O tráfego era ali mais denso. Estavam perto da extremidade oriental da Ponte Longa, que ligava as duas metades da cidade. Carros, carroças e hathays atulhavam as ruas, todos a dirigirem-se para a ponte ou vindos de lá. Havia escravos por toda a parte, numerosos como baratas, correndo de um lado para o outro a tratar dos assuntos dos seus amos.
Não muito longe da Praça dos Peixeiros e da Casa dos Mercadores, irromperam gritos de uma rua perpendicular àquela que seguiam e uma dúzia de lanceiros Imaculados em armaduras ornamentadas e mantos de pele de tigre surgiram como que vindos de nenhum lugar, fazendo sinal a toda a gente para que se afastasse, a fim de que o triarca pudesse passar empoleirado no seu elefante e escolta. O elefante do triarca era um monstro de pele cinzenta vestido com uma complicada armadura esmaltada que matraqueava suavemente quando ele se mexia, e o castelo que levava ao dorso era tão alto que raspava no topo do arco de pedra ornamental sob o qual estava a passar.
— Acha-se que os triarcas têm uma categoria tão elevada que não se permite que os seus pés toquem o chão durante o ano em que prestam serviço — disse Quentyn ao companheiro. — Vão para todo o lado montados em elefantes.
— Bloqueam as ruas e deixam pilhas de bosta com que gente como nós tem de lidar — disse Gerris. — Nunca saberei por que Volantis precisa de três príncipes quando Dorne se governa com um.
— Os triarcas não são nem reis nem príncipes. Volantis é uma cidade franca, como a Valyria de antigamente. Todos os proprietários de terras nascidos livres partilham o governo. Até as mulheres podem votar, desde que possuam terras. Os três triarcas são escolhidos de entre as famílias nobres que conseguirem provar ascendência nunca interrompida até à velha Valíria, para servirem até ao primeiro dia do novo ano. E saberia tudo isto se tivesse se incomodado de ler o livro que o Meistre Kedry te deu.
— Não tinha imagens.
— Havia mapas.
— Os mapas não contam. Se ele me tivesse dito que era sobre tigres e elefantes, podia ter tentado. Parecia-se de forma suspeita com uma história.
Quando o hathay chegou à Praça dos Peixeiros, o elefante que o puxava ergueu a tromba e soltou um som de buzina como se fosse algum enorme ganso branco, relutante em mergulhar no emaranhado de carroças, palanquins e tráfego a pé que tinha em frente. O condutor espetou-lhe os calcanhares e manteve-o em movimento.
Os vendedores de peixe estavam em força na rua, gritando as capturas da manhã. Quentyn compreendia uma palavra em duas, no máximo, mas não precisava de conhecer as palavras para conhecer os peixes. Viu bacalhaus, agulhões e sardinhas, barricas de mexilhões e amêijoas. Enguias estavam penduradas à frente de uma bancada. Outra mostrava uma gigantesca tartaruga, presa pelas patas com correntes de ferro, pesada como um cavalo. Caranguejos esgravatavam dentro de barris de salmoura e algas. Vários dos vendedores estavam fritando porções de peixe com cebolas e beterrabas, ou vendendo guisado de peixe picante que tiravam de pequenas panelas de ferro.
No centro da praça, sob a estátua estalada e sem cabeça de um triarca morto, uma multidão tinha começado a reunir-se em volta de uns anões que montavam um espetáculo. Os homenzinhos envergavam armaduras de madeira, cavaleiros em miniatura que se preparavam para uma justa. Quentyn viu um deles montar um cão, enquanto o outro saltava para cima de um porco… só para escorregar imediatamente para o chão, entre gargalhadas dispersas.
— Parecem divertidos — disse Gerris. — Paramos para vê-los lutar? Uma gargalhada podia fazer-te bem, Quent. Parece um velho que já não usa as tripas há meio ano.
