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Meera dirigiu-lhe um olhar penetrante.

— Tem razão. Nunca vimos a sua respiração, não é?

— Não. — Uma baforada de branco anunciava cada um dos hodores de Hodor. Quando Jojen ou a irmã falavam, as suas palavras também se conseguiam ver. Até o alce deixava uma névoa tépida no ar quando exalava.

— Se ele não respira…

Bran deu por si recordando as histórias que a Velha Nan lhe contara quando era pequeno. Para lá da Muralha vivem os monstros, os gigantes e os vampiros, as sombras caçadoras e os mortos que caminham, dizia ela, aconchegando-o por baixo da manta de lã que dava comichão, mas não podem passar enquanto a Muralha se mantiver forte e os homens da Patrulha da Noite forem fiéis. Portanto dorme, meu pequeno Brandon, meu bebezinho, e sonha sonhos doces. Aqui não há monstros. O patrulheiro usava o negro da Patrulha da Noite, mas e se não fosse um homem? E se fosse um monstro qualquer, que os estivesse levando a outros monstros para serem devorados?

— O patrulheiro salvou Sam e a mulher das criaturas — disse Bran, com hesitação — e está me levando ao corvo de três olhos.

— E porque é que esse corvo de três olhos não vem falar conosco? Porque é que não pôde ser ele a se encontrar com a gente na Muralha? Os corvos têm asas. O meu irmão fica mais fraco todos os dias. Durante quanto tempo podemos continuar? Jojen tossiu.

— Durante o tempo necessário para chegarmos lá. Chegaram ao lago que lhes fora prometido não muito tempo depois, e viraram para norte como o patrulheiro lhes pedira. Essa foi à parte fácil.

A água estava congelada, e a neve caíra durante tanto tempo que Bran perdera a conta dos dias, transformando o lago num vasto deserto branco. Onde o gelo era plano e o terreno acidentado, o avanço era fácil, mas onde o vento empurrara a neve formando elevações, era por vezes difícil determinar onde o lago terminava e a margem começava. Mesmo as árvores não eram guias tão infalíveis como poderiam ter esperado, pois havia ilhas arborizadas no lago e vastas áreas em terra onde não crescia qualquer árvore.

O alce seguia para onde queria, independentemente dos desejos de Meera e Jojen, que o montavam. Normalmente, mantinha-se sob as árvores, mas onde a margem se curvava para oeste tomava o caminho mais dire-to através do lago gelado, avançando por entre montes de neve mais altos do que Bran enquanto o gelo estalava sob os seus passos. Aí, o vento era mais forte, um frio vento de norte que uivava por cima do lago, lhes apunhalava as camadas de lã e couro e os deixava todos tremendo. Quando lhes soprava nas caras, atirava-lhes neve para os olhos e deixava-os praticamente cegos.

Horas passaram em silêncio. Em frente, as sombras começaram avançando furtivamente por entre as árvores, os longos dedos do ocaso. A escuridão chegava cedo ali tão para norte. Bran acabara por temer isso. Cada dia parecia mais curto do que o anterior e, ao passo que os dias eram frios,as noites eram amargamente cruéis.

Meera voltou a fazê-los parar.

— Por esta altura já devíamos ter chegado à aldeia. — A sua voz soou abafada e estranha.

— Será possível termos passado por ela? — perguntou Bran.

— Espero que não. Temos de encontrar abrigo antes de a noite cair. Não se enganava. Os lábios de Jojen estavam azuis, as bochechas de Meera vermelhas escuras. A cara do próprio Bran estava adormecida. A barba de Hodor era gelo sólido. Neve cobria-lhe as pernas quase até ao joelho, e Bran sentira-o cambalear por mais de uma vez. Ninguém era tão forte como Hodor, ninguém. Se até a sua grande força estava fraquejando…

— O Verão pode encontrar a aldeia — disse Bran de súbito, com as palavras transformando-se em névoa no ar. Não esperou para ouvir o que Meera poderia dizer, mas fechou os olhos e deixou-se fluir para fora do seu corpo quebrado.

