– Parece que acreditam que Lorde Stannis deve ganhar, e querem partilhar de sua vitória. Chamam a si mesmos de Homens Chifrudos, por causa do veado coroado.
– Alguém devia lhes dizer que Stannis mudou de símbolo. Assim, poderiam ser os Corações Quentes – mas não era assunto para piadas; parecia que aqueles Homens Chifrudos tinham armado várias centenas de seguidores, para capturar o Velho Portão quando a batalha estivesse próxima e deixar o inimigo entrar na cidade. Entre os nomes da lista estava o do mestre armeiro Salloreon.
– Suponho que isso queira dizer que não terei aquele aterrorizador elmo com os cornos de demônio – queixou-se Tyrion enquanto rabiscava a ordem para a prisão do homem.
Theon
Num instante estava dormindo, no seguinte tinha acordado.
Kyra aninhava-se contra seu corpo, com um braço dobrado levemente sobre o dele, os seios roçando em suas costas. Conseguia ouvir sua respiração, suave e regular. O lençol estava emaranhado em volta deles. Era noite fechada. O quarto encontrava-se escuro e sossegado.
O que foi? Será que ouvi alguma coisa? Alguém?
O vento suspirava levemente contra as venezianas. Em algum lugar, a distância, ouviu os miados de uma gata no cio. Nada mais. Dorme, Greyjoy, disse a si mesmo. O castelo está em paz, e tem guardas em posição. Em sua porta, nos portões, no armeiro.
Poderia ter atribuído aquilo a um pesadelo, mas não se lembrava de ter sonhado. Kyra tinha-o deixado exausto. Até Theon ter mandado buscá-la, vivera todos os seus dezoito anos na vila de Inverno sem nunca pôr os pés dentro das muralhas do castelo. Veio até ele úmida, ardente e flexível como uma doninha, e havia certo tempero inegável em foder uma moça qualquer de taberna na cama de Lorde Eddard Stark.
Kyra murmurou sonolentamente quando Theon deslizou de debaixo de seu braço e se pôs em pé. Ainda havia algumas brasas incandescentes na lareira. Wex dormia no chão, aos pés da cama, enrolado dentro de seu manto e morto para o mundo. Nada se movia. Theon atravessou o quarto até a janela e escancarou as venezianas. A noite tocou-o com dedos frios, e a pele nua arrepiou-se. Encostou-se no parapeito de pedra e olhou para fora, para torres escuras, pátios vazios, céu negro e mais estrelas do que um homem poderia contar, mesmo se vivesse até os cem anos. Uma meia-lua flutuava acima da Torre do Sino e projetava seu reflexo na cobertura dos jardins de vidro. Não ouviu alertas nem vozes, nem sequer um passo.
Está tudo bem, Greyjoy. Ouve o silêncio? Devia estar bêbado de alegria. Tomou Winterfell com menos de trinta homens, um feito digno de canções. Theon dirigiu-se de volta à cama. Iria fazer Kyra rolar sobre as costas e fodê-la de novo, isso deveria banir aqueles fantasmas. Os gemidos e risinhos dela seriam uma pausa bem-vinda naquele silêncio.
Parou. Acostumara-se tanto aos uivos dos lobos gigantes que quase já não os ouvia… Mas uma parte dele, um instinto qualquer de caçador, tinha ouvido sua ausência.
Urzen estava em pé junto à porta, fora do quarto, um homem vigoroso com um escudo redondo atirado sobre as costas.
– Os lobos estão calados – disse-lhe Theon. – Vá ver o que estão fazendo, e volte logo – pensar nos lobos gigantes soltos o deixou nervoso. Lembrava-se do dia no bosque dos lobos em que os selvagens tinham atacado Bran. Verão e Vento Cinzento tinham-nos feito em pedaços.
Quando cutucou Wex com a ponta da bota, o rapaz sentou-se e esfregou os olhos.
– Verifique se Bran Stark e o irmão mais novo estão na cama. Depressa!
– Senhor? – Kyra chamou sonolentamente.
– Durma, isto não lhe diz respeito – Theon serviu-se de uma taça de vinho e bebeu. Estava o todo tempo à escuta, esperando ouvir um uivo. Homens de menos, pensou amargamente. Tenho homens de menos. Se Asha não vier…
Wex foi o mais rápido a voltar, balançando a cabeça de um lado para outro. Praguejando, Theon apanhou a túnica e os calções do lugar onde os tinha deixado cair no chão, na pressa de se atirar sobre Kyra. Sobre a túnica vestiu um justilho de couro com rebites de ferro, e prendeu uma espada e um punhal na cintura. O cabelo estava desordenado como a floresta, mas tinha preocupações maiores.