Tenho dezoito anos, sou seis anos mais novo do que você, pensou Quentyn. Não sou nenhum velho. Mas em vez disso, disse:
— Não tenho necessidade nenhuma de anões cômicos. A menos que tenham um navio.
— Um pequeno, imagino.
Com quatro andares de altura, a Casa dos Mercadores dominava as docas, molhes e armazéns que a rodeavam. Ali, mercadores vindos de Vilavelha e Porto Real misturavam-se com os seus homólogos de Bravos, Pentos e Myr, com Ibbeneses peludos, com viajantes de pele clara de Qarth, com ilhéus do Verão negros como carvão vestidos com mantos de penas, até com umbromantes mascarados de Asshai da Sombra.
Quentyn sentiu as pedras do pavimento quentes sob os pés quando desceu do hathay, mesmo através do couro das botas. À porta da Casados Mercadores tinha sido montada uma mesa à sombra, decorada com flâmulas às riscas azuis e brancas que esvoaçavam a cada sopro de ar. Quatro mercenários de olhos duros preguiçavam em volta da mesa, chamando todos os homens e rapazes que por ali passavam. Aventados, compreendeu Quentyn. Os sargentos andavam a procura de carne fresca para preencher as fileiras antes de embarcarem para a Baía dos Escravos. E cada homem que alistarem é mais uma espada para Yunkai, outra lâmina destinada a beber o sangue da minha futura noiva.
Um dos Aventados gritou-lhes.
— Não falo a sua língua — respondeu Quentyn. Embora soubesse ler e escrever alto valiriano, tinha pouca prática do falar. E a maçã volantena rolara até uma distância razoável da árvore valiriana.
— De Westeros? — respondeu o homem no idioma comum.
— Dorneses. O meu amo é vendedor de vinhos.
— Amo? Que se foda. É escravo? Venha conosco e seja o seu próprio amo. Quer morrer na cama? Nós lhe ensinamos a combater com espada e lança. Irá para a batalha com o Príncipe Esfarrapado e voltarás para casa mais rico do que um lorde. Rapazes, meninas, ouro, tudo o que quiserem, se for suficientemente homem para agarrá-lo. Nós somos os Aventados, e fodemos a deusa massacre pelo cu acima.
Dois dos mercenários começaram a cantar, berrando a letra de uma canção de marcha qualquer. Quentyn compreendeu o suficiente para apanhar a essência da coisa. Nós somos os Aventados, cantavam eles. Sopre-nos para leste para a Baía dos Escravos, e mataremos o rei carniceiro e foderemos a rainha dos dragões.
— Se Cletus e Will ainda estivessem conosco, podíamos voltar com o grandalhão e matá-los todos — disse Gerris.
Cletus e Will estão mortos.
— Não ligue para eles — disse Quentyn. Os mercenários atiraram provocações às suas costas enquanto eles cruzavam as portas da Casa dos Mercadores, chamando-os de covardes sem sangue e meninas assustadas.
O grandalhão esperava-os nos aposentos que tinham alugado no segundo andar. Embora a estalagem tivesse sido recomendada pelo capitão do Cotovia-dos-Prados, isso não queria dizer que Quentyn estivesse disposto a deixar os bens e o ouro sem proteção. Todos os portos tinham ladrões, ratazanas e rameiras, e Volantis tinha mais do que a maioria.
— Estava quase a ir à sua procura — disse Sor Archibald Yronwood, enquanto fazia deslizar a tranca para deixá-los entrar. Fora o primo Cletus quem começara a lhe chamar “grandalhão”, mas o nome era bastante merecido. Arch tinha dois metros de altura, era largo de ombros, possuía uma barriga enorme, as pernas eram como troncos de árvores, as mãos tinham o tamanho de presuntos e não tinha pescoço de que valesse a pena falar. Alguma enfermidade de infância fizera-lhe cair todo o cabelo. A sua cabeça calva fazia lembrar a Quentyn um pedregulho liso e cor-de-rosa. — Então — perguntou o grandalhão — que disse o contrabandista? Temos barco?