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– Pergunto a mim mesmo quantos já traiu. Aerys, Eddard Stark, eu… Rei Robert também? Lorde Arryn, Príncipe Rhaegar? Onde começa, Pycelle? – Tyrion sabia onde acabava.

O machado arranhou o pomo de adão de Pycelle e atingiu a suave pele trêmula sob o queixo, raspando os últimos pelos.

– Você… não estava aqui – o homem arquejou quando a lâmina subiu até suas bochechas. – Robert… os seus ferimentos… se os tivesse visto e cheirado, não teria nenhuma dúvida…

– Ah, eu sei que o javali fez o trabalho por você… mas se o animal tivesse deixado o trabalho meio feito, sem dúvida você o teria terminado.

– Ele era um rei deplorável… fútil, bêbado, libertino… Teria posto sua irmã de lado, sua própria rainha… Por favor… Renly estava conspirando para trazer a donzela de Jardim de Cima para a corte, para seduzir o irmão… É a verdade dos deuses…

– E o que conspirava Lorde Arryn?

– Ele sabia – Pycelle começou a responder. – Que… que…

– Eu sei o que ele sabia – Tyrion o interrompeu, sem muita vontade que Shagga e Timett também descobrissem.

– Ele ia enviar a esposa de volta para o Ninho da Águia, e o filho para ser criado em Pedra do Dragão… Pretendia agir…

– Portanto, envenenou-o primeiro.

Não.

Pycelle debateu-se debilmente. Shagga rosnou e agarrou-o pela cabeça. A mão do homem dos clãs era tão grande que podia ter esmagado o crânio do meistre como uma casca de ovo. Tyrion deu um estalido com a língua.

– Eu vi as lágrimas de Lys entre as suas poções. Mandou embora o meistre de Lorde Arryn e cuidou dele em pessoa, para que pudesse se assegurar de que morria.

– Uma falsidade!

– Barbeie-o melhor – sugeriu Tyrion. – De novo a garganta.

O machado voltou a descer, raspando a pele. Uma fina película de cuspe borbulhou nos lábios de Pycelle quando sua boca tremeu.

– Tentei salvar Lorde Arryn. Juro…

– Cuidado, Shagga, você o cortou.

Shagga soltou um rosnado.

– Dolf gerou guerreiros, não barbeiros.

Quando sentiu o sangue escorrer pelo pescoço e para o peito, o velho estremeceu e as últimas forças o abandonaram. Parecia encolhido, menor e mais frágil do que quando caíram sobre si.

– Sim – choramingou –, sim. Colemon o estava purgando, e por isso mandei-o embora. A rainha precisava de Lorde Arryn morto, ela não disse em palavras, não podia, Varys estava ouvindo, sempre ouvindo, mas quando a olhei, compreendi. Mas não fui eu quem lhe deu o veneno, juro – o velho desatou a chorar. – Varys dirá, foi o rapaz, o escudeiro, chamava-se Hugh, deve ter sido ele, certamente, pergunte à sua irmã, pergunte.

Tyrion sentiu-se repugnado.

– Amarre-o e o leve daqui – ordenou. – Atire-o em uma das celas negras.

Arrastaram-no pela porta estilhaçada.

– Lannister – gemeu o velho –, tudo o que fiz foi pelos Lannister.

Depois que ele saiu, Tyrion calmamente fez uma busca nos aposentos e recolheu mais alguns pequenos frascos das prateleiras. Os corvos resmungavam por cima de sua cabeça enquanto trabalhava, um ruído estranhamente pacífico. Precisaria encontrar alguém para cuidar das aves até que a Cidadela enviasse um homem para substituir Pycelle.

Era nele que eu esperava confiar. Suspeitava que Varys e Mindinho não eram mais leais, apenas mais sutis, e por isso mais perigosos. O jeito do pai talvez tivesse sido o melhor: chamar Ilyn Payne, montar três cabeças sobre os portões e encerrar o assunto. E não seria essa uma bela visão?, pensou.

Arya

O medo corta mais profundamente do que as espadas, dizia Arya a si mesma, mas aquilo não fazia com que a sensação de temor desaparecesse. Fazia tanto parte dos seus dias como pão bolorento e as bolhas nos pés, depois de um longo dia de caminhada pela estrada dura e sulcada.

Achava que sabia o que era estar assustada, mas tinha aprendido melhor naquele armazém junto ao Olho de Deus. Permaneceu lá oito dias antes de a Montanha dar a ordem de marcha, e todos os dias viu alguém morrer.

A Montanha chegava ao armazém depois do desjejum e escolhia um dos prisioneiros para interrogatório. As pessoas da aldeia não o olhavam. Talvez pensassem que se não o vissem, ele não as veria… Mas via-as de qualquer jeito, e escolhia quem quisesse. Não havia esconderijos, não havia truques a usar, não havia como estar a salvo.

