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— Em Myr era um príncipe de ladrões, até que um ladrão rival o denunciou. Em Pentos, o sotaque identificava-o, e depois de se saber que era um eunuco foi desprezado e espancado. Nunca saberei por que me escolheu para protegê-lo, mas chegámos a um acordo. Varys espiava ladrões menores e roubava o que eles roubavam. Eu oferecia-me para ajudar as vítimas, prometendo recuperar os seus objetos de valor em troca de uma gratificação. Depressa todos os homens que tinham sofrido uma perda ficaram sabendo que deviam vir falar comigo, enquanto os larápios e carteiristas da cidade procuravam Varys… metade para lhe cortar a garganta, a outra metade para lhe vender o que tinham roubado. Ambos enriquecemos e ficamos ainda mais ricos quando Varys treinou os seus ratos.

— Em Porto Real criava passarinhos.

— Nessa altura chamava-lhes ratos. Os ladrões mais velhos eram idiotas que não pensavam mais longe do que em transformar em vinho o saque de uma noite. Varys preferia rapazes órfãos e menininhas. Escolhia os menores, aqueles que eram rápidos e discretos, e ensinava-lhes a escalar muros e a descer por chaminés. Ensinamos-lhes também a ler. Deixávamos o ouro e as pedras preciosas para os ladrões comuns. Em vez disso, os nossos ratos roubavam cartas, livros-mestres, planos… mais tarde, passaram a lê-los e a deixá-los onde estavam. Os segredos valem mais do que prata ou safiras, afirmava Varys. Exatamente. Eu tornei-me tão respeitável que um primo do Príncipe de Pentos me deixou casar com a sua filha donzela, enquanto murmúrios sobre os talentos de um certo eunuco atravessavam o mar estreito e chegavam aos ouvidos de um certo rei. Um rei muito ansioso, que não confiava por completo no filho, nem na esposa, nem no Mão, um amigo de juventude que se tornara arrogante e muito orgulhoso. Julgo que conhece o resto desta história, não é verdade?

— Muita dela — admitiu Tyrion. — Vejo que afinal é algo mais do que um queijeiro. Illyrio inclinou a cabeça.

— É bondade vossa dizê-lo, meu pequeno amigo. E pela minha parte, vejo que é precisamente tão rápido de entendimento como o Lorde Varys afirmou. — Sorriu, mostrando todos os dentes tortos e amarelos, e gritou por outra garrafa de vinho ardente de Myr.

Quando o magíster adormeceu abraçado à garrafa de vinho, Tyrion gatinhou pelas almofadas para a soltar da sua prisão de carne e servir-se de uma taça. Emborcou-a, bocejou e voltou a enchê-la. Se beber suficiente vinho ardente, disse a si próprio, talvez sonhe com dragões.

Quando era ainda uma criança solitária nas profundezas de Rochedo Casterly, era frequente montar dragões pelas noites fora, fingindo ser qualquer principelho perdido Targaryen, ou um senhor dos dragões valiriano pairando bem alto sobre campos e montanhas. Uma vez, quando os tios lhe perguntaram que presente desejava pelo dia do seu nome,suplicara-lhes um dragão.

— Não precisa de ser grande. Pode ser pequeno, como eu. — O tio Gerion achara que aquela era a coisa mais engraçada que já ouvira, mas o tio Tygett dissera:

— O último dragão morreu há um século, rapaz. — Aquilo parecera tão monstruosamente injusto que o rapaz chorara até adormecer naquela noite.

Mas se fosse possível acreditar no senhor do queijo, a filha do Rei Louco chocara três dragões vivos. Mais dois do que até uma Targaryen devia necessitar. Tyrion tinha quase pena de ter matado o pai. Teria gostado de ver a cara do Lorde Tywin quando soubesse que havia uma rainha Targaryen a caminho de Westeros com três dragões, apoiada por um eunuco cheio de intrigas e um queijeiro com metade do tamanho de Rochedo Casterly.

