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Contar a história deixara a mulher triste. Ela precisava ser distraída.

— Jorin, por que os Atha’an Miere só dão nomes masculinos aos navios? Os nossos nomes são sempre femininos… Acho que não faz muita diferença, mas por quê?

— Os homens vão dar uma explicação diferente — explicou a Chamadora de Ventos, sorrindo — vão falar de força, grandeza, essas coisas, mas a verdade é a seguinte: um navio tem vida própria, é como um homem; tem o coração de um verdadeiro homem. — Ela esfregou o gradil com carinho, como se afagasse um ser vivo, alguém que pudesse sentir seu cuidado. — Trate-o bem, cuide dele direito, e o verá lutar por você com o mais terrível dos mares. O navio lutará por sua vida mesmo depois que o mar tiver desferido o golpe de morte. Negligencie-o, ignore os pequenos avisos que ele emite quando oferece perigo, e o navio afundará mesmo em um mar plano sob o céu azul.

Elayne esperou que Rand não fosse assim, tão caprichoso. Então por que ele fica pulando para lá e para cá, ora feliz em me ver ir embora ora mandando Juilin Sandar atrás de mim? Disse a si mesma para parar de pensar no rapaz. Rand estava muito longe. Nada podia ser feito em relação a ele, naquele momento.

Olhou por cima do ombro em direção à proa. Thom não estava mais lá. Tinha certeza de que encontrara a chave daquele enigma logo antes de sentir a Chamadora de Ventos canalizando. Algo a ver com o sorriso dele. O que quer que fosse, já não estava mais lá. Bem, pretendia encontrar a resposta outra vez antes que eles chegassem a Tanchico, mesmo que tivesse de montar guarda no homem. Mas ele ainda estaria lá de manhã.

— Jorin, quanto tempo falta até chegarmos em Tanchico? Ouvi dizer que os forcadores são os navios mais velozes do mundo, mas quão rápidos são?

— Em Tanchico? Para servir ao Coramoor, não vamos fazer paradas em nenhum porto no caminho. Talvez dez dias, se eu conseguir tecer bem os ventos, se aprouver à Luz que eu encontre as boas correntes. Talvez até em sete ou oito, com a graça da Luz.

— Dez dias? — repetiu Elayne, surpresa. — Não pode ser.

Ela vira os mapas, afinal.

O sorriso da Chamadora era metade orgulho, metade satisfação.

— Como você mesma disse, são os navios mais velozes do mundo. O segundo mais veloz leva esse tempo e mais metade para cruzar qualquer trecho, e a maioria leva mais que o dobro de dias. As embarcações que navegam perto da costa e ancoram nas águas rasas toda noite… — a mulher fungou, com desdém — levam dez vezes mais.

— Jorin, você me ensinaria a fazer o que acabou de fazer?

A Chamadora de Ventos a encarou, os olhos negros cintilando à luz fraca.

— Ensinar você? Mas você é Aes Sedai.

— Jorin, nunca urdi um fluxo com a metade da espessura desses que você estava manipulando. E com esse alcance! Estou impressionada.

A Chamadora de Ventos encarou Elayne por mais um instante, estupefata, parecendo tentar gravar o rosto da moça na memória. Enfim beijou os dedos da mão direita e pressionou-os aos lábios de Elayne.

— Se aprouver à Luz, ambas aprenderemos.

21

Dentro do Coração

A nobreza tairena lotava a grande câmara subterrânea, cujas imensas colunas de pedra vermelha polida, cada uma com dez pés de espessura, avultavam-se na escuridão acima dos lustres dourados, pendendo de correntes também douradas. Grão-lordes e Grã-ladies estavam ordenados em círculo, uma massa compacta de gente sob o enorme domo no coração da câmara, os menos nobres mais atrás. Havia fileiras e mais de fileiras de gente entre a selva de colunas, todos em seus melhores veludos e rendas, com mangas largas, golas bufantes e chapéus pontudos, todos murmurando, inquietos, os grasnados nervosos ecoando pelo teto alto. Apenas os Grão-lordes já haviam sido convocados àquele lugar, o Coração da Pedra, e ali compareciam não mais que quatro vezes por ano, atendendo ao mesmo tempo às demandas da lei e dos costumes. Todos os que não se encontravam em algum lugar do interior tinham vindo, convocados por seu novo senhor, que criava novas leis e quebrava os costumes.

