Podemos esperar um pouco?
Está bem. Mas está ficando escuro.
Eu sei.
Está bem.
Eles se sentaram na escada e olharam para a região ao redor.
Não tem ninguém aqui, o homem disse.
Está bem.
Você ainda está com medo?
Estou.
Está tudo bem conosco.
Está bem.
Subiram a escada até a ampla varanda com piso de tijolos. A porta estava pintada de preto e tinha sido arrombada com um bloco de concreto. Folhas secas e mato soprados através dela. O menino se agarrou à sua mão. Por que a porta está aberta, Papai?
Porque sim. Provavelmente está aberta há anos. Talvez as últimas pessoas tenham deixado ela aberta para levar suas coisas para fora.
Talvez a gente devesse esperar até amanhã.
Venha. Vamos dar uma olhada rápida. Antes que fique escuro demais. Se nós tivermos certeza de que é seguro, talvez possamos acender uma fogueira.
Mas não vamos ficar na casa vamos?
Não temos que ficar na casa.
Está bem.
Vamos beber um pouco d’água.
Está bem.
Ele pegou a garrafa do bolso lateral de sua parca, desatarraxou a tampa e observou o menino beber. Então ele próprio bebeu um gole e entraram no vestíbulo escurecido. Teto alto. Um candelabro importado. No pé da escada havia uma alta janela em arco e sua sombra mais suave projetando-se na parede junto à escada com a última luz do dia.
Não temos que ir lá para cima, temos? o menino sussurrou.
Não. Talvez amanhã.
Depois que a gente garantir que a área é segura. Sim.
Está bem.
Entraram na sala de estar. O vulto de um carpete por baixo das cinzas que se depositaram. Mobília coberta com lençóis. Quadrados pálidos nas paredes onde antes quadros tinham estado. No salão do outro lado do vestíbulo havia um piano de cauda. Os vultos deles seccionados no vidro fino e molhado da janela que havia ali. Eles entraram e ficaram escutando. Vagaram pelos quartos como compradores céticos. Ficaram parados olhando pelas janelas altas para a terra que escurecia lá fora.
Na cozinha havia instrumentos cortantes e panelas e porcelana inglesa. A copa de um mordomo onde a porta se fechava suavemente atrás deles. Chão de azulejos e filas de prateleiras e nas prateleiras dezenas de jarros de um litro. Atravessou o cômodo e pegou um deles e soprou a poeira de cima. Feijões verdes. Fatias de pimentão vermelho em meio às fileiras organizadas. Tomates. Milho. Batatas para conserva. Quiabo. O menino o observava. O homem limpou a poeira das tampas dos jarros e empurrou-as com o polegar. Escurecia rapidamente. Ele levou dois jarros até a janela e as levantou e virou. Olhou para o menino. Isto pode ser veneno, ele disse. Teremos que cozinhar tudo muito bem. Está certo?
Não sei.
O que você quer fazer?
Você tem que dizer.
Nós dois temos que dizer.
Você acha que eles estão bons?
Acho que se a gente cozinhar muito bem eles ficarão bons.
Está bem. Por que você acha que ninguém comeu isso?
Acho que ninguém encontrou. Não dá para ver a casa da estrada.
A gente viu.
Você viu.
O menino estudou os jarros.
O que você acha? o homem disse.
Acho que a gente não tem escolha.
Acho que você está certo. Vamos pegar um pouco de madeira antes que escureça mais ainda.
Carregaram braçadas de ramos mortos pelos degraus dos fundos através da cozinha e para a sala de jantar e os quebraram no sentido do comprimento e encheram a lareira. Ele acendeu o fogo e a fumaça subiu em espirais pelo lintel de madeira pintada até o teto e desceu em espirais outra vez. Ele abanou o lume com uma revista e logo a chaminé começou a puxar e o fogo rugiu no salão iluminando as paredes e o teto e o candelabro de vidro e suas miríades de facetas. As chamas iluminaram o vidro cada vez mais escuro da janela onde o menino estava de pé numa silhueta encapuzada como um ser sobrenatural que tivesse entrado durante a noite. Ele parecia atordoado com o calor. O homem tirou os lençóis de cima da comprida mesa império no centro da sala e sacudiu-os e fez uma cama com eles em frente à lareira. Sentou o menino ali e tirou seus sapatos e tirou os trapos sujos com os quais seus pés estavam envolvidos. Está tudo bem, ele sussurrou. Está tudo bem.
