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Ou bastardos, senhor?

— O seu próprio Mão é um contrabandista.

— Era um contrabandista. Encurtei-lhe os dedos por isso. Disseram-me que é o nongentésimo nonagésimo oitavo homem a comandar a Patrulha da Noite, Lorde Snow. O que acha que o nongentésimo nonagésimo nono poderá dizer sobre esses castelos? A visão da sua cabeça num espigão pode inspirá-lo a ser mais prestável. — O rei pousou a brilhante espada no mapa, ao longo da muralha, com o aço tremeluzindo como luz do sol em água. — O único motivo por que é senhor comandante é eu tolerá-lo. Faria bem em se lembrar disso.

— Eu sou senhor comandante porque os meus irmãos me escolheram. — Havia manhãs em que o próprio Jon Snow não acreditava bem no fato, quando acordava pensando que aquilo devia ser, sem dúvida, um sonho louco qualquer. É como vestir roupa nova, dissera-lhe Sam. A princípio o corte parece estranho, mas depois de usá-la durante algum tempo acaba por se sentir confortável.

— Alliser Thorne queixa-se da forma da sua escolha, e não posso dizer que ele não tem razão de queixa. — O mapa estendia-se entre os dois como um campo de batalha, encharcado nas cores da espada cintilante. —A contagem foi feita por um cego com o seu amigo gordo a seu lado. E Slynt chama-o de vira-casaca.

E quem o saberia melhor do que Slynt?

— Um vira-casaca diria o que quer ouvir e o trairia mais tarde. Vossa Graça sabe que eu fui escolhido com justiça. O meu pai sempre disse que era um homem justo. — Justo, mas rígido tinham sido as palavras exatas do Lorde Eddard, mas a Jon não parecia que fosse sensato partilhar esse fato.

— Lorde Eddard não foi meu amigo, mas não era desprovido de algum juízo. Ele teria me dado esses castelos.

Nunca.

— Não posso falar do que o meu pai podia ter feito. Prestei um juramento, Vossa Graça. A Muralha é minha.

— Por agora. Veremos o quão bem a defenderá. — Stannis apontou para ele. — Fique com as suas ruínas, visto que significam tanto para você. Mas prometo-lhe que se alguma continuar vazia quando o ano terminar, eu as ocuparei com a sua licença ou sem ela. E se alguma cair nas mãos do inimigo, a sua cabeça depressa a seguirá. E agora saia. A Senhora Melisandre ergueu-se do seu lugar junto da lareira.

— Com a vossa licença, senhor, eu levo Lorde Snow até os seus aposentos.

— Porquê? Ele conhece o caminho. — Stannis fez-lhes sinal para saírem os dois embora. — Faça o que quiser. Devan, comida. Ovos cozidos e água com limão. Após o calor do aposento privado do rei, a escada em caracol parecia fria de gelar ossos.

— O vento está aumentando, senhora — avisou o sargento a Melisandre enquanto devolvia a Jon as suas armas. — Talvez queira um manto mais quente.

— Tenho a minha fé para me aquecer. — A mulher vermelha caminhou ao lado de Jon pela escada abaixo. — Sua Graça está se tornando seu amigo.

— Já reparei. Só ameaçou me decapitar por duas vezes. Melisandre riu.

— São os seus silêncios que deve temer, não as palavras. — Quando saíram para o pátio, o vento inflou o manto de Jon e o fez esvoaçar contra a mulher. A sacerdotisa vermelha afastou a lã negra e enfiou o braço no dele. — Pode acontecer que não se enganaste sobre o rei selvagem. Rezarei ao Senhor da Luz para que me guie. Quando olho as chamas, consigo ver através da pedra e da terra, e descobrir a verdade no interior das almas dos homens. Consigo falar com reis há muito mortos e crianças ainda não nascidas, e ver os anos e as estações a passar, até ao fim dos dias.

— Os seus fogos nunca se enganam?

— Nunca… se bem que nós, os sacerdotes, sejamos mortais e por vezes erramos, confundido isto tem de acontecer com isto pode acontecer.

Jon conseguia sentir o calor dela, mesmo através da lã e couro fervido. O fato de irem de braço dado estava atraindo olhares curiosos. Esta noite vai haver cochichos nas casernas.