A multidão amontoada abriu caminho para Moiraine assim que viram quem era, de forma que ela e Egwene avançaram com bastante espaço entre as pessoas. A ausência de Lan irritava Moiraine. Não era típico do homem desaparecer quando ela poderia precisar dele. Lan costumava tratá-la como se ela fosse incapaz de se defender sem um guardião, inclusive. Se não pudesse sentir o elo que os unia e saber que ele não estava muito distante da Pedra, teria ficado preocupada.

Lan lutava contra as cordas que Nynaeve amarrava nele com o mesmo vigor com que combatera os Trollocs na Praga, mas, por mais que negasse, a jovem o prendera com tanta força quanto a ela própria, embora de outras formas. Tentar desfazer aqueles elos era o mesmo que se dispor a romper aço com as mãos. Moiraine não era ciumenta, não exatamente, mas Lan fora seu braço armado, escudo e companheiro por muitos anos para que abrisse mão dele assim, tão fácil. Fiz o que tinha de fazer. Se eu morrer, ela ficará com ele. Mas não antes disso. Onde está esse homem? E fazendo o quê?

Uma mulher de vestido vermelho rendado, uma Senhora da Terra com cara de cavalo, chamada Leitha, ergueu as saias com um zelo um pouco excessivo, e Moiraine a encarou. Fez isso muito brevemente e sem reduzir o passo, mas a mulher estremeceu e baixou os olhos. A Aes Sedai assentiu para si mesma. Conseguia entender que aquelas pessoas odiavam as Aes Sedai, mas não toleraria grosserias descaradas além do menosprezo velado. Além do mais, o restante se retraiu um pouco mais depois de ver Leitha baixar o rosto.

— Tem certeza de que ele não comentou nada sobre o que pretende anunciar? — perguntou, baixinho.

No meio do burburinho, ninguém a três passadas de distância seria capaz de distinguir uma palavra. Os tairenos estavam a essa distância. Ela não gostava de ser entreouvida.

— Nada — respondeu Egwene, também baixinho. Soava tão irritada quanto Moiraine.

— Houve rumores.

— Rumores? Que tipo de rumores?

A garota não era muito boa em controlar a expressão ou a voz, e claramente não ouvira os boatos sobre os acontecimentos em Dois Rios. Mas pensar o mesmo de Rand seria como deixar o cavalo solto e torcer para ele não fugir.

— Egwene, deveria encorajá-lo a dividir seus pensamentos com você. Ele precisa de um ouvido amigo. Pode ser de alguma ajuda falar dos problemas com alguém de confiança.

A Aceita lançou um olhar de esguelha a Moiraine. Estava se tornando sofisticada demais para métodos tão simples. Ainda assim, a Aes Sedai dissera a verdade nua e crua: o rapaz de fato precisava de alguém para ouvi-lo, alguém que, ao fazê-lo, suavizasse o peso de seus fardos. E isso poderia funcionar.

— Ele não divide nada com ninguém, Moiraine. Esconde as dores que sente, espera ser capaz de lidar com elas antes que alguém perceba. — A raiva faiscou no rosto de Egwene. — Aquela mula cabeça de lã!

Moiraine sentiu uma leve compaixão. Não dava para esperar que a garota aceitasse ver Rand e Elayne passeando de braços dados e trocando beijos pelos cantos, quando pensavam não estar sendo vistos. E Egwene não sabia nem da metade. A pena não durou. Havia muitas outras coisas importantes com que se preocupar do que uma garota choramingando pelo que não poderia ter, mesmo se quisesse.

Àquela altura, Elayne e Nynaeve deviam estar a bordo do forcador, fora do caminho. A viagem esclareceria se as suspeitas que tinha acerca das Chamadoras de Ventos estavam corretas. Mas aquilo era um ponto menos importante. Na pior das hipóteses, as duas tinham dinheiro o bastante para comprar um navio e contratar uma tripulação — o que talvez fosse necessário, dados os rumores em relação a Tanchico — com bastante de sobra para os subornos, uma necessidade tão frequente para lidar com os oficiais tarabonianos. O quarto de Thom Merrilin estava vazio, e os informantes de Moiraine relataram tê-lo ouvido resmungando sobre Tanchico ao sair da Pedra. O menestrel garantiria que as moças arrumariam uma boa tripulação e encontrariam os oficiais certos. O suposto plano para Mazrim Taim era a mais provável das duas possibilidades, mas suas mensagens à Amyrlin decerto tinham dado conta disso. As duas jovens estariam mais aptas a lidar com a chance muito menos provável de um perigo misterioso oculto em Tanchico, além de não a perturbarem mais e estarem longe de Rand. Moiraine só achava ruim que Egwene tivesse se recusado a ir com as duas. Tar Valon teria sido o melhor destino para as três, mas Tanchico estava de bom tamanho.