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O menino achou que sentia cheiro de cinzas úmidas no vento. Seguiu um pouco pela estrada e voltou arrastando de volta um pedaço de compensado do lixo da beira da estrada e enfiou gravetos no chão com uma pedra e fez de compensado um telheiro frouxo mas no fim não choveu. Deixou a pistola de sinalização e levou o revólver consigo e percorreu a região em busca de algo para comer mas voltou de mãos vazias. O homem segurou sua mão, respirando com dificuldade. Você precisa seguir em frente, ele disse. Não posso ir com você. Você tem que continuar seguindo. Não sabe o que pode haver adiante na estrada. Nós sempre tivemos sorte. Você vai ter sorte de novo. Vai ver. E só seguir em frente. Está tudo bem.

Não posso.

Está tudo bem. Fazia tempo que isso estava para acontecer. Agora aconteceu. Continue indo para o sul. Faça tudo do jeito como fizemos.

Você vai ficar bem, Papai. Tem que ficar.

Não vou não. Fique com a arma o tempo todo. Você precisa encontrar os caras do bem mas não pode correr nenhum risco. Nenhum risco. Está ouvindo?

Quero ficar com você.

Você não pode.

Por favor.

Você não pode. Você tem que levar o fogo.

Não sei como fazer isso.

Sabe sim.

Ele é real? O fogo?

É sim.

Onde ele está? Não sei onde ele está.

Sabe sim. Está dentro de você. Sempre esteve aí. Posso ver.

Só me leve com você. Por favor.

Não posso.

Por favor, Papai.

Não posso. Não posso segurar meu filho morto em meus braços. Pensei que pudesse mas não posso.

Você disse que nunca ia me deixar.

Eu sei. Sinto muito. Você tem o meu coração todo. Sempre teve. Você é o melhor dos caras. Sempre foi. Se eu não estiver aqui ainda pode falar comigo. Fale comigo e eu vou falar com você. Você vai ver.

Eu vou te ouvir?

Sim. Vai sim. Tem que fazer como aquela conversa que você imaginou. E vai me ouvir. Tem que praticar. Só não desista. Está bem?

Está bem.

Está bem.

Estou com muito medo Papai.

Eu sei. Mas você vai ficar bem. Você vai ter sorte. Sei quem você é. Tenho que parar de falar. Vou começar a tossir de novo.

Está bem, Papai. Você não precisa falar. Está bem.

Saiu pela estrada até o mais longe que ousava e depois voltou. Seu pai estava adormecido. Sentou-se com ele sob o compensado e o observou. Fechou os olhos e falou com ele e manteve os olhos fechados e ficou escutando. Depois tentou de novo.

Acordou na escuridão, tossindo de leve. Ficou deitado escutando. O menino estava sentado junto à fogueira envolvido por um cobertor observando-o. Agua gotejando. Uma luz diminuindo. Velhos sonhos ultrapassando os limites do mundo desperto. O gotejar era na caverna. A luz era uma vela que o menino levava numa haste de cobre batido. A cera respingava nas pedras. Pegadas de criaturas desconhecidas no solo mortificado feito de depósitos trazidos pelo vento. Naquele corredor frio eles tinham alcançado o ponto do qual já não havia mais volta que era medido desde o início apenas pela luz que levavam consigo.

Você se lembra daquele menininho, Papai?

Sim. Eu me lembro dele.

Você acha que ele está bem aquele menininho?

Oh sim. Acho que ele está bem.

Você acha que ele estava perdido?

Não. Não acho que ele estivesse perdido.

Estou com medo de que ele estivesse perdido. Acho que ele está bem.

Mas quem vai encontrar ele se ele estiver perdido? Quem vai encontrar o menininho?

A bondade vai encontrar o menininho. Sempre encontrou. Vai encontrar outra vez.

Dormiu perto do pai naquela noite e abraçou-o mas quando acordou pela manhã seu pai estava frio e rígido. Ele ficou sentado ali por muito tempo chorando e depois se levantou e caminhou através da floresta até a estrada. Quando voltou se ajoelhou junto ao pai e segurou sua mão fria e disse seu nome de novo e de ncvo.

Ficou por três dias e depois caminhou até a estrada e olhou para a estrada adiante e olhou para a direção de onde tinham vindo. Alguém estava vindo. Ele começou a se virar e voltar para a floresta mas não voltou. Apenas ficou parado na estrada esperando, o revólver na mão. Tinha empilhado todos os cobertores em cima de seu pai e estava com frio e estava com fome. O homem que surgiu em seu campo de visão e que ficou parado ali o observan- do usava uma parca de esqui cinza e amarela. Levava uma espingarda de cabeça para baixo sobre o ombro presa a uma alça de couro trançado e usava uma cartucheira de náilon cheia de balas para a arma. Um veterano de velhos conflitos, barbado, com uma cicatriz no queixo e o osso esmagado e o único olho divagando. Quando falou sua boca não funcionou direito, nem quando sorriu.

Onde está o homem com quem você estava?

Ele morreu.

Era o seu pai?

Era. Era o meu pai.

Sinto muito.

Não sei o que fazer.

Acho que você devia vir comigo.

Você é um dos caras do bem?

O homem puxou o capuz de cima do rosto. Seu cabelo era comprido e estava embaraçado. Olhou para o céu. Como se houvesse alguma coisa ali para ser vista. Olhou para o menino. Sou, ele disse. Eu sou um dos caras do bem. Por que você não abaixa o revólver?

Eu não devo deixar ninguém pegar o revólver. Não importa o que aconteça.

Não quero pegar o seu revólver. Só não quero que você fique apontando ele para mim.

Está bem.

Onde estão as suas coisas?

Não temos muitas coisas.

Você tem um saco de dormir?

Não.

O que você tem? Alguns cobertores?

Meu pai está coberto com eles.

Mostre.

O menino não se moveu. O homem o observava. Ele se agachou num dos joelhos e tirou a espingarda que estava debaixo do braço e a colocou de pé sobre a estrada e se apoiou na culatra. Os cartuchos da espingarda nas voltas da cartucheira tinham sido carregados manualmente e as extremidades fechadas com cera de vela. Ele cheirava a fumaça de madeira. Veja bem, falou. Você tem duas escolhas aqui. Houve alguma discussão inclusive sobre vir ou não atrás de vocês. Você pode ficar aqui com seu pai e morrer ou pode vir comigo. Se você ficar tem que se manter longe da estrada. Não sei como chegou tão longe. Mas devia vir comigo. Você vai ficar bem.

Como eu posso saber que você

é

um dos caras do bem?

Não pode. Vai ter que correr o risco.

Vocês estão levando o fogo?

Nós estamos o quê?

Levando o fogo.

Você

é

meio maluquinho, não é?

Não.

Só um pouco.

Sim.

Tudo bem.

Então vocês estão?

O quê, levando o fogo?

É.

Sim. Estamos.

Vocês têm crianças?

Temos.

Vocês têm um menininho?

Temos um menininho e temos uma menininha.

Quantos anos ele tem?