Quando deslizou para dentro da pele de Verão, a floresta morta ganhou uma súbita vida. Onde antes houvera silêncio, agora ouvia: vento nas árvores, a respiração de Hodor, o alce caminhando em busca de forragem. Cheiros familiares encheram-lhe as narinas: folhas úmidas e erva morta, a carcaça apodrecida de um esquilo que se decompunha entre a vegetação rasteira, o fedor azedo do suor humano, o odor almiscarado do alce. Comida. Carne. O alce apercebeu-se do seu interesse. Virou a cabeça para o lobo gigante, cauteloso, e baixou as grandes hastes.

Ele não é presa, sussurrou o rapaz ao animal que partilhava a sua pele. Deixa-o. Corre.

Verão correu. Precipitou-se pelo lago afora, levantando atrás de si nuvens de neve com as patas. As árvores erguiam-se, ombro contra ombro, como homens numa linha de batalha, todas cobertas de branco. O lobo gigante correu sobre raízes e rochas, por cima de um monte de neve antiga, cuja crosta estalava sob o seu peso. As suas patas ficaram úmidas e frias. Acolina seguinte estava coberta de pinheiros, e o penetrante odor das agulhas enchia o ar. Quando chegou ao cume, descreveu um círculo, farejando o ar, após o que levantou a cabeça e uivou.

Os cheiros estavam lá. Cheiros de homem.

Cinzas, pensou Bran, antigas e ténues, mas cinzas. Era o cheiro de madeira queimada, de fuligem e de carvão. Uma fogueira apagada.

Sacudiu a neve do focinho. O vento soprava em rajadas, o que fazia com que os cheiros fossem difíceis de seguir. O lobo andou de um lado para o outro, farejando. A toda a volta havia montes de neve e árvores altas vestidas de branco. O lobo deixou a língua pender por entre os dentes, saboreando o ar gélido, com a respiração a transformar-se em névoa enquanto flocos de neve se lhe derretiam na língua. Quando trotou na direção do cheiro, Hodor arrastou-se imediatamente atrás dele. O alce levou mais tempo decidindo, portanto, Bran regressou com relutância ao seu corpo e disse:

— Por ali. Segue o Verão. Eu cheirei a aldeia.

Quando a primeira lasca de um crescente de lua espreitou através das nuvens, tropeçaram por fim na aldeia junto ao lago. Tinham-na quase atravessado. Vista do gelo, a aldeia não parecia diferente de uma dúzia de outros locais ao longo da margem do lago. Enterradas sob montes de neve acumulada pelo vento, as casas redondas de pedra podiam ter sido com igual facilidade pedregulhos, outeiros ou troncos caídos, como a pilha de madeira morta que Jojen confundira com um edifício no dia anterior, antes de a escavarem e descobrirem apenas ramos partidos e troncos putrefatos.

A aldeia estava vazia, abandonada pelos selvagens que tinham ali vivido, como todas as outras aldeias por que tinham passado. Algumas tinham sido queimadas, como se os habitantes quisessem assegurar-se de que não poderiam regressar, mas aquela fora poupada ao archote. Por baixo da neve descobriram uma dúzia de cabanas e um edifício comum, com o seu telhado de colmo e espessas paredes de troncos desbastados.

— Pelo menos vamos ficar fora do alcance do vento — disse Bran.

— Hodor — disse Hodor.

Meera deslizou de cima do alce. Ela e o irmão ajudaram a erguer Brando cesto de vime.

— Pode ser que os selvagens tenham deixado alguma comida para trás — disse.

Aquela revelou ser uma vã esperança. Dentro do edifício comum encontraram as cinzas de uma fogueira, um chão de terra batida, um frio que chegava aos ossos. Mas, pelo menos, tinham um telhado por cima das cabeças e paredes de troncos para manter o vento afastado. Um ribeiro corria ali perto, coberto por uma película de gelo. O alce teve de parti-la com o casco para beber. Depois de Bran, Jojen e Hodor estarem instalados e em segurança, Meera foi buscar uns pedaços de gelo quebrado para eles chuparem. A água derretida era tão fria que fez Bran estremecer.