Uma moça dividiu a cama com um soldado durante três noites consecutivas; a Montanha a escolheu no quarto dia, e o soldado nada disse.

Um velho sorridente remendava suas roupas e tagarelava a respeito do filho que estaria a serviço dos mantos dourados em Porto Real.

– É um homem do rei, ah, pois é – dizia –, um bom homem do rei como eu, todo por Joffrey – dizia isso com tanta frequência que os outros cativos começaram a chamá-lo de Todo-por-Joffrey sempre que os guardas não estavam ouvindo. Todo-por-Joffrey foi escolhido no quinto dia.

Uma jovem mãe com o rosto marcado pela varíola tinha se oferecido para lhes contar voluntariamente tudo o que sabia se prometessem não fazer mal à sua filha. A Montanha a ouviu, e, na manhã seguinte, escolheu a filha, para se assegurar de que a mulher não tinha guardado nada para si.

Os escolhidos eram interrogados à vista dos outros prisioneiros, para que estes vissem o destino reservado aos rebeldes e traidores. Um homem a que os outros chamavam Cócegas fazia as perguntas. Tinha um rosto tão comum e trajes tão simples, que Arya podia ter achado que fosse um dos aldeãos antes de vê-lo trabalhando.

– O Cócegas os faz uivar tanto que se mijam – falara-lhe o velho corcunda Chiswyck. Era o homem que ela tentara morder, aquele que dissera que ela era feroz, e esmagara um punho revestido de cota de malha na sua cabeça. Às vezes ajudava o Cócegas. Às vezes eram outros a fazê-lo. O próprio Sor Gregor Clegane ficava em pé, imóvel, observando e escutando, até a vítima morrer.

As perguntas eram sempre as mesmas. Havia ouro escondido na aldeia? Prata, pedras preciosas? Havia mais comida? Onde estava Lorde Beric Dondarrion? Qual dos moradores da aldeia o tinha ajudado? Quando ele partiu, para que lado tinha ido? Quantos homens estavam com ele? Quantos cavaleiros, quantos arqueiros, quantos homens de armas? Como estavam armados? Quantos estavam montados? Quantos estavam feridos? Que outros inimigos tinham visto? Quantos? Quando? Que estandartes hasteavam? Para onde tinham ido? Havia ouro escondido na aldeia? Prata, pedras preciosas? Onde estava Lorde Beric Dondarrion? Quantos homens estavam com ele? Pelo terceiro dia, Arya já poderia ela mesma fazer as perguntas.

Encontraram um pouco de ouro, um pouco de prata, uma grande saca de moedas de cobre, e uma taça chanfrada incrustada de granadas, pela qual dois soldados quase chegaram às vias de fato. Ficaram sabendo que Lorde Beric tinha consigo dez mortos de fome, ou então uma centena de cavaleiros montados; que tinha partido para o Oeste, ou para o Norte, ou para o Sul; que tinha atravessado o lago num barco; que estava forte como um auroque, ou fraco por causa do sangue que perdera. Ninguém sobrevivia aos interrogatórios do Cócegas; fossem homens, mulheres ou crianças. Os mais fortes duravam até depois do cair da noite. Seus corpos eram pendurados para lá das fogueiras, para os lobos.

Quando se puseram em marcha, Arya sabia que não era nenhuma dançarina de água. Syrio Forel nunca teria permitido que o derrubassem e roubassem sua espada, nem ficaria sem ação enquanto matavam Lommy Mãos-Verdes. Syrio nunca teria ficado sentado, em silêncio, naquele armazém, nem teria se arrastado docilmente por entre os outros cativos. O lobo gigante era o símbolo dos Stark, mas Arya sentia-se mais como uma ovelha, rodeada por uma manada de outras iguais. Odiava os aldeãos por sua falta de coragem, quase tanto quanto odiava a si mesma.

Os Lannister tinham lhe roubado tudo: pai, amigos, casa, esperança, coragem. Um roubara-lhe a Agulha, enquanto o outro quebrara sua espada de madeira no joelho. Tinham até lhe tirado o estúpido segredo. O armazém era suficientemente grande para ela se esgueirar até um canto qualquer e urinar quando ninguém estivesse olhando, mas na estrada era diferente. Aguentou-se o máximo que pôde, mas, por fim, teve de se acocorar perto de um arbusto e abaixar as calças na frente de todo mundo. Era isso, ou molhar-se toda. Torta Quente ficou de boca aberta, olhando para ela com grandes olhos de lua, mas ninguém mais se incomodou. Ovelha menina ou ovelha menino, Sor Gregor e seus homens não pareciam se importar.