Theon se aproximou.
– Agora sou eu o seu senhor legítimo, e o homem que mantém Palla a salvo.
Viu o desafio morrer nos olhos de Farlen.
– Sim, senhor.
Dando um passo para trás, Theon olhou em volta para ver quem mais poderia acrescentar.
– Meistre Luwin – anunciou.
– Eu não sei nada de caça.
Não, mas não confio em você o suficiente para deixá-lo no castelo em minha ausência.
– Então já é mais que hora de aprender.
– Deixe-me ir também. Quero esse manto de pele de lobo – um garoto, que não era mais velho do que Bran, deu um passo adiante. Theon precisou de um momento para se lembrar dele. – Já cacei um monte de vezes – disse Walder Frey. – Veados vermelhos e alces, e até javalis.
O primo riu dele.
– Ele acompanhou o pai numa caçada ao javali, mas nunca o deixaram chegar perto do animal.
Theon olhou o garoto com uma expressão de dúvida.
– Venha se quiser, mas se não conseguir nos acompanhar, não pense que vou servir de ama-seca – voltou-se novamente para Lorren Negro. – Winterfell é seu na minha ausência. Se não voltarmos, faça com ele o que quiser – é melhor que isso os faça rezar pelo meu sucesso.
Reuniram-se junto ao Portão do Caçador no momento em que os primeiros raios pálidos de sol roçaram o topo da Torre do Sino, com o hálito congelando no frio ar da manhã. Gelmarr se equipara com um machado de cabo longo, cujo alcance lhe permitiria atacar antes que os lobos caíssem sobre ele. A lâmina era suficientemente pesada para matar com um único golpe. Aggar usava caneleiras de aço. Fedor chegou trazendo uma lança para javalis e uma sacola de lavadeira cheia até estourar com só os deuses sabiam o quê. Theon tinha seu arco; não precisava de mais nada. Uma vez salvara a vida de Bran com uma flecha. Esperava não ter de roubá-la com outra, mas, se precisasse, faria.
Onze homens, dois garotos e uma dúzia de cães atravessaram o fosso. Para lá da muralha exterior, os rastros eram fáceis de ler no terreno macio; as pegadas dos lobos, o passo pesado de Hodor, as marcas menos profundas deixadas pelos pés dos dois Reed. Uma vez debaixo das árvores, o solo pedregoso e as folhas caídas tornavam o rastro mais difícil de ver, mas aí a cadela vermelha de Farlen já tinha o cheiro. O resto dos cães seguia logo atrás, com os de caça farejando e ladrando e um par de monstruosos mastins fechando a retaguarda. Seu tamanho e ferocidade poderiam fazer toda a diferença contra um lobo gigante encurralado.
Teria pensado que Osha correria para sul, em busca de Sor Rodrik, mas os vestígios seguiam para norte-noroeste, em direção ao coração da mata de lobos. Theon não gostava nada daquilo. Seria uma amarga ironia se os Stark se dirigissem a Bosque Profundo e caíssem justamente nas mãos de Asha. Preferia vê-los mortos, pensou com amargura. É melhor ser visto como cruel do que como idiota.
Filetes de névoa pálida abriam caminho por entre as árvores. Árvores-sentinela e pinheiros-marciais cresciam densos por ali, e não havia nada tão escuro e sombrio como uma floresta de vegetação perene. O terreno era irregular, e as agulhas caídas disfarçavam a fofura da turfa e tornavam o chão traiçoeiro para os cavalos, por isso eram obrigados a avançar devagar. Mas não tão devagar como um homem carregando um aleijado, ou uma vadia ossuda com um garoto de quatro anos nas costas. Disse a si mesmo para ser paciente. Teria todos eles nas mãos antes de o dia acabar.
Meistre Luwin trotou até junto dele enquanto seguiam uma trilha de caça ao longo da borda de uma ravina:
– Até agora, a caçada parece não se distinguir de andar a cavalo pela floresta, senhor.
Theon sorriu.
– Há semelhanças. Mas na caçada há sangue no fim.
– Terá de ser assim? Essa fuga foi uma grande loucura, mas não será misericordioso? Aqueles que procuramos são seus irmãos adotivos.
– Nenhum Stark, a não ser Robb, agiu fraternalmente comigo, mas Bran e Rickon têm mais valor para mim vivos do que mortos.
