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Chegou à areia junto com a última luz do dia e lançou a lona no chão e retirou com as palmas das mãos a água dos braços e do peito e foi pegar as roupas. O menino o seguiu. Ficou lhe perguntando sobre seu ombro, azul e descolorido no lugar onde ele o havia batido contra a escotilha. Está tudo bem, o homem disse. Não está doendo. Temos um monte de coisa. Espere até ver.

Seguiram às pressas pela praia sob o que restava da luz. E se o barco afundar? o menino disse.

Não vai afundar.

Poderia.

Não vai não. Venha. Você está com fome?

Estou.

Vamos comer bem esta noite. Mas precisamos nos apressar.

Eu estou correndo, Papai.

E pode ser que chova.

Como você pode saber?

Estou sentindo o cheiro.

Qual é o cheiro que tem?

Cinzas molhadas. Vamos.

Então ele parou. Onde está o revólver? ele disse.

O menino congelou. Parecia aterrorizado.

Cristo, o homem disse. Olhou para a praia atrás deles. O barco já estava fora de vista. Ele olhou para o menino. O menino colocou as mãos no alto da cabeça e estava prestes a chorar. Me desculpa, ele disse. Me desculpa.

Ele colocou no chão a lona com a comida enlatada. Temos que voltar.

Me desculpe, Papai.

Está tudo bem. Ela ainda vai estar lá.

O menino ficou parado com os ombros baixos. Estava começando a soluçar. O homem se ajoelhou e passou os braços ao redor dele. Está tudo bem, ele disse. Sou eu quem deveria se certificar de que estamos com o revólver e não fiz isso. Esqueci.

Me desculpe, Papai.

Venha. Estamos bem. Está tudo bem.

O revólver estava ali onde ele o havia deixado na areia. O homem apanhou-o e sacudiu-o e se sentou e puxou o pino do tambor e o entregou ao menino.

Segure isto, ele disse.

Está tudo bem, Papai?

Claro que está tudo bem.

Ele fez o tambor rolar para dentro da sua mão, soprou a areia que havia ali e o entregou ao menino, soprou no cano e soprou a areia que havia na estrutura e depois pegou as partes que estavam com o menino, montou tudo de novo e empunhou o revólver e baixou o cão e empunhou-o de novo. Alinhou o tambor deixando o cartucho de verdade no lugar e abaixou o cão, colocou o revólver na parca e se pôs de pé. Estamos prontos, ele disse. Vamos.

A escuridão vai alcançar a gente?

Não sei.

Vai, não vai?

Venha. Vamos nos apressar.

A escuridão os alcançou. Quando chegaram ao caminho do promontório estava escuro demais para ver o que quer que fosse. Ficaram parados sob o vento que vinha do mar com o mato assobiando em toda parte ao redor deles, o menino segurando sua mão. Só temos que continuar seguindo em frente, o homem disse. Vamos.

Não consigo enxergar.

Eu sei. É só a gente dar um passo de cada vez.

Está bem.

Não solte.

Está bem.

Não importa o que aconteça.

Não importa o que aconteça.

Seguiram na mais completa escuridão, enxergando tanto quanto os cegos. Ele mantinha uma das mãos estendidas à sua frente embora não houvesse nada naquela charneca salgada com o que pudessem colidir. A arrebentação parecia mais distante mas ele também se orientava pelo vento e depois de cambalear por quase uma hora emergiram do capim e das aveias-do-mar e se viram outra vez parados na areia seca da praia mais acima. O vento estava mais frio. Ele tinha trazido o menino para o seu lado a fim de protegê-lo do vento quando subitamente a praia diante deles apareceu estremecendo na escuridão e sumiu outra vez.

O que foi isso, Papai?

Está tudo bem. Foi um relâmpago. Venha.

Ele passou a lona com os mantimentos por cima do ombro, pegou a mão do menino e seguiram em frente, caminhando pesadamente na areia como cavalos numa parada para evitar pisar em algum pedaço de madeira trazida pelo mar ou destroços de navio. A luz cinza e esquisita irrompeu sobre a praia novamente. Longe dali um ribombo surdo de trovão soou abafado na escuridão. Acho que vi as nossas pegadas, ele disse.

Então estamos indo na direção certa.

Sim. Na direção certa.

Estou com muito frio, Papai.

Eu sei. Reze por um relâmpago. Seguiram em frente. Quando a luz irrompeu sobre a praia outra vez ele viu que o menino estava curvado e murmurava consigo mesmo. Procurava as pegadas deles subindo a praia mas não conseguia vê-las. O vento tinha recomeçado com mais força e ele aguardava os primeiros pingos de chuva. Se fossem apanhados na praia numa tempestade durante a noite teriam problemas. Viraram o rosto contra o vento, segurando os capuzes de suas parcas. A areia crepitando novamente sobre suas pernas e voando para longe na escuridão e o estampido do trovão se ouvindo bem junto à costa. A chuva começou vindo do mar forte e inclinada e golpeou seus rostos e ele puxou o menino de encontro a si.

Ficaram parados sob o aguaceiro. Quanto tinham avançado? Aguardou o relâmpago, mas estava se afastando e quando o seguinte veio ele soube que a tempestade tinha apagado suas pegadas. Continuaram caminhando penosamente pela areia na margem superior da praia, esperando ver o vulto da tora de madeira junto à qual tinham acampado. Em pouco tempo os relâmpagos tinham praticamente cessado. Então numa mudança na direção do vento ele ouviu um tamborilar distante e fraco. Parou. Escute, ele disse.

O que é?

Escute.

Não estou ouvindo nada.

Vamos.

O que é, Papai?

É a lona. É a chuva caindo na lona.

Seguiram em frente, tropeçando pela areia e pelo lixo ao longo da linha da arrebentação. Chegaram à lona quase que imediatamente e ele se ajoelhou e deixou cair o fardo e tateou ao redor em busca das pedras com que prendera o plástico e empurrou-as para baixo dele. Levantou a lona e a puxou por cima deles e depois usou as pedras para manter as pontas abaixadas. Tirou o casaco molhado do menino e puxou os cobertores por cima deles, a chuva golpeando-os através do plástico. Ele tirou seu próprio casaco e abraçou o menino bem perto de si e logo tinham adormecido.

Durante a noite a chuva cessou e ele acordou e ficou deitado escutando. O aguaceiro pesado e o baque da arrebentação depois que o vento acabou. Na primeira luz opaca ele se levantou e caminhou pela praia. A tempestade tinha sujado a costa e ele caminhou pela linha da arrebentação procurando por qualquer coisa que pudesse ser útil. Nos bancos de areia para além do quebra-mar um cadáver antigo subindo e descendo em meio à madeira flutuante. Ele gostaria de poder escondê-lo do menino mas o menino tinha razão. O que havia para esconder? Quando voltou ele estava acordado sentado na areia observando-o. Estava embrulhado nos cobertores e tinha estendido os casacos deles sobre o mato para secar. Ele foi até lá e se sentou do lado dele e os dois ficaram parados observando o mar de chumbo subir e descer para além das ondas.