O anão estava tão cheio que teve de desafivelar o cinto e desatar os nós superiores das bragas. A roupa de rapaz com que o seu anfitrião o vestira fazia com que se sentisse como quatro quilos de salsicha numa pele para dois quilos. Se comermos assim todos os dias, chegarei ao tamanho de Illyrio antes de conhecer esta rainha dos dragões. Fora da liteira a noite caíra. Dentro, tudo era escuridão. Tyrion escutou os roncos de Illyrio, o ranger das tiras de couro, o lento clop clop dos cascos ferrados de ferro dos cavalos na dura estrada valiriana, mas o seu coração estava à escuta dos batimentos de asas de couro.

Quando acordou, a aurora chegara. Os cavalos continuavam avançando pesadamente, com a liteira a ranger e a oscilar entre eles. Tyrion puxou a cortina um centímetro para trás a fim de espreitar o exterior, mas havia pouco para ver além de campos em tons de ocre, ulmeiros nus e castanhos,e a própria estrada, uma larga via de pedra que corria direita como uma lança até ao horizonte. Lera sobre as estradas valirianas, mas aquela era a primeira que via. O alcance da Cidade Livre chegara até Pedra do Dragão, mas nunca atingira Westeros propriamente dito. Estranho, isso. Pedra do Dragão não passa de um rochedo. A riqueza estava mais para oeste, mas eles tinham dragões. Com certeza sabiam que estava lá.

Bebera muito na noite anterior. Tinha a cabeça latejando, e mesmo o suave balanço da liteira era suficiente para lhe revolver o estômago.

Embora não soltasse uma palavra de queixa, a sua aflição deve ter sido evidente para Illyrio Mopatis.

— Vá, beba comigo — disse o gordo. — Uma escama do dragão que lhe queimou, como se costuma dizer. — Serviu-os de um jarro de vinho de amoras silvestres, tão doce que atraía mais moscas do que mel. Tyrion enxotou-as com as costas da mão e bebeu profundamente. O sabor era tão enjoativo que foi com grande dificuldade que manteve o vinho na barriga. Mas a segunda taça desceu com mais facilidade. Mesmo assim, não tinha apetite, e quando Illyrio lhe ofereceu uma tigela de amoras silvestres com creme, recusou com um gesto.

— Sonhei com a rainha — disse. — Estava de joelhos à sua frente, jurando fidelidade, mas ela confundiu-me com o meu irmão Jaime e deu-me de comer aos dragões.

— Esperemos que esse sonho não seja profético. É um anão inteligente, como Varys disse, e Daenerys vai ter necessidade de homens inteligentes à sua volta. Sor Barristan é um cavaleiro valente e fiel, mas ninguém,penso eu, alguma vez lhe chamou astucioso.

— Os cavaleiros só conhecem uma maneira de resolver um problema. Baixam a lança e arremetem. Um anão tem uma maneira diferente de olhar para o mundo. Mas e você? Você também é um homem inteligente.

 Lisonjea-me. — Illyrio abanou a mão. — Infelizmente, não fui feito para viajar, portanto, enviarei você a Daenerys em meu lugar. Prestaste um grande serviço a Sua Graça quando mataste o seu pai, e tenho a esperança de que lhe preste muitos mais. Daenerys não é a idiota que o irmão era. Ela irá usa-lo bem.

Como lumo?, pensou Tyrion, sorrindo de forma agradável.

Só trocaram de cavalos três vezes nesse dia, mas pareceram parar pelo menos duas vezes por hora para que Illyrio pudesse descer da liteira e dar uma mijada. O nosso senhor do queijo é do tamanho de um elefante, mas tem uma bexiga parecida com um amendoim, matutou o anão. Durante uma das paradas, usou o tempo para examinar melhor a estrada. Tyrion sabia o que iria encontrar; não terra batida nem tijolos nem pedras, mas uma fita de pedra fundida, erguida quinze centímetros acima do chão a fim de permitir que a chuva e a neve escorressem. Ao contrário dos trilhos lamacentos que passavam por estradas nos Sete Reinos, as estradas valirianas tinham largura suficiente para três carroças passarem lado a lado, e nem o tempo, nem o tráfego as estragavam. Ainda resistiam, imutáveis, quatro séculos depois de a própria Valíria ter encontrado a sua Perdição. Procurou sulcos e rachaduras, mas encontrou apenas uma pilha de bosta quente depositada por um dos cavalos.