Àquela altura, Urzen tinha retornado.
– Os lobos estão desaparecidos.
Theon disse a si mesmo que tinha de ser tão frio e cauteloso como Lorde Eddard.
– Acorde o castelo – ordenou. – Reúna-os no pátio, todos, veremos quem falta. E diga a Lorren para fazer uma ronda pelos portões. Wex, comigo.
Perguntou a si mesmo se Stygg já teria chegado a Bosque Profundo. O homem não era um cavaleiro tão bom como dizia ser; nenhum dos homens de ferro era grande coisa sobre a sela, mas já havia passado bastante tempo. Asha podia perfeitamente estar a caminho. E se souber que perdi os Stark… Não era bom pensar nisso.
O quarto de Bran estava vazio, tal como o de Rickon, meia-volta de escada abaixo. Theon amaldiçoou-se. Devia ter colocado um guarda vigiando-os, mas tinha achado mais importante ter homens patrulhando as muralhas e protegendo os portões do que servindo de amas a um par de crianças, uma delas aleijada.
Ouviu soluços lá fora quando as pessoas do castelo foram sendo arrancadas das camas e levadas para o pátio. Vou lhes dar motivos para soluçar. Usei-os com gentileza, e é assim que me pagam. Até tinha ordenado que dois de seus homens fossem chicoteados até sangrar, por terem violado a garota dos canis, para lhes mostrar que pretendia ser justo. Mas ainda me culpam pelo estupro. E pelo resto. Achava aquilo injusto. Mikken matara-se por causa da boca, tal como Benfred. Quanto a Chayle, tinha de oferecer alguém ao Deus Afogado, era o que seus homens esperavam.
– Não o quero mal – tinha dito ao septão antes de atirarem-no ao poço –, mas você e os seus deuses já não têm lugar aqui – era de se pensar que os outros ficariam gratos por não ter escolhido um deles, mas não. Gostaria de saber quantos deles teriam feito parte daquela conspiração contra si.
Urven regressou com Lorren Negro.
– O Portão do Caçador – Lorren falou. – É melhor que venha ver.
O Portão do Caçador estava convenientemente situado perto dos canis e das cozinhas. Abria-se diretamente para campos de cultivo e florestas, permitindo aos cavaleiros ir e vir sem terem de passar primeiro pela vila de Inverno, e por isso era o favorito dos grupos de caçadores.
– Quem tinha a guarda aqui? – Theon quis saber.
– Drennan e Squint.
Drennan era um dos homens que tinha violado Palla.
– Se deixaram os garotos fugir, juro que dessa vez arrancarei mais do que um pedaço de pele das costas deles.
– Não vai ser preciso – Lorren Negro disse concisamente.
E não era. Encontraram Squint flutuando no fosso, de barriga para baixo, com as entranhas boiando atrás dele como um ninho de serpentes brancas. Drennan jazia seminu na guarita, na sala compacta onde se manobrava a ponte levadiça. Sua garganta tinha sido cortada de orelha a orelha. Uma túnica esfarrapada escondia as cicatrizes meio saradas de suas costas, mas suas botas estavam espalhadas pelo chão e os calções embaralhados em volta dos pés. Havia queijo numa pequena mesa perto da porta, ao lado de um jarro vazio, e duas taças.
Theon pegou uma e cheirou as borras de vinho no fundo.
– Squint estava lá em cima, nas ameias, não?
– Sim – Lorren respondeu.
Theon atirou a taça dentro da lareira.
– Diria que Drennan estava puxando os calções para baixo para enfiar na mulher quando ela enfiou nele. Ao que parece, sua própria faca do queijo. Alguém vá buscar uma lança para pescar o outro idiota do fosso.
O outro idiota estava num estado bastante pior do que Drennan. Quando Loren Negro o tirou da água, viram que um de seus braços tinha sido arrancado pelo cotovelo, faltava metade de seu pescoço, e havia um buraco irregular onde ficava o umbigo e a virilha. A lança rasgou suas tripas quando Lorren o puxou. O fedor era horrível.