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Se a gente tivesse uma nave espacial poderia ir até lá?

Bem. Se você tivesse uma nave espacial realmente boa e se tivesse gente para te ajudar eu acho que poderia ir.

Teria comida e outras coisas quando você chegasse lá?

Não. Lá não há nada.

Oh.

Ficaram sentados por muito tempo. Ficaram sentados em seus cobertores dobrados e observavam a estrada nas duas direções. Nenhum vento. Nada. Depois de algum tempo o menino disse: Não tem nenhum corvo. Tem?

Não.

Só nos livros.

Sim. Só nos livros.

Eu não achava.

Você está pronto?

Estou.

Eles se levantaram e guardaram as xícaras e o resto dos biscoitos salgados. O homem empilhou os cobertores no alto do carrinho e apertou a lona por cima e depois ficou parado olhando para o menino. O quê? o menino disse.

Sei que você pensou que nós íamos morrer.

É.

Mas não morremos.

Não.

Está bem.

Posso te perguntar uma coisa?

Claro.

Se você fosse um corvo conseguiria voar alto o suficiente para ver o sol?

Sim. Conseguiria.

Foi o que eu pensei. Isso seria bem legal.

Seria sim. Você está pronto?

Estou.

Ele parou. O que aconteceu com a sua flauta?

Joguei fora.

Jogou fora?

Foi.

Está bem.

Está bem.

No longo entardecer cinzento eles atravessaram um rio e pararam e olharam da balaustrada de concreto para a água lenta e fosca passando lá embaixo. Esboçado sobre a fuligem pálida lá adiante o contorno de uma cidade queimada como uma tela preta de papel. Viram-na outra vez logo antes de escurecer empurrando o carrinho pesado na subida de uma longa colina e pararam para descansar e ele virou o carrinho de lado na estrada para que não deslizasse. Suas máscaras já estavam cinzentas na boca e seus olhos com marcas escuras. Sentaram-se nas cinzas na beira da estrada e olharam para leste onde o vulto da cidade escurecia na noite que se aproximava. Não viram luzes.

Você acha que tem alguém ali, Papai?

Não sei.

Quando é que a gente vai poder parar?

Podemos parar agora.

No morro?

Podemos levar o carrinho até aquelas pedras ali embaixo e cobrir com ramos.

Este lugar é bom para parar?

Bem, as pessoas não gostam de parar em morros. E nós não gostamos que pessoas parem.

Então é um bom lugar para nós.

Acho que sim.

Porque nós somos espertos.

Bem, não fiquemos espertos demais.

Está bem.

Você está pronto?

Estou.

O menino se levantou e pegou sua vassoura e colocou-a sobre o ombro. Olhou para o pai. Quais são os nossos objetivos a longo prazo? ele disse.

O quê?

Nossos objetivos a longo prazo.

Onde você ouviu isso?

Não sei.

Não, onde foi?

Você disse.

Quando?

Há muito tempo atrás.

Qual foi a resposta?

Não sei.

Bem. Eu também não. Vamos. Está ficando escuro.

Mais tarde no dia seguinte quando faziam uma curva da estrada o menino parou e colocou a mão no carrinho. Papai, ele sussurrou. O homem levantou os olhos. Um pequeno vulto distante na estrada, curvado e arrastando os pés.

Ele ficou parado inclinado sobre o carrinho. Bem, ele disse. Quem é?

O que a gente devia fazer, Papai?

Poderia ser um chamariz.

O que a gente vai fazer?

Vamos apenas seguir. Vejamos se ele se vira.

Está bem.

O viajante não olhava para trás. Eles o seguiram por um tempo e depois o ultrapassaram. Um velho, pequeno e curvado. Levava no ombro uma velha mochila do exército com um cobertor enrolado e amarrado no alto junto com um galho descascado como bengala. Quando ele os viu desviou para a beira da estrada e se virou e ficou parado cautelosamente. Tinha uma toalha imunda amarrada sob o queixo como se sentisse dor de dente e cheirava horrivelmente mesmo pelos padrões do novo mundo deles.

Não tenho nada, ele disse. Vocês podem olhar se quiserem.

Não somos ladrões.

Ele inclinou uma orelha para a frente. O quê? exclamou.

Eu disse que não somos ladrões.

O que são vocês?

Eles não tinham como responder à pergunta. Ele enxugou o nariz com as costas do punho e ficou esperando. Não tinha sapatos e seus pés estavam envolvidos por trapos e papelão amarrados com cordão verde e um número indefinido de camadas de panos vagabundos aparecia por entre os rasgões e buracos que havia ali. De repente ele pareceu definhar ainda mais. Inclinou-se em sua bengala e se abaixou até a estrada onde se sentou em meio às cinzas com uma das mãos sobre a cabeça. Parecia uma pilha de trapos caída de um carrinho. Eles se aproximaram e ficaram parados olhando para ele. Senhor? o homem disse. Senhor?

O menino se agachou e pôs uma das mãos em seu ombro. Ele está com medo, Papai. O homem está com medo.

Ele olhou para um lado e para o outro da estrada. Se isto for uma emboscada ele vai primeiro, falou.

Ele só está com medo, Papai.

Diga a ele que não vamos machucá-lo.

O homem sacudiu a cabeça de um lado para o outro, os dedos entrelaçados no cabelo imundo. O menino levantou os olhos para o pai.

Talvez ele ache que nós não somos reais.

O que ele acha que nós somos?

Não sei.

Não podemos ficar aqui. Temos que ir.

Ele está com medo, Papai.

Não acho que você devesse tocá-lo.

Talvez a gente pudesse dar alguma coisa para ele comer.

Ele ficou olhando para a estrada. Droga, sussurrou. Abaixou os olhos para o velho. Talvez ele fosse se transformar num deus e eles em árvores. Está bem, ele disse.

Desamarrou a lona, dobrou-a e

tez

uma busca minuciosa por entre as latas de comida e tirou uma lata de coquetel de frutas e pegou o abridor do bolso e abriu a lata e dobrou a tampa e caminhou até lá e se agachou e entregou-a ao menino.

Que tal uma colher?

Ele não vai receber uma colher.

O menino pegou a lata e a entregou ao velho. Tome, ele sussurrou. Aqui.

O velho levantou os olhos e olhou para o menino. O menino fez um gesto para ele com a lata. Parecia alguém tentando alimentar um urubu enfraquecido na estrada. Está tudo bem, ele disse.

O velho abaixou a mão da cabeça. Piscou os olhos. Olhos de um azul acinzentado enterrados nos vincos magros e sujos de fuligem de seu rosto.

Tome, o menino disse.

Ele esticou seus dedos esqueléticos e pegou-a e segurou-a junto ao peito.

Coma, o menino disse. E bom. Fez com as mãos gestos inclinando-as. O velho olhou para a lata. Agarrou-a com força renovada e levantou-a, o nariz enrugando. Suas unhas compridas e amarelas raspavam no metal. Então ele a inclinou e bebeu. O suco escorreu por sua barba imunda. Ele abaixou a lata, mastigando com dificuldade. Sacudiu a cabeça ao engolir. Olhe, Papai, o menino sussurrou.

Estou vendo, o homem disse.

O menino se virou e olhou para ele.

Sei qual é a pergunta, o homem disse. A resposta é não.

Qual é a pergunta?

Se podemos ficar com ele. Não podemos.

Eu sei.

Você sabe.

É.

Está bem.

Podemos dar mais alguma coisa para ele?

Vamos ver como ele se sai com isto.

Observaram-no comer. Quando ele terminou ficou sentado segurando a lata vazia e olhando para ela como se talvez aparecesse mais.