– Ele não zarpou contra nós – finalmente Tyrion conseguiu dizer. – Montou cerco a Ponta Tempestade. Renly avança contra ele.
As unhas da irmã enterraram-se dolorosamente em seus braços. Por um momento fitou-o, incrédula, como se ele tivesse começado a tagarelar numa língua desconhecida.
– Stannis e Renly estão lutando um contra o outro? – quando Tyrion confirmou com a cabeça, Cersei começou a soltar risadinhas. – Que os deuses sejam bons – suspirou. – Começo a achar que Robert era o inteligente da família.
Tyrion jogou a cabeça para trás e desatou a gargalhar. Os dois riram juntos. Cersei arrancou-o da cama e rodopiou com ele, e até o abraçou, por um momento, insensata como uma menina. Quando o largou, Tyrion estava sem fôlego e tonto. Cambaleou até o aparador e estendeu uma mão para se firmar.
– Crê que chegarão a travar uma batalha entre si? Se chegarem a algum acordo…
– Não chegarão – Tyrion afirmou. – São diferentes demais, e ao mesmo tempo muito parecidos, e nenhum jamais suportou o outro.
– E Stannis sempre se sentiu espoliado de Ponta Tempestade – Cersei disse, pensativa. – A sede ancestral da Casa Baratheon, legitimamente sua… Se soubesse quantas vezes foi até Robert para cantar essa canção tediosa naquele tom sombrio e ofendido que tem. Quando Robert deu o lugar a Renly, Stannis apertou tanto os dentes que pensei que fossem se estilhaçar.
– Encarou isso como uma desfeita.
– Foi pensado como uma desfeita – Cersei afirmou.
– Fazemos um brinde ao amor fraternal?
– Sim – ela respondeu, sem fôlego. – Oh, deuses, sim.
Estava de costas para ela enquanto enchia duas taças com tinto doce da Árvore. Foi a coisa mais fácil do mundo polvilhar a dela com uma pitada de pó fino.
– A Stannis! – ele exclamou ao entregar-lhe o vinho. Quer dizer então que sou inofensivo quando estou sozinho?
– A Renly! – ela respondeu, rindo. – Que batalhem longa e duramente, e que os Outros carreguem ambos!
Será esta a Cersei que Jaime vê? Quando sorria, via-se realmente como era bela. Amei uma donzela bela como o verão, com a luz do sol nos cabelos. Quase teve pena de envenená-la.
Foi na manhã seguinte, enquanto Tyrion tomava o desjejum, que o mensageiro dela chegou. A rainha sentia-se indisposta, e não seria capaz de sair de seus aposentos. O mais certo é dizer que não será capaz de sair da latrina. Tyrion soltou os ruídos apropriados de compreensão e mandou dizer a Cersei que ficasse descansada, ele trataria com Sor Cleos conforme tinham planejado.
O Trono de Ferro de Aegon, o Conquistador, era um emaranhado de farpas perigosas e dentes irregulares de metal à espera de qualquer tolo que tentasse se sentar com excessivo conforto, e os degraus enchiam suas pernas atrofiadas de cãibras enquanto subia, consciente demais do espetáculo absurdo que aquilo devia constituir. Mas havia uma coisa a dizer em seu favor. Era alto.
Guardas Lannister estavam a postos e em silêncio nos seus mantos carmesim e meios elmos encimados por leões. Os homens de manto dourado de Sor Jacelyn defrontavam-nos do outro lado do salão. Os degraus até o trono eram flanqueados por Bronn e Sor Preston, da Guarda Real. Os cortesãos enchiam a galeria, ao passo que os suplicantes se aglomeravam perto das grandes portas de carvalho e bronze. Sansa Stark estava particularmente linda naquela manhã, embora seu rosto se mostrasse pálido como leite. Lorde Gyles tossia, enquanto o pobre primo Tyrek vestia sua capa de noivo de pele de esquilo e veludo. Desde seu casamento com a pequena Senhora Ermesande, três dias antes, os outros escudeiros tinham começado a chamá-lo de “Ama de Leite”, perguntando-lhe que tipo de cueiros sua noiva usara na noite de núpcias.
Tyrion olhou todos de cima, e descobriu que gostava.
– Chamem Sor Cleos Frey – sua voz ressoou nas paredes de pedra e ao longo do salão. Também gostou disso. Uma pena que Shae não possa estar aqui para ver isto, refletiu. Ela pedira para vir, mas era impossível.