Encontrou velas numa gaveta da cozinha e acendeu duas delas e depois derreteu a cera sobre o balcão e fixou-as na cera. Saiu e trouxe mais madeira e empilhou-a junto à lareira. O menino não tinha se mexido. Havia caldeirões e panelas na cozinha e ele limpou uma e colocou-a sobre o balcão e depois tentou abrir um dos jarros mas não conseguiu. Levou um jarro de feijões verdes e um de batatas para a porta da frente e sob a luz de uma vela em cima de um copo ele se ajoelhou e colocou o primeiro jarro de lado no espaço entre a porta e o umbral e puxou a porta sobre ele. Então se agachou no chão do vestíbulo e enganchou o pé na beirada de fora da porta e puxou a porta de encontro à tampa e girou o jarro em suas mãos. A tampa serrilhada se virou na madeira raspando a pintura. Ele tentou segurar melhor o vidro e puxou a porta até estreitá-la mais e tentou de novo. A tampa deslizou na madeira, depois prendeu. Ele virou o jarro devagar nas mãos, depois tirou-o do umbral e tirou o anel da tampa e colocou-o no chão. Então abriu o segundo jarro e levou-os de volta à cozinha, segurando o copo na outra mão com a vela rolando lá dentro e crepitando. Tentou empurrar com o polegar as tampas para tirá-las mas estavam apertadas demais. Ele achou que era um bom sinal. Colocou a beira da tampa no balcão e golpeou o alto do jarro com o punho e a tampa saiu com um estalo e caiu no chão e ele levantou o jarro e cheirou-o. O cheiro era delicioso. Ele despejou as batatas e os feijões numa panela e levou a panela até a sala de jantar e colocou-a no fogo.
Eles comeram devagar em tigelas de porcelana, sentados em lados opostos da mesa com uma única vela acesa entre eles. O revólver à mão como um outro apetrecho do jantar. A casa estalava e gemia ao calor. Como alguma coisa sendo despertada de uma longa hibernação. O menino cochilou sobre a tigela e sua colher caiu no chão. O homem se levantou e deu a volta e o carregou até a lareira e o colocou nos lençóis e o cobriu com os cobertores. Devia ter ido de volta para a mesa porque acordou no meio da noite deitado ali com o rosto sobre os braços cruzados. Estava frio na sala e lá fora o vento soprava. As janelas chacoalhavam de leve na moldura. A vela tinha apagado e o fogo estava reduzido a carvões. Ele se levantou e reacendeu a lareira e se sentou ao lado do menino e puxou os cobertores por cima dele e puxou com a mão seu cabelo imundo para trás. Acho que talvez eles estejam observando, falou. Observando em busca de uma coisa que nem a morte pode desfazer e se eles não a virem vão virar as costas para nós e não vão voltar.
O menino não queria que ele fosse ao andar de cima. Tentou raciocinar com ele. Podia haver cobertores lá em cima, falou. Precisamos dar uma olhada.
Não quero que você vá lá em cima.
Não tem ninguém aqui.
Poderia ter.
Não tem ninguém aqui. Você não acha que a esta altura eles teriam descido?
Talvez eles estejam com medo.
Vou dizer a eles que a gente não vai machucá-los.
Talvez eles estejam mortos.
Então não vão se incomodar se a gente levar algumas coisas. Olhe, o que quer que haja lá em cima é melhor a gente saber do que se trata do que não saber.
Por quê?
Por quê? Bem, porque nós não gostamos de surpresas. Surpresas dão medo. E nós não gostamos de ficar com medo. E poderia haver coisas lá em cima de que precisamos. Temos que dar uma olhada.
Está bem.
Está bem? Só isso?
Bem. Você não vai me ouvir.