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Os golfinhos, no entanto, com contornos reluzentes, eram uma maravilha, uma guarda de honra a conduzir o Bailador das Ondas de volta ao lugar a que pertencia. Ela os reconheceu pelas descrições nos livros. Diziam que, se encontrassem alguém se afogando, puxavam de volta para a costa. Não sabia ao certo se acreditava, mas era uma bela história. Seguiu os animais pela lateral do navio até a proa, onde eles brincavam com as ondas formadas e rolavam de lado para encará-la, sem se afastar uma polegada sequer.

Chegara quase no ponto mais estreito da proa quando percebeu que Thom Merrilin estava bem à sua frente, sorrindo para os golfinhos com certa tristeza, o manto drapejando ao vento como a nuvem de velas acima. O homem já guardara seus pertences. Parecia muito familiar. De verdade.

— Não está contente, Senhor Merrilin?

Ele a olhou de esguelha.

— Por favor, milady, pode me chamar de Thom.

— Está bem, Thom. Mas não milady. Aqui sou apenas a senhorita Trakand.

— Como queira, Senhorita Trakand — concordou ele, esboçando um sorriso.

— Como pode ficar triste olhando esses golfinhos, Thom?

— Eles são livres — murmurou o homem, em um tom que não deixava claro se era uma resposta. — Não precisam tomar decisões, não têm preços a pagar. Nenhuma preocupação na vida além de encontrar peixes para comer. E os tubarões, imagino.

E os peixes-leão. E provavelmente uma centena de coisas que desconheço. Na verdade, talvez não seja uma vida tão invejável assim.

— Você os inveja? — O menestrel não respondeu, mas, de todo modo, não era a pergunta correta. Precisava fazê-lo sorrir outra vez. Ou melhor, gargalhar. De algum jeito, sabia que, se pudesse fazê-lo gargalhar outra vez, acabaria por lembrar-se de onde o conhecia. Escolheu outro assunto, um que talvez tocasse mais fundo o coração daquele homem. — Pretende compor a epopeia de Rand, Thom? — Epopeias eram para bardos, não menestréis, mas um pouco de lisonja não faria mal. — A epopeia do Dragão Renascido. Loial quer escrever um livro, sabia?

— Talvez eu faça isso, Senhorita Trakand. Talvez. Mas nem minha poesia nem o livro do Ogier farão diferença a longo prazo. A longo prazo, nossas histórias não vão sobreviver. Quando a próxima Era começar… — Ele fez uma careta e deu um puxão no bigode — Pensando bem, isso pode ser daqui a um ou dois anos. Como é que se marca o fim de uma Era? Não pode sempre ser um cataclismo como a Ruptura. Por outro lado, se as Profecias forem verdade, este de agora será. Este é o problema com todo tipo de profecia. As originais estão todas na Língua Antiga, e talvez até em Alto Canto, portanto, quando não se sabe de antemão o significado de alguma coisa, não há como decifrá-la. Será que a intenção era dizer o que está escrito, ou será que foi apenas uma forma floreada de dizer algo completamente diferente?

— Você estava falando da sua epopeia — lembrou Elayne, tentando trazê-lo de volta, mas Thom balançou os cabelos brancos e desgrenhados.

— Estava falando de mudanças. Minha epopeia, se eu a compuser, e também o livro de Loial, não serão nada além de sementes, isso se tivermos sorte. Os que conhecem a verdade morrerão, e os netos de seus netos se lembrarão de algo diferente. E os netos dos netos deles, de algo ainda mais diferente. Depois de duas dezenas de gerações, talvez seja você a heroína da história, não Rand.

— Eu? — Elayne deu risada.

— Ou talvez Mat, ou Lan. Talvez até eu. — Thom abriu um sorriso, iluminando o rosto envelhecido. — Thom Merrilin. Não um menestrel… mas o quê? Quem é que pode dizer? Em vez de comer fogo, soltando pelas ventas. Jogando-o para lá e para cá, como uma Aes Sedai. — Ele fez um floreio com o manto. — Thom Merrilin, o herói misterioso, derrubando montanhas e erguendo reis. — O sorriso virou uma sonora gargalhada. — Rand al’Thor vai ter é sorte se a próxima Era se lembrar do nome dele.