Sor Cleos fez a longa caminhada entre os homens de manto dourado e os de carmim, sem olhar para os lados. Quando se ajoelhou, Tyrion reparou que o primo estava perdendo o cabelo.
– Sor Cleos – disse Mindinho, da mesa do conselho –, tem os nossos agradecimentos por nos trazer esta oferta de paz de Lorde Stark.
O Grande Meistre Pycelle pigarreou:
– A Rainha Regente, a Mão do Rei e o pequeno conselho refletiram sobre os termos apresentados por este autoproclamado Rei do Norte. Infelizmente, eles não servirão, e você terá de dizer isso a esses nortenhos, sor.
– Eis os nossos termos – Tyrion anunciou. – Robb Stark deve baixar a espada, jurar lealdade e retornar a Winterfell. Deve libertar meu irmão, incólume, e colocar sua tropa sob o comando de Jaime, a fim de marchar contra os rebeldes Renly e Stannis Baratheon. Cada um dos vassalos dos Stark deverá nos enviar um filho como refém. Uma filha servirá quando não houver um filho. Serão bem tratados e receberão posições importantes aqui na corte, desde que seus pais não voltem a cometer traição.
Cleos Frey fez uma expressão agoniada:
– Senhor Mão, Lorde Stark nunca aceitará esses termos.
Nunca esperamos que os aceitasse, Cleos.
– Diga-lhe que recrutamos outra grande tropa em Rochedo Casterly, que em breve marchará sobre ele, vinda do oeste, enquanto o senhor meu pai avança do leste. Diga-lhe que está só, sem esperança de obter aliados. Stannis e Renly Baratheon guerreiam um contra o outro, e o Príncipe de Dorne consentiu em casar seu filho Trystane com a Princesa Myrcella – murmúrios de satisfação e consternação foram ouvidos na galeria e ao fundo do salão.
– E quanto ao assunto dos meus primos – prosseguiu Tyrion –, oferecemos Harrion Karstark e Sor Wylis Manderly por Willem Lannister, e Lorde Cerwyn e Sor Donnal Locke por seu irmão Tion. Diga ao Stark que dois Lannister valem por quatro nortenhos em qualquer época – esperou que o riso morresse. – E receberá os ossos do pai de qualquer modo, em sinal de boa-fé de Joffrey.
– Lorde Stark pediu também as irmãs e a espada do pai – recordou-lhe Sor Cleos.
Sor Ilyn Payne estava mudo, com o cabo da espada de Eddard Stark espreitando por sobre um ombro.
– Gelo – Tyrion confirmou. – Ele a receberá quando fizer a paz conosco, nunca antes.
– Às suas ordens. E as irmãs?
Tyrion olhou Sansa de relance, e sentiu uma ferroada de piedade enquanto falava:
– Até que liberte meu irmão Jaime, incólume, permanecerão aqui como reféns. O modo como serão tratadas depende dele – e se os deuses forem bondosos, Bywater encontrará Arya viva, antes que Robb fique sabendo que ela desapareceu.
– Levarei sua mensagem até eles, senhor.
Tyrion segurou uma das lâminas retorcidas que se projetavam dos braços do trono. E agora, o ataque.
– Vylarr – ele chamou.
– Senhor.
– Os homens que Stark enviou são suficientes para proteger os ossos de Lorde Eddard, mas um Lannister deve ter uma escolta digna do nome – Tyrion declarou. – Sor Cleos é primo da rainha, e também meu. Dormiremos mais tranquilos se o levasse em segurança até Correrrio.
– Às suas ordens. Quantos homens devo levar?
– Ora, todos!
Vylarr ficou imóvel, como um homem feito de pedra. Foi Grande Meistre Pycelle quem se ergueu, arquejando:
– Senhor Mão, isso não pode… Seu pai, o próprio Lorde Tywin, enviou esses bons homens para a nossa cidade, a fim de proteger a Rainha Cersei e os seus filhos…
– A Guarda Real e a Patrulha da Cidade protegem-nos suficientemente bem. Que os deuses apressem a sua viagem, Vylarr.
Na mesa do conselho, Varys sorria, com ar sabedor, Mindinho fingia enfado, e Pycelle abria a boca como um peixe, pálido e confuso. Um arauto avançou.