Выбрать главу

Verão não os seguiu para dentro do edifício comum. Bran conseguia sentir a fome do grande lobo, uma sombra da sua.

— Vai caçar — disse-lhe — mas deixa o alce em paz. — Parte de si desejava também poder ir caçar. Talvez o fizesse, mais tarde.

O jantar foi um punhado de bolotas, esmagadas e feitas em pasta, tão amarga que Bran teve vômitos quando tentou mantê-la no estômago. Jojen Reed nem sequer fez a tentativa. Mais jovem e mais débil do que a irmã, ia ficando mais fraco todos os dias.

— Jojen, tem de comer — disse-lhe Meera.

— Mais tarde. Só quero descansar. — Jojen fez um sorriso triste. —Não é este o dia em que eu morro, irmã. Prometo.

— Quase caiu do alce.

— Quase. Tenho frio e fome, é só isso.

— Então come.

— Bolotas esmagadas? Dói-me a barriga, mas isso só ia piorar a dor. Deixa-me assim, irmã. Estou sonhando com galinha assada.

— Os sonhos não vão te sustentar. Nem sequer os sonhos verdes.

— Sonhos são aquilo que temos.

Tudo o que temos. A última comida que tinham trazido do sul esgotara-se dez dias antes. Desde então, a fome caminhava ao lado deles, de dia e de noite. Até Verão era incapaz de encontrar caça naquela floresta. Viviam de bolotas esmagadas e de peixe cru. A floresta estava cheia de ribeiros gelados e lagos frios e negros, e Meera era tão boa pescadora com a sua lança para rãs de três dentes como a maior parte dos homens com linha e anzol. Havia dias em que os lábios dela estavam azuis de frio quando regressava para junto deles com o peixe contorcendo-se nos dentes da lança. Mas já tinham se passado três dias desde que Meera apanhara um peixe. Bran sentia a barriga tão vazia que podiam ter sido três anos.

Depois de terem se forçado a engolir o magro jantar, Meera sentou-se com as costas encostadas a uma parede, afiando o punhal numa pedra de amolar. Hodor acocorou-se junto da porta, balançando para trás e para afrente sobre os calcanhares e murmurando “hodor, hodor, hodor.”

Bran fechou os olhos. Estava demasiadamente frio para conversar, e não se atreviam a acender uma fogueira. O Mãos-Frias avisara-os contra isso. Estas florestas não estão tão vazias como pensam, dissera. Não podem saber o que a luz poderá fazer sair da escuridão. A recordação o fez tremer, apesar do calor de Hodor a seu lado.

O sono não vinha, não podia vir. Em vez disso havia vento, o frio mordente, luar refletido na neve, e fogo. Estava de novo dentro de Verão, a longas léguas de distância, e a noite fedia a sangue. O cheiro era forte. Uma matança, não muito longe. A carne ainda estaria quente. Saliva correu-lhe entre os dentes quando a fome despertou dentro de si. Não é alce. Não é veado. Isto não.

O lobo gigante deslocou-se na direção da carne, uma magra sombra cinzenta deslizando de árvore em árvore, através de lagoas de luar e sobre montes de neve. O vento soprava em rajadas à volta dele, mudando de direção. Perdeu o cheiro, encontrou-o, depois voltou a perdê-lo. Enquanto o procurava de novo, um som distante fez com que as orelhas se lhe espetassem.

Lobo, compreendeu de imediato. Verão avançou furtivamente na direção do som, agora cauteloso. Depressa o odor a sangue regressava, mas agora havia outros cheiros; mijo e peles mortas, caca de pássaro, penas e lobo, lobo, lobo. Uma alcateia. Ia ter de lutar pela carne.

Eles também o cheiraram. Quando avançou do seio da escuridão das árvores para a clareira ensanguentada, eles estavam a vigiá-lo. A fêmea roía uma bota de couro que ainda tinha metade de uma perna nela enfi ada, mas deixou-a cair quando ele se aproximou. O líder da alcateia, um velho macho com um focinho branco encanecido e um olho cego, avançou ao seu encontro, rosnando, revelando os dentes. Atrás dele, um macho mais jovem mostrava também os colmilhos.