Elayne estava certa, não era coisa de sua cabeça. Aquele rosto, aquela risada contagiante… Ela se lembrava do homem. Mas de onde? Thom precisava continuar falando.

— Sempre acontece assim? Acho que ninguém tem dúvidas de que, por exemplo, Artur Asa-de-gavião conquistou um império. O mundo inteiro, ou quase.

— Asa-de-gavião, jovem Senhorita? Ele conquistou um império, sem dúvida, mas acha mesmo que fez tudo que os livros, histórias e epopeias afirmam? Da forma como descrevem? Que matou os cem melhores homens do exército inimigo, um a um? Que os dois exércitos simplesmente ficaram ali parados enquanto um dos generais, um rei, duelava com cem homens?

— Os livros dizem que sim.

— Não dá tempo entre o nascer e o pôr do sol para um único homem lutar cem duelos, garota. — Elayne quase o interrompeu… garota? Ela era a Filha-herdeira de Andor, não uma garota. Mas Thom parecia muito envolvido no discurso. — E isso foi só mil anos atrás. Vamos pensar ainda mais no passado, nas histórias mais antigas que conheço, da Era antes da Era das Lendas. Será que Mosk e Merk lutaram mesmo com lanças de fogo, e será que eram gigantes? Elsbet foi mesmo rainha do mundo inteiro? E Anla, foi mesmo irmã dela? Será que Anla era a Sábia Conselheira, ou será que era outra pessoa? É o mesmo que perguntar de que tipo de animal vem o marfim, ou de que tipo de planta cresce a seda. Talvez a seda também venha de algum animal.

— Não sei dessas outras questões — disse Elayne, um pouco séria, ainda com o ranço de ter sido chamada de garota — mas você pode perguntar ao Povo do Mar sobre o marfim e a seda.

Thom riu outra vez — como ela esperava, embora a risada ainda não fizesse mais do que enfatizar a certeza de que o conhecia — mas, em vez de chamá-la de tola, como Elayne achava que aconteceria, o homem respondeu:

— Prática e direta, como a mãe. Com os dois pés no chão e poucos devaneios fantasiosos.

Ela ergueu um pouco o queixo e assumiu uma expressão mais fria. É certo que aceitara ser apenas a Senhorita Trakand, mas isso era demais. Aquele era um senhor agradável, e ela queria resolver o enigma que o envolvia, mas também era um menestrel, afinal de contas, e não deveria falar de uma rainha em tom tão íntimo. Era estranho e revoltante, mas o homem parecia estar se divertindo. Se divertindo!

— Os Atha’an Miere também não sabem — continuou. — Eles só veem umas poucas milhas das terras para além do Deserto Aiel, ao redor do punhado de portos onde têm permissão de atracar. Esses lugares possuem muralhas altas, tão bem vigiadas que eles sequer podem subir para ver o que há do outro lado. Se um de seus navios… Ou melhor, se qualquer navio, já que só o Povo do Mar tem permissão de ir até lá, aportar em qualquer outro lugar, o tal navio e a tripulação não são vistos outra vez. E isso é praticamente tudo o que sei, depois de passar mais anos do que gosto de lembrar fazendo perguntas. Os Atha’an Miere guardam seus segredos, mas não acho que saibam muita coisa. Pelo que consegui descobrir, os cairhienos eram tratados da mesma forma quando ainda tinham o direito de cruzar o Caminho da Seda, pelo Deserto. Os mercadores cairhienos nunca viram nada além de uma cidade murada, e os que desviaram de seu caminho nunca mais voltaram.

Elayne percebeu que analisava o homem da mesma forma que analisara os golfinhos. Que tipo de homem era aquele? Já devia ter rido dela umas duas vezes — e estava se divertindo, por mais que ela odiasse admitir — mas, em vez disso, falava com a seriedade de… Bem, de um pai falando com uma filha.

— Pode ser que você encontre algumas respostas neste navio, Thom. Eles estavam indo para o leste antes de convencermos a Mestra das Velas a nos levar até Tanchico. Estavam indo para Shara, a leste de Mayene pelo que disse o Mestre de Cargas. Isso deve ser depois do Deserto.