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Mesmo em frente, o alce serpenteava por entre os montes de neve com a cabeça baixa e as enormes armações cobertas de gelo. O patrulheiro seguia sentado no seu largo dorso, sombrio e silencioso. O nome que o gordo Sam lhe dera era Mãos-Frias pois, embora a cara do patrulheiro fosse branca, as mãos eram negras e duras como ferro, e também frias como ferro. O resto dele estava envolto em camadas de lã, couro fervido e cota de malha, e os seus traços eram obscurecidos pelo capuz do manto e por um cachecol negro de lã que enrolava em volta da metade inferior da cara.

Atrás do patrulheiro, Meera Reed envolvia com os braços o irmão, para protegê-lo do vento e do frio com o calor do seu corpo. Uma crosta de ranho congelado formara-se por baixo do nariz de Jojen, e de vez em quando ele tremia violentamente. Parece tão pequeno, pensou Bran, enquanto o via oscilar. Agora parece menor do que eu, e também mais fraco, e o aleijado sou eu.

Verão fechava a retaguarda do pequeno bando. O hálito do lobo gigante ia gelando o ar da floresta à medida que caminhava atrás deles, ainda a coxear da pata traseira que fora atingida pela seta em Corodarrainha. Bran sentia a dor do velho ferimento sempre que deslizava para dentro dapele do grande lobo. Nos últimos tempos, Bran usava mais frequentemente o corpo de Verão do que o seu; o lobo sentia a mordida do frio, apesar da espessura da pelagem, mas via até mais longe, ouvia melhor e cheirava mais do que o rapaz no cesto, entrouxado como um bebê.

Noutras alturas, quando se fartava de ser lobo, Bran deslizava para dentro da pele de Hodor. O gentil gigante choramingava quando o sentia, e sacudia a cabeça peluda de um lado para o outro, mas não com tanta violência como fizera da primeira vez, em Corodarrainha. Ele sabe que sou eu, gostava o rapaz de dizer a si. Por esta altura já está habituado a mim. Mesmo assim, nunca se sentia confortável dentro da pele de Hodor. O grande moço de estrebaria nunca compreendia o que estava acontecendo, e Bran conseguia sentir o medo no fundo da boca dele. Dentro de Verão era melhor. Eu sou ele e ele é eu. Ele sente o que eu sinto.

Por vezes, Bran conseguia sentir o lobo gigante farejando o alce, se perguntando se seria capaz de abater o grande animal. Verão habituara-se a cavalos em Winterfell, mas aquilo era um alce, e os alces eram presas. O lobo gigante detectava o sangue quente correndo por baixo da pelagem enriçada do alce. Bastava o cheiro para lhe fazer salivar entre as mandíbulas, e quando o fazia a boca de Bran salivava ao pensar em carne rica e escura.

Um corvo soltou um quorc num carvalho ali perto, e Bran ouviu o som de asas quando outra das grandes aves negras desceu para pousar ao lado da primeira. De dia, só meia dúzia de corvos permanecia com eles, esvoaçando de árvore em árvore ou avançando empoleiradas nas hastes do alce. O resto do bando voava em frente ou deixava-se fi car para trás. Mas quando o Sol baixava eles regressavam, descendo do céu em asas negras como a noite até que todos os ramos de todas as árvores ficavam repletos de corvos vários metros ao redor. Alguns voavam até o patrulheiro e resmungavam-lhe, e a Bran parecia que compreendia os seus guinchos e crocitos. São os seus olhos e ouvidos. Batem o terreno por ele, e murmuram-lhe sobre perigos que há em frente e atrás.

Como agora. O alce parou de súbito, e o patrulheiro saltou com ligeireza do seu dorso para ir aterrar em neve que lhe dava pelo joelho. Verão rosnou-lhe, com o pelo eriçado. O lobo gigante não gostava do cheiro de Mãos-Frias. Carne morta, sangue seco, uma ténue lufada de podridão. E frio. Acima de tudo, frio.

— O que se passa? — quis saber Meera.