– O mesmo se aplica aos Reed. Fosso Cailin fica no limite dos pântanos. Lorde Howland pode transformar a ocupação de seu tio numa visita ao inferno se decidir fazê-lo, mas enquanto você tiver os seus herdeiros, terá de segurar a mão.
Theon não pensara naquilo. A bem da verdade, quase não tinha pensado nos homens de lama, além das vezes que olhou Meera e pensou se ainda seria donzela.
– Pode ter razão. Vamos poupá-los se pudermos.
– E também a Hodor, espero. O rapaz é um simplório, bem sabe. Faz o que lhe é dito. Quantas vezes cuidou do seu cavalo, ensaboou sua sela, poliu sua cota de malha?
Hodor não era nada para ele.
– Se não lutar conosco, vamos deixá-lo viver – Theon apontou um dedo para ele. – Mas se disser uma palavra acerca de poupar a selvagem, poderá morrer com ela. Prestou-me um juramento e cagou nele.
O meistre inclinou a cabeça:
– Não arranjo desculpas para perjuros. Faça o que tiver de fazer. Agradeço-lhe a misericórdia.
Misericórdia, pensou Theon quando Luwin ficou para trás. Eis uma maldita armadilha. Em excesso, e chamam-no de fraco, muito pouca e é monstruoso. Mas sabia que o meistre lhe tinha dado bons conselhos. Seu pai pensava apenas em termos de conquista, mas de que servia tomar um reino se não se conseguisse mantê-lo? A força e o medo só serviam até certo ponto. Uma pena que Ned Stark tivesse levado as filhas para o sul; de outro modo, Theon poderia ter solidificado a posse de Winterfell através do casamento com uma delas. E Sansa era uma coisinha bonita, e àquela altura era até provável que já estivesse pronta para dormir com um homem. Mas encontrava-se a mil léguas de distância, nas garras dos Lannister. Uma pena.
A floresta tornou-se mais selvagem. Os pinheiros e árvores-sentinela deram lugar a enormes carvalhos escuros. Emaranhados de espinheiros escondiam ravinas e fendas traiçoeiras. Colinas pedregosas erguiam-se e desapareciam. Passaram pela cabana de um camponês, deserta e coberta de vegetação, e rodearam uma pedreira inundada onde as águas paradas tinham um reflexo cinza como aço. Quando os cães começaram a ladrar, Theon pensou que os fugitivos se encontravam por perto. Esporeou Sorridente e seguiu a trote, mas o que encontrou foi apenas a carcaça de um jovem alce… ou o que dela restava.
Desmontou para examiná-la melhor. A morte era ainda recente e claramente obra de lobos. Os cães farejaram os arredores da carcaça, avidamente, e um dos mastins enterrou os dentes num quadril, mas Farlen o afastou aos gritos. Nenhuma parte deste animal foi cortada com uma faca, Theon percebeu. Os lobos comeram, mas os homens não. Mesmo que Osha não quisesse se arriscar a fazer uma fogueira, deveria ter cortado algumas fatias. Não fazia sentido deixar tanta carne boa apodrecer.
– Farlen, tem certeza de que estamos no rastro certo? Não será possível que seus cães andem atrás dos lobos errados?
– Minha cadela conhece o cheiro do Verão e do Felpudo bastante bem.
– Espero que sim. Para o seu bem.
Menos de uma hora mais tarde, o rastro desceu uma encosta na direção de um córrego lamacento, cheio pelas chuvas recentes. Foi ali que os cães perderam o cheiro. Farlen e Wex atravessaram o curso d’água com os cães e voltaram a sacudir as cabeças, enquanto os animais percorriam a outra margem para cima e para baixo, farejando.
– Eles entraram na água, senhor, mas não estou vendo onde podem ter saído – disse o mestre dos canis.
Theon desmontou e ajoelhou-se na margem do córrego. Mergulhou uma mão nele. A água estava fria.
– Eles não devem ter ficado nesta água por muito tempo. Leve metade dos cães para baixo. Eu vou para cima...
Wex bateu palmas ruidosamente.
– O que foi? – Theon perguntou.
O rapaz mudo apontou.
O terreno junto à água encontrava-se encharcado e lamacento. Os vestígios que os lobos tinham deixado eram bastante evidentes.