que vesti-lo com roupas diferentes. Talvez mandá-lo deixar o cabelo crescer um pouco. Quem sabe um bigode, como aquele troço infestando a cara do menestrel. Talvez ajude.