Os olhos amarelos claros do lobo gigante absorveram o que o rodeava. Um emaranhado de entranhas enrolava-se por dentro de um arbusto, misturado com os ramos. Vapor erguia-se de uma barriga aberta, carregado com os cheiros de sangue e de carne. Uma cabeça que fitava sem ver um crescente de lua, com a cara rasgada e dilacerada até ao osso ensanguentado, poços no lugar de olhos e o pescoço terminando num coto irregular. Uma poça de sangue congelado, cintilando rubra e negra.

Homens. O fedor que deles vinha enchia o mundo. Vivos, tinham sido tantos como os dedos de uma pata de homem, mas agora não eram nenhum. Mortos. Acabados. Carne. Cobertos com mantos e capuzes, em tempos, mas os lobos tinham-lhes feito à roupa em bocados no frenesi de chegar à carne. Aqueles que ainda tinham caras usavam densas barbas cobertas com uma crosta de gelo e ranho congelado. A neve que caía começara a enterrar o que deles restava, tão pálida contra o negro de mantos e bragas negras e esfarrapadas. Negro.

A longas léguas de distância, o rapaz agitou-se, inquieto.

Negro. Patrulha da Noite. Eles eram da Patrulha da Noite.

O lobo gigante não se importava. Eram carne. Ele tinha fome.

Os olhos dos três lobos brilhavam, amarelos. O lobo gigante sacudiu a cabeça de um lado para o outro, com as narinas dilatadas, após o que descobriu os colmilhos num rosnido. O macho mais novo recuou. O lobo gigante conseguiu cheirar nele o medo. Cauda, compreendeu. Mas o lobo zarolho respondeu com um rugido e avançou para bloquear o seu avanço. Cabeça. E não tem medo de mim, embora tenha o dobro do seu tamanho.

Os olhos de ambos encontraram-se.

Warg!

Então, os dois precipitaram-se um contra o outro, lobo e lobo gigante, e deixou de haver tempo para pensamentos. O mundo reduziu-se a dentes e garras, a neve voando enquanto eles rolavam e giravam e se mordiam um ao outro, e os outros lobos rosnavam e atiravam dentadas à volta deles. As maxilas de Verão cerraram-se em pelo eriçado e escorregadio de geada, num membro fino como um pau seco, mas o lobo zarolho arranhou-lhe abarriga com as garras e libertou-se, rolou, atirou-se a ele. Colmilhos amarelos cerraram-se-lhe na garganta, mas Verão sacudiu o primo cinzento para longe como teria sacudido uma ratazana, após o que caiu sobre ele, atirando-o ao chão. Rolando, dilacerando, esperneando, lutaram até fi carem os dois em desalinho e sangue fresco salpicar a neve que os rodeava.

Mas, por fim, o lobo zarolho deitou-se e mostrou a barriga. O lobo gigante mordeu-o mais duas vezes, farejou-lhe o traseiro, e depois levantou uma pata por cima dele.

Algumas dentadas e um rosnido de aviso, e a fêmea e o cauda também se submeteram. A alcateia era sua.

As presas também. Deslocou-se de homem em homem, farejando, até se decidir pelo maior, uma coisa sem cara que segurava ferro negro numa mão. A outra mão estava em falta, cortada pelo pulso, e o coto estavaligado com couro. Sangue fluía, espesso e vagaroso, do rasgão que tinha na garganta. O lobo bebeu-o com a língua, lambeu a rasgada ruína sem olhos do seu nariz e bochechas e depois enfiou o focinho no pescoço e abriu-o, devorando um bocado de carne saborosa. Nunca nenhuma carne lhe caíra tão bem.

Quando acabou com aquele homem, passou ao seguinte e devorou-lhe também os melhores bocados. Corvos observavam-no das árvores, agachados nos ramos, de olhos escuros e em silêncio, enquanto a neve caía lentamente à volta deles. Os outros lobos satisfizeram-se com os seus restos; o macho velho alimentou-se primeiro, depois a fêmea, depois o cauda. Agora eram dele. Eram alcateia.