— Ótimo — disse Stannis — porque não tolerarei outros reis em Westeros. Assinou a outorga?
— Não, Vossa Graça. — E aí vem. Jon fechou os dedos queimados e voltou a abri-los. — Pede muito.
— Pedir? Eu lhe pedi para ser Senhor de Winterfell e Protetor do Norte. Exijo esses castelos.
— Cedemos-lhe Fortenoite.
— Ratazanas e ruínas. É um presente de avarento que nada custa a quem o dá. O seu próprio homem, Yarwyck, diz que levará meio ano até que o castelo possa ficar pronto para habitar.
— Os outros fortes não estão em melhor estado.
— Sei disso. Não importa. São tudo o que temos. Há dezenove fortes ao longo da Muralha, e tem homens apenas em três deles. Tenciono ter todos de novo guarnecidos antes de o ano acabar.
— Não levanto qualquer objeção a isso, senhor, mas também se diz que pretende ceder esses castelos aos seus cavaleiros e senhores, para os defenderem como seus feudos enquanto vassalos de Vossa Graça.
— Espera-se dos reis que sejam generosos para com os seus seguidores. Será que o Lorde Eddard não ensinou nada ao seu bastardo? Muitos dos meus cavaleiros e senhores abandonaram terras ricas e castelos robustos no sul. Deverá a sua lealdade ficar por recompensar?
— Se Vossa Graça desejar perder todos os vassalos do senhor meu pai, não há maneira mais certa do que dando palácios nortenhos a senhores do sul.
— Como posso eu perder homens que não tenho? Se bem se lembra, tive a esperança de outorgar Winterfell a um nortenho. A um filho de Eddard Stark. Ele atirou-me a oferta à cara. — Stannis Baratheon com uma desfeita era como um mastim com um osso; roía-a até a fazer em lascas.
— Pelo direito, Winterfell deve passar para a minha irmã Sansa.
— Refere-se à Senhora Lannister? Está assim tão ansioso por ver o Duende empoleirado no cadeirão do seu pai? Prometo-lhe que tal coisa não acontecerá enquanto eu for vivo, Lorde Snow. Jon sabia que não valia a pena insistir naquele ponto.
— Senhor, alguns afirmam que pretende atribuir terras e castelos ao Camisa de Chocalho e ao Magnar de Thenn.
— Quem lhe disse isso? O falatório ouvia-se em todo o Castelo Negro.
— Se tem de saber, quem me contou a história foi Goiva.
Quem é essa Goiva?
— A ama-de-leite — disse a Senhora Melisandre. — Vossa Graça concedeu-lhe liberdade de castelo.
— Mas não para andar contando histórias. Ela é desejada pelas tetas, não pela língua. Quero dela mais leite e menos mensagens. — Castelo Negro não tem falta de bocas inúteis — concordou Jon. —Vou mandar Goiva para sul no próximo navio partindo de Atalaialeste. Melisandre tocou o rubi que trazia ao pescoço.
— Goiva tem dado de mamar não só ao seu filho, como ao de Dalla. Parece cruel da sua parte separar o nosso pequeno príncipe do seu irmão de leite, senhor.
Agora cuidado, cuidado.
— Tudo o que partilham é o leite materno. O filho de Goiva é maior e mais robusto. Distribui pontapés ao príncipe e o belisca e o afasta do seio. O pai dele foi Craster, um homem cruel e ganancioso, e o sangue se revela.
O rei estava confuso.
— Julgava que a ama-de-leite era filha desse tal Craster…
— Era filha e esposa, Vossa Graça. Craster casava com todas as filhas. O filho de Goiva foi o fruto dessa união.
Foi o próprio pai que gerou nela a criança? — Stannis parecia chocado. — Então é bom nos ver livres dela. Não tolerarei tais abominações aqui. Isto não é Porto Real.
— Posso encontrar outra ama-de-leite. Se não houver nenhuma entre os selvagens, pedirei aos clãs da montanha. Até essa altura, o leite de cabra deverá ser suficiente para o rapaz, se agradar a Vossa Graça.
— Pobre alimentação para um príncipe… mas melhor do que leite de rameira, sim. — Stannis fez tamborilar os dedos no mapa. — Se pudermos regressar à questão destes fortes…
— Vossa Graça — disse Jon, com gélida cortesia — eu abriguei os seus homens e alimentei-os, a um custo terrível para as nossas provisões de inverno. Vesti-os para não congelarem.
Stannis não se mostrou apaziguado.
— Sim, partilhaste o porco salgado e as papas de aveia, e atiraste-nos para cima uns trapos pretos para nos mantermos quentes. Trapos que os selvagens teriam tirado aos seus cadáveres se eu não tivesse vindo para norte.
Jon ignorou aquilo.
— Dei-lhes ração para os cavalos e, depois de a escada estar pronta, emprestarei lhes construtores para restaurar Fortenoite. Até concordei em lhe permitir instalar selvagens na Dádiva, que foi oferecida à Patrulha da Noite para todo o sempre.
— Ofereceu-me terras vazias e desolações, nega-me os castelos de que preciso para recompensar os meus senhores e vassalos.
— Foi a Patrulha da Noite que construiu esses castelos…
— E foi a Patrulha da Noite que os abandonou.
—… para defender a Muralha — concluiu obstinadamente Jon — não como sedes para senhores do sul. A argamassa que une as pedras desses fortes foi feita com o sangue e os ossos dos meus irmãos, há muito mortos. Não posso lhes dar.
— Não pode ou não quer? — os tendões no pescoço do rei projetavam-se, aguçados como espadas. — Ofereci-lhe um nome.
— Eu tenho um nome, Vossa Graça.
— Snow. Terá alguma vez havido nome de pior agouro? — Stannis tocou o cabo da sua espada. — Quem, ao certo, julga você ser?
— O vigilante nas muralhas. A espada na escuridão.
— Não papagueie as suas palavras comigo. — Stannis puxou pela espada a que chamava Luminífera. — A sua espada na escuridão está aqui. — Luz ondulou ao longo da lâmina, para cima e para baixo, ora vermelha, ora amarela, logo cor de laranja, pintando a cara do rei com tonalidades duras e brilhantes. — Até um rapaz inexperiente devia ser capaz de ver isso. É cego?
— Não, senhor. Concordo que esses castelos devem ser guarnecidos…
— O rapaz comandante concorda. Que sorte.
—… pela Patrulha da Noite.
— Você não tem homens suficientes.
— Então me dê-os, senhor. Fornecerei oficiais para cada um dos fortes abandonados, comandantes experientes que conhecem a Muralha e as terras para lá dela, e como melhor sobreviver ao inverno que se aproxima. Em troca de tudo o que lhes demos, forneça-me os homens para preencher as guarnições. Homens-de-armas, besteiros, rapazes em bruto. Até aceitarei os seus feridos e enfermos.
Stannis fitou-o, incrédulo, e depois soltou uma gargalhada.
— É bastante ousado, Snow, reconheço, mas, se julga que os meus homens vão vestir o negro, está louco.
— Podem vestir mantos das cores que preferirem desde que obedeçam aos meus oficiais como obedeceriam aos seus. O rei mostrou-se intransigente.
— Tenho cavaleiros e senhores ao meu serviço, rebentos de Casas nobres antigas em honra. Não pode esperar-se deles que sirvam às ordens de larápios, camponeses e assassinos.