— Atrás de nós — anunciou Mãos-Frias, com a voz abafada pelo cachecol de lã negra que lhe cobria o nariz e a boca.

— Lobos? — perguntou Bran. Já sabiam havia dias que estavam  sendo seguidos. Todas as noites ouviam os uivos fúnebres da alcateia, e todas as noites os lobos pareciam um pouco mais próximos. Caçadores, e com fome. Conseguem cheirar a nossa fraqueza. Era frequente Bran acordar tremendo, horas antes da alvorada, à escuta do barulho que eles faziam a chamarem-se uns aos outros à distância enquanto esperava que o Sol se erguesse. Se há lobos, deve haver presas, costumava pensar, até que lhe ocorrera que as presas eram eles. O patrulheiro abanou a cabeça.

— Homens. Os lobos continuam mantendo a distância. Estes homens não são tão tímidos.

Meera Reed empurrou o capuz para trás. A neve úmida que o cobrira caiu ao chão com um baque suave.

— Quantos homens? Quem são?

— Inimigos. Eu trato deles.

— Eu vou contigo.

— Você fica. O rapaz tem de ser protegido. Há um lago em frente, completamente gelado. Quando lá chegar, vira para norte e segue a margem. Acabarás por chegar a uma aldeia piscatória. Refugiam-se aí até que eu lhes apanhe. Bran julgou que Meera pretendia discutir, mas o irmão dela disse:

— Faz o que ele diz. Ele conhece esta terra. — Os olhos de Jojen eram de um verde escuro, a cor do musgo, mas estavam pesados com uma fadiga que Bran nunca antes vira neles. O pequeno avô. A sul da Muralha, o rapaz dos pauis parecera ter uma sabedoria que ultrapassava a sua idade, mas ali em cima estava tão perdido e assustado como os outros. Mesmo assim, Meera dava-lhe sempre ouvidos.

Isso continuava a ser verdade. Mãos-Frias se esgueirou por entre as árvores, regressando pelo caminho por onde tinham vindo, com quatro corvos a esvoaçar atrás dele. Meera viu-o partir, com as bochechas vermelhas de frio, a respiração a gerar nuvenzinhas assim que saía pelas narinas. Voltou a puxar o capuz para cima, deu ao alce um pequeno empurrão e a viagem foi reatada. Mas antes de se afastarem vinte metros, ela virou-se para olhar para trás e disse:

— Homens, diz ele. Que homens? Falará de selvagens? Porque é que não quer dizer?

— Disse que ia tratar deles — disse Bran.

— Ele disse, sim. Também disse que nos levava ao tal corvo de três olhos. Aquele rio que atravessamos hoje de manhã é o mesmo que atravessamos há quatro dias, juro. Estamos andando em círculos.

— Os rios curvam e torcem-se — disse Bran com incerteza — e onde há lagos e colinas tem de se dar a volta.

— Tem havido muito dar de volta — insistiu Meera — e muitos segredos. Não gosto disto. Não gosto dele. E não confio nele. Aquelas mãos que tem já são suficientemente más. Esconde a cara e não nos quer dizer o nome. Quem é? O que é? Qualquer um pode vestir um manto preto. Qualquer um ou qualquer coisa. Ele não come, nunca bebe, não parece sentir o frio.

É verdade. Bran tivera medo de falar do assunto, mas reparara. Sempre que se abrigavam para a noite, enquanto ele, Hodor e os Reed se aninhavam juntos para obter calor, o patrulheiro mantinha-se à parte. Às vezes, Mãos-Frias fechava os olhos, mas Bran julgava que não dormia. E havia mais uma coisa…

— O cachecol. — Bran olhou em volta, inquieto, mas não se via um corvo em lado nenhum. Todas as grandes aves pretas os tinham abandonado quando o patrulheiro o fizera. Ninguém estava ouvindo. Mesmo assim, manteve a voz baixa. — O cachecol por cima da boca dele, nunca fica todo duro com gelo, como a barba de Hodor. Nem sequer quando ele fala.