— Se realmente é capaz de ver o amanhã nas suas chamas, diga-me quando e aonde chegará o próximo ataque dos selvagens. — Fez deslizar o braço para libertá-lo.

— R’hllor envia-nos as visões que quer enviar, mas eu procurarei esse tal Tormund nas chamas. — Os lábios vermelhos de Melisandre curvaram-se num sorriso. — Vi-o nos meus fogos, Jon Snow.

— Isso é uma ameaça, senhora? Tenciona queimar-me também?

— Entendeu mal o que eu queria dizer. — Deitou-lhe um olhar perscrutador. — Temo que o deixe intranquilo, Lorde Snow. Jon não o negou.

— A Muralha não é lugar para uma mulher.

— Engana-se. Eu sonhei com a sua Muralha, Jon Snow. Grande foi o saber que a ergueu, e grandes são os feitiços que estão trancados sob o seu gelo. Caminhamos à sombra de uma das dobradiças do mundo. — Melisandre ergueu os olhos para ela, com a respiração transformando-se numa nuvem quente e úmida no ar. — Isto é tanto o meu lugar como o seu, e muito em breve poderá vir a ter grande necessidade de mim. Não recuse a minha amizade, Jon. Vi-o na tempestade, muito pressionado, com inimigos por todos os lados. Tem tantos inimigos. Quer que diga os seus nomes?

— Eu conheço os seus nomes.

— Não tenha tanta certeza. — O rubi na garganta de Melisandre cintilou rubro. — Não são os adversários que os amaldiçoam na cara que deve temer, mas aqueles que sorriem quando esta olhando e afiam as facas quando vira as costas. Faria bem em manter o seu lobo bem junto de ti. Gelo, vejo eu, e punhais no escuro. Sangue congelado, vermelho e duro, e aço nu. Estava muito frio.

— Está sempre frio na Muralha.

 — Acha que sim?

— Eu sei que sim, senhora.

— Então não sabe nada, Jon Snow — murmurou a mulher.

BRAN

Já chegamos?

Bran nunca dizia as palavras em voz alta, mas elas subiam-lhe frequentemente aos lábios enquanto o seu esfarrapado grupo se arrastava através de bosques de antigos carvalhos e altas árvores-sentinelas cinzentas-esverdeadas, passando por sombrios pinheiros marciais e castanheiros nus e castanhos. Estamos perto? Perguntava-se o rapaz quando Hodor trepava uma encosta pedregosa, ou descia para dentro de uma abertura escura onde montes de neve suja acumulada pelo vento rangiam sob os seus pés. Ainda falta muito? Pensava, enquanto o alce gigante atravessava, esparrinhando, um ribeirão meio gelado. Quanto falta até lá? Está tão frio. Onde está o corvo de três olhos?

Balançando no seu cesto de vime às costas de Hodor, o rapaz encolheu-se, baixando a cabeça quando o grande moço de estrebaria passou por baixo de um ramo de carvalho. A neve estava outra vez a cair, úmida e pesada. Hodor caminhava com um olho fechado pelo gelo, com a espessa barba castanha transformada num emaranhado de geada, com pingentes pendendo das pontas do seu cerrado bigode. Uma mão enluvada ainda agarrava a enferrujada espada de ferro que retirara das criptas por baixo de Winterfell, e de vez em quando ele a brandia contra um ramo, fazendo voaruma nuvem de neve.

— Hod-d-d-dor — resmungava, com os dentes batendo.

O som era estranhamente tranquilizador. Na viagem de Winterfell até à Muralha, Bran e os companheiros tinham tornado as milhas mais curtas conversando e contando histórias, mas ali era diferente. Até Hodor o sentia. Os seus hodores surgiam com menos frequência do que a sul da Muralha. Havia uma quietude naquela floresta que não era como nada que Bran tivesse experimentado. Antes de começarem as nevascas, o vento do norte rodopiava em volta deles e nuvens de folhas mortas e castanhas erguiam-se do chão com um tênue som de restolhada que lhe fazia lembrar baratas correndo num armário, mas agora todas as folhas estavam enterradas sob um cobertor de brancura. De tempos a tempos, um corvo voava por cima deles, grandes asas negras batendo contra o ar frio. À parte isso, o mundo